A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abrirá investigação para avaliar se o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, teve seus direitos violados durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) no escândalo do Mensalão, em 2012.
A decisão da CIDH acatou a petição apresentada por Dirceu em 2014, na qual ele questiona o julgamento no Supremo, mesmo como autoridade sem prerrogativa de foro privilegiado no processo criminal. As informações são da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo.
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De acordo com seus advogados, José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'Acqua, o processo deveria ter ficado sob responsabilidade da Justiça federal comum, uma vez que o petista não ocupava cargo no período do julgamento. Eles apontaram que caberia aos juízes federais e tribunais regionais federais (TRF) julgar as acusações de crimes políticos e infrações penais.
"A Comissão Interamericana considera que a suposta vítima não teve a possibilidade de apelar a decisão do STF perante um juiz ou tribunal superior, uma vez que o STF determinou sua própria competência para atuar no caso", informa o relatório de admissibilidade da CIDH.
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A defesa de Dirceu ainda questiona o julgamento em "instância única" ao alegar que os responsáveis pela condenação foram os mesmos que analisaram os recursos contrários à decisão. Como regra, os processos originam-se em primeira instância e podem ser levados, por meio de recursos, à segunda instância, onde encontra-se o STF, responsável pela condenação.
"O processo foi conduzido de tal maneira que os recursos apresentados pela possível vítima após sua condenação penal sempre foram examinados por juízes que participaram da sentença condenatória inicial."
Em outubro de 2012, logo após o Supremo condenar Dirceu por corrupção ativa no caso do Mensalão, seu advogado, José Luís de Oliveira Lima, afirmou que a sessão de condenação não teve análise "correta".
"Entendo que a análise que foi feita pelo Supremo Tribunal Federal não foi a correta. A defesa entende que existem na Ação Penal 470 [processo do mensalão] várias provas que levavam a outro desfecho, ou seja, a inocência. Mas não foi esse o olhar do plenário e cabe à defesa respeitar uma decisão do Supremo", comentou.
Na ocasião, Oliveira Lima indicou que avaliaria com Dirceu a possibilidade de contestar a decisão em recurso na Corte Interamericana de Direitos Humanos: "Não analisei a situação, não conversei sobre isso com o meu cliente", reforçou.
O advogado ainda disse que decidiria se iria recorrer ou não a embargos declaratórios, recurso usado quando a defesa entende que existe obscuridade, omissão ou contradição em uma decisão. O artefato não permite a reversão da condenação.
O envolvimento de Dirceu no Mensalão
A Ação Penal (AP) 470 julgou a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 38 réus pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira no escândalo do Mensalão, que envolvia o pagamento mensal a deputados em troca de apoio no plenário do Congresso.
Em junho de 2005, acusado de corrupção, Dirceu pediu demissão do cargo de ministro da Casa Civil e retornou à antiga função de deputado federal por São Paulo. No mês seguinte, o julgamento chegou ao STF e, em dezembro, o petista teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, em votação com placar de 293 votos a favor e 192 votos contra.
O então relator do caso no Supremo, ministro Joaquim Barbosa, atribuiu a liderança no esquema a Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Em sua condenação, os ministros concluíram que não havia como Dirceu não saber do esquema que envolvia o PT, partido que fundou em 1980 e ajudou a levar ao poder em 2002.
Segundo o então ministro Marco Aurélio Mello, as negociações políticas do PT com partidos eram feitas, segundo relato de parlamentares réus no processo, com a participação do ex-presidente do partido, José Genoíno, e de Dirceu.
"Restou demonstrado, não bastasse a ordem natural das coisas, que José Dirceu realmente teve uma participação acentuada, a meu ver, nesse escabroso episódio", sinalizou Mello.
Em novembro de 2013, o ex-ministro entregou-se a agentes da Polícia Federal em São Paulo após ter sua prisão decretada pelo STF, com pena de dez anos e dez meses. Ele teria praticado corrupção ativa e formação de quadrilha, crime revisto pela Corte, que o absolveu em 2014, mesmo ano em que foi liberado pelo ministro Luís Roberto Barroso para cumprir o restante da pena de prisão em casa.