O Brasil tem um novo ministro da Justiça. Ricardo Lewandowski, de 75 anos, volta à vida pública quase 1 ano após se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Lula.
Professor titular de Teoria Geral do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Lewandowski, reconhecido como um dos nomes mais proeminentes do meio jurídico brasileiro, assumirá a pasta até então comandada por Flávio Dino, que passará a integrar a mesma Corte para a qual seu sucessor atuou por 17 anos.
Juristas renomados ouvidos pela Fórum, bem como entidades que representam a magistratura, advogados e trabalhadores do mundo jurídico do Brasil como um todo são unânimes em reconhecer a experiência de Lewandowski e a competência do ministro para assumir um dos ministérios mais importantes do governo.
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais conceituados advogados criminalistas do país, disse em entrevista à Fórum considerar a indicação de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça "um ato de rara felicidade". Segundo Kakay, o ministro “fez história” no STF
"O ministro, inquestionavelmente, preenche com folga todos os requisitos. No exercício do cargo de ministro do Supremo, casa onde foi um presidente que fez história, Lewandowski demonstrou ser, além de um grande jurista, um julgador que sempre pautou suas decisões com profundidade humanista e compromissos com a Constituição. Mas com coragem de ser, muitas vezes, contra majoritário, muitas vezes enfrentando uma mídia opressiva. Como juiz, o ministro Lewandowski foi corajoso e independente, honrando os que amam o Direito e entendem que o Direito só faz sentido se for para fazer Justiça", avalia o advogado.
O criminalista chama atenção para o fato de que o Ministério da Justiça engloba a pasta da Segurança Pública, apostando que a gestão de uma política de segurança pública no país será "o maior desafio" de Lewandowski.
"O Ministério da Justiça cai como uma luva no figurino do Ministro pela sua respeitabilidade, sua postura ética, seu prestígio. A pasta engloba a Segurança Pública e, acredito, este será o maior desafio do Ministro. O Brasil precisa ter um plano de Segurança Pública para enfrentar este que é, talvez, o maior problema da área", pontua.
Kakay aponta, ainda, outro desafio que Lewandowski deve se deparar: a questão penitenciária. O advogado acredita, contudo, que o novo ministro é uma das pessoas mais preparadas para lidar com o tema.
"O próprio Supremo Tribunal, com a presença do ministro Lewandowski no julgamento da ADPF 347, declarou o estado de coisas inconstitucional para o sistema prisional. Dar efetividade a este julgamento vai ser um grande desafio. Acredito que só um homem público com a dimensão do ministro Lewandowski poderia enfrentar tantos desafios".
O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional e integrante do Grupo Prerrogativas, por sua vez, considera que Lewandowski “é uma pessoa talhada para o cargo” e aponta que a segurança pública, tal como evocou Kakay, será um dos grandes desafios do novo ministro frente à pasta, adiantando que sua tarefa “não será fácil.
“Tem pela frente os doze trabalhos de Hércules. E um deles é o que mais atormenta a América Latina: a segurança pública. Hoje ela pode derrubar governos. E ministros. O governo tem de se dar conta de que quem mais sofre com a violência é a população pobre. E entender a pergunta sociológica: por que os pobres que sofrem essa violência votam na bancada da bala? Se entender isso e não for ingênuo em relação à segurança pública, estaremos avançando. Discursos ‘fofos’ sobre segurança estão atrasados em 50 anos. Não é fácil, pois, a tarefa de Lewandowski”, adverte.
Também em entrevista à Fórum, Vania Aieta, advogada, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), celebrou a indicação de Lewandowski ao Ministério da Justiça, destacando o caráter garantista do ministro.
"A indicação de Ricardo Lewandowski traz muita satisfação e alegria à Comunidade Jurídica, pois trata-se de emérito professor da USP, com larga experiência acadêmica além de ter sido Ministro de nossa Suprema Corte. É garantista o que nos dá conforto, pois nos dias atuais quem respeita o Ordenamento Jurídico já assegura segurança jurídica e paz social”, discorre.
Já o advogado e jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), descreve a escolha de Lula por Lewandowski para assumir a Justiça de seu governo como “excelente” e também chama atenção para o “compromisso com a Constituição” por parte do ministro.
“O ministro Lewandowski, além de invulgar saber jurídico, tem muito destaque em ambientes diferentes do Direito, do acadêmico à magistratura, e é muito experiente no sistema de Justiça e no exercício de poderes de Estado. Além de tudo, é um cidadão intensamente comprometido, por sua história pessoal, com os Direitos e a Constituição”, assevera.
Um dos cotados para assumir o Ministério da Justiça antes da indicação de Lewandowski, o advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, afirmou que trata-se da “melhor escolha” para o cargo.
"A indicação do nosso querido Ricardo Lewandowski para o cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública é um verdadeiro presente para todos e todas nós. Ricardo Lewandowski honrou a toga e todas as funções que ocupou ao longo da sua vida pública", escreveu Marco Aurélio em artigo.
Entidades
Entidades que representam advogados, juristas e juízes também receberam bem a notícia de que Ricardo Lewandowski será o novo ministro da Justiça.
- Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD)
"A escolha do ministro Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública é um grande acerto do presidente Lula. As credenciais humanistas, garantistas, do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, são evidentes atributos para uma gestão que em muito contribuirá para o processo de restauração do tecido democrático do Brasil! Dentre as competências do MJSP que são da agenda da ABJD, destacamos a questão do acesso à justiça, a grave crise migratória, que diz muito com perspectiva de paz e harmonia entre os povos, a segurança pública como garante da dignidade humana e do convívio social fraterno, solidário.Assim, só podemos aplaudir a decisão do presidente Lula”.
- Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
“A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), entidade representativa da magistratura federal brasileira, saúda a indicação de Ricardo Lewandowski, associado benemérito da entidade, como ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O anúncio foi realizado na manhã desta 5ª feira (11.jan), em Brasília (DF). A trajetória jurídica e a vasta experiência de Lewandowski, seja como advogado, professor ou ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) por 17 anos, conferem-lhe uma notável bagagem para conduzir as demandas e desafios inerentes à pasta da Justiça. A sua atuação pautada pela imparcialidade, seriedade e comprometimento com a justiça e a legalidade são aspectos que certamente contribuirão para o fortalecimento das instituições e para a consolidação do Estado Democrático de Direito. A Ajufe deseja sucesso ao ministro Ricardo Lewandowski na nova etapa e se coloca à disposição para colaborar nesta desafiadora missão da sua carreira profissional”.
- Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
“A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) saúda a indicação de Ricardo Lewandowski para o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. Sua destacada atuação como magistrado, sua reputação ilibada e notório saber jurídico preenchem plenamente os requisitos necessários para o desempenho da função. Ricardo Lewandowski também possui em sua trajetória uma honrosa passagem na condição de vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros –o que, mais uma vez, demonstra sua capacitação para o exercício pleno frente ao novo desafio”.
- Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
“A advocacia nacional cumprimenta Ricardo Lewandowski, com votos de que faça uma gestão bem-sucedida e profícua à frente do Ministério da Justiça. A OAB estará à disposição do ministro para os projetos e iniciativas de sua gestão no ministério. Lewandowski tem longo histórico de comprometimento com a Constituição, com a coisa pública e também com os direitos e garantias fundamentais, inclusive com as prerrogativas da advocacia”.
- Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)
“A APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais) parabeniza o ministro Ricardo Lewandowski pela indicação à nova função de ministro da Justiça e Segurança Pública. Desejamos que ele faça uma gestão exitosa e nos colocamos à disposição para contribuir e colaborar nas discussões e projetos sobre segurança pública e atividade policial. A APCF destaca a importância de manter e fortalecer a prova pericial no processo penal, considerando-a um direito e uma garantia para a sociedade. Além disso, ressalta a necessidade da autonomia e independência funcional, técnica e científica dos peritos oficiais de natureza criminal. Estes desempenham um papel crucial no sistema de Justiça penal ao realizar exames e análises dos vestígios de crimes de maneira equidistante, fundamentada na ciência e no rigor científico, contribuindo significativamente para a elucidação dos crimes. A perícia prova e faz justiça. Aponta culpados e, também, livra inocentes, sem compromisso prévio com nenhuma tese ou convicção investigativa. O único norte da perícia criminal é a busca pela verdade com o uso da ciência e o acompanhamento de sua constante evolução em prol da justa composição do corpo probatório”.
Quem é Ricardo Lewandowski
Nascido no Rio de Janeiro, Ricardo Lewandowski iniciou sua carreira no Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2006, sendo indicado durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua trajetória inclui a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2010 a 2012, sucedida pela presidência do STF de 2014 a 2016.
Antes de sua notável atuação no judiciário, Lewandowski graduou-se em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, concluindo o curso em 1971. Em seguida, obteve o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, graduando-se em 1973. Sua sólida formação acadêmica culminou nos títulos de mestre, doutor e livre-docente em Direito pela renomada Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde desempenha a função de professor titular de Teoria Geral do Estado.
No período de 1974 a 1990, o ministro atuou como advogado, desempenhando papéis essenciais na secretaria de Governo e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (1984 a 1988) e presidindo a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A (Emplasa) de 1988 a 1989.
A transição para a magistratura ocorreu em 1990, quando ingressou pelo Quinto Constitucional como juiz no antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, permanecendo na função até 1997. Posteriormente, foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Finalmente, em 2006, atingiu o ponto mais alto de sua carreira ao assumir a posição de ministro do STF.
Em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, Lewandowski liderou o julgamento no Senado Federal. Na ocasião, foi ele o responsável por separar a votação da cassação do mandato de Dilma e, assim, preservar os direitos políticos da ex-presidenta.
Lewandowski se destacou no STF em casos envolvendo cotas raciais no ensino público, proibição do nepotismo, restrições a manifestações em áreas específicas e reforma prisional. Em relação às cotas raciais, ele declarou a constitucionalidade do sistema, com base na política implementada pela Universidade de Brasília (UnB) em 2012.
Já sobre nepotismo, o ministro argumentou que essa prática viola a Constituição Federal. Ele também desempenhou papel essencial no reconhecimento da competência do Judiciário para determinar reformas em presídios, apontando violações de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro (ADPF 347).
Como presidente do Conselho Nacional de Justiça, Lewandowski implementou medidas para apresentação rápida de presos em flagrantes a juízes, buscando reduzir a população carcerária. Em junho de 2023, um relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) destacou que 28% dos presos no país são provisórios, representando 180 mil pessoas de uma população total de 644 mil detentos.
Como ministro do TSE, coordenou as eleições de 2010, quando Dilma Rousseff foi eleita presidenta pela primeira vez.