22 de abril de 2020. Início da pandemia do coronavírus, crise sanitária que durou 3 anos e vitimou mais de 700 mil brasileiros. Naquela data, o então presidente Jair Bolsonaro realizava uma reunião ministerial marcada por impropérios e palavrões. Ricardo Salles, hoje deputado federal pelo PL de São Paulo, era o ministro do Meio Ambiente e, na ocasião, disparou uma frase que se tornou sua marca: “passar a boiada” no Brasil.
Salles se utilizou do fato de que todos na reunião em questão estavam afirmando absurdos e declarou que era preciso aproveitar a “atenção da imprensa (…) voltada quase exclusivamente pro Covid” e “dar de baciada a simplificação”.
A simplificação de normas a que ele se referiu, central na agenda do ministério que comandava à época, visava facilitar a exploração do meio ambiente e desmontar os mecanismos de proteção e de preservação - medidas que atenderiam a demandas das grandes empresas, das quais é próximo.
“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disparou.
De fato, Salles e Bolsonaro “passaram a boiada” nas questões ambientais brasileiras. Nunca se desmatou tanto na História como durante o último governo, e o bolsonarista será sempre lembrado, até que se prove o contrário, como o pior ministro do Meio Ambiente de todos os tempos.
A agenda antiambiental de Salles, no entanto, não começou no governo Bolsonaro. Ele já havia sido condenado por fraude ambiental quando era secretário do Meio Ambiente de São Paulo, foi investigado por por enriquecimento ilícito no mesmo período e chegou a fazer campanha para deputado federal pelo partido Novo, em 2018, pregando assassinato de sem-terras através de um “santinho” com imagem de munição de arma de fogo.
Em junho de 2021, pouco mais de um ano após a fatídica reunião ministerial em que prometeu “passar a boiada”, Salles saiu do governo Bolsonaro alegando “razões familiares”. O motivo real, entretanto, era outro: investigações da Polícia Federal contra ele sobre corrupção, envolvimento com contrabando de madeira e facilitação para o desmatamento.
Mesmo assim, em 2022, Salles, filiado ao PL, conseguiu se eleger deputado federal com votação expressiva e, em maio de 2023, praticamente realizou um sonho: se tornou relator de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que visa criminalizar movimentos de luta pela reforma agrária, mais especificamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - aquele que o ex-ministro, em 2018, utilizou para pregar assassinatos na sua primeira tentativa de se eleger deputado.
A alegria de Ricardo Salles como relator da CPI do MST, entretanto, durou pouco: no dia 28 de agosto a 4ª Vara Federal do Pará aceitou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) e tornou o bolsonarista, oficialmente, réu pelos crimes de corrupção passiva, associação criminosa, facilitação ao contrabando, advocacia administrativa e obstrução à fiscalização ambiental. Trata-se de um desdobramento da mesma investigação que o levou a deixar o governo Bolsonaro em 2021.
“RÉUlator”
Ricardo Salles se tornou réu junto com outras 21 pessoas, entre elas o ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, que são acusadas pelo MPF de integrarem uma organização criminosa que encampou um "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais".
Segundo a denúncia aceita pela Justiça, Salles, enquanto ministro do Meio Ambiente, permitiu a exploração ilegal de madeira da Amazônia para venda no exterior após mudar regras do Ibama. A denúncia dá conta de que o ex-ministro favoreceu os madeireiros ilegais e permitiu "a representação de interesses privados em detrimento do interesse público".
Em outras palavras, Salles teria, de acordo com investigações da Polícia Federal, alterado regras ambientais para legalizar cargas de madeira obtida através do desmatamento ilegal para vendê-la nos Estados Unidos.
"A mais alta cúpula do Ministério do Meio Ambiente e a alta direção do Ibama manipularam pareceres normativos e editaram documentos para, em prejuízo do interesse público primário, beneficiar um conjunto de empresas madeireiras e empresas de exportação que tiveram cargas de madeira apreendidas nos Estados Unidos", diz trecho da denúncia.
Titular da CPI do MST, colegiado que Salles atua como relator, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), então, fez questão de constranger o bolsonarista cunhando um novo apelido: “RÉUlator”. A parlamentar imprimiu em folhas de papel sulfite cada um dos crimes associados a Salles na denúncia do MPF e exibiu um por um durante sessão da comissão, emparedando o ex-ministro que, a depender da conclusão da Justiça, pode ter que “passar a boiada” na cadeia.
“Decidi que falaria sobre isso, é claro. Lembro que, na instalação da CPI, questionei Salles como relator devido ao seu alinhamento com interesses do latifúndio e seus financiadores. Sua campanha foi anti-MST e o regimento é claro sobre impedir interesses individuais ao relatar (...) Decidimos chamá-lo de "RÉUlator" por brincadeira, foi uma coisa informal. Pode ser meio jocoso, meio tosco, mas pegou. Acho que foi bom, o deixou constrangido”, disse Sâmia Bomfim em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia.
“O Salles é uma pessoa difícil de constranger. Ele sempre mantém aquele sorriso irônico, estático.Mas foi a primeira vez que o vi meio sem jeito. Isso porque há muitos crimes. Não sou especialista, mas o inquérito é complexo. Há coisas sigilosas, não reveladas ao público. Mas há indícios de mensagens, pedidos de dinheiro, propina, coisas pesadas. Se prosseguir, ele poderá ser condenado, a situação pode se complicar legalmente. Ele tem um advogado competente, sabemos como é, mas sua situação não é simples. Acho que por isso ele ficou constrangido, veio em boa hora, coincidindo com o cenário político brasileiro”, prosseguiu a deputada.
20 escândalos de Ricardo Salles
- Pregou o assassinato de sem-terras e pessoas de esquerda
Durante sua campanha para deputado federal em 2018, pelo partido Novo, Ricardo Salles sugeriu o assassinato de sem-terras e de pessoas de esquerda de maneira explícita. Seu “santinho” de campanha prometia “segurança no campo”, em um claro apoio aos latifundiários, usando a imagem de munição de revólver como solução.
- Condenado por fraude ambiental
No final de 2018, o Salles foi condenado em primeira instância por fraude ambiental. A acusação do Ministério Público é que Salles, enquanto secretário do Meio Ambiente de São Paulo, teria fraudado mapas de um decreto para beneficiar empresas que atuam na várzea do Rio Tietê.
- Investigado por enriquecimento ilícito
Em julho de 2019, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar suposto enriquecimento ilícito de Salles. De acordo com o MP, o ex-ministro teve um enriquecimento atípico entre 2012 e 2017. Em 2012, quando foi candidato a vereador pelo PSDB, ele declarou à Justiça Eleitoral R$ 1,4 milhão em bens. Em 2018, quando foi candidato a deputado federal pelo Novo, declarou R$ 8,8 milhões, um estranho aumento de 335%.
- Mentiu no currículo
Em artigo de defesa das privatizações publicado na Folha de S. Paulo em 2012, o então desconhecido Ricardo Salles colocou em sua mini-biografia, ao final do texto, que era mestre em direito público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos. O título, no entanto, não passa de uma mentira. Ao site The Intercept Brasil, a universidade desmentiu o ex-ministro. A mentira, no entanto, antes de vir à tona, foi reproduzida na maior parte das entrevistas e aparições públicas que Salles fez desde que o artigo da Folha em que aparece com o título de mestre foi publicado.
- Desmontou o Conama
Em maio de 2019, já como ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles promoveu uma verdadeira destruição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama): cortou 77% dos conselheiros do órgão e o reformulou de acordo com seus interesses. Antes composto por 96 integrantes – entre entidades públicas e ONGs –, o Conama passou a ter 22 conselheiros, e o governo federal passou a ser o protagonista do órgão.
- Perseguição e demissão do presidente do ICMBio
Em abril de 2019, durante uma reunião com ruralistas, Salles fez ameaças explícitas contra funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele disse que processaria os agentes por não terem ido ao encontro. O problema é que o evento era em um sábado, fora do horário de expediente, e os servidores sequer haviam sido convidados. A ameaça foi filmada. Com a investida de Salles contra o ICMBio, poucos dias depois, o presidente do órgão, Adalberto Eberhard, pediu demissão do cargo.
- Gerou a demissão do diretor do Inpe e quebrou o Fundo Amazônia
Diante da divulgação dos dados que mostraram que o desmatamento na Amazônia havia crescido 278% em julho de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018, Salles, em consonância com Bolsonaro, articulou a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão. O governo afirmava, à época, que os dados eram mentirosos. A demissão de Galvão e a postura de Salles frente ao Ministério do Meio Ambiente fez com que a Alemanha e a Noruega decidissem suspender o repasse de R$ 288 milhões para o Fundo Amazônia destinados a projetos de preservação ambiental.
- Tentou processar a Fórum e perdeu
Ainda em junho de 2019, o Tribunal de Justiça (TJ) manteve decisão da juíza Daniela Dejuste de Paula, titular da 30ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, em primeira instância, e deu ganho de causa à Revista Fórum em ação judicial movida por Salles. “Basicamente, ele alegou que esses veículos teriam divulgado matérias inverídicas e difamatórias a respeito dele. Mas, na verdade, são reportagens que tratavam da atuação dele na época em que era secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo”, explica Gabriel Borges, advogado que representou a Fórum.
- Recorde de incêndios no Pantanal
Em setembro de 2020, O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou que o total de focos de incêndio no Pantanal bateu recorde histórico: 14.764 focos. O número era 214% maior do que os 4.699 registrados no mesmo período de 2020, que já tinha sido o mais alto índice desde 2012. Com Salles no Ministério do Meio Ambiente, os níveis de queimada no bioma batem recordes.
- Recorde de desmatamento na Amazônia
Além das queimadas no Pantanal, em 2020 o desmatamento também bateu recordes na gestão do ex-ministro. A destruição da Floresta Amazônica cresceu 9,5%, voltando a atingir a maior taxa desde 2008.
- Aproveitar a pandemia para "passar a boiada"
Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Ricardo Salles afirmou que era preciso aproveitar a “atenção da imprensa (…) voltada quase exclusivamente pro Covid” e “dar de baciada a simplificação” de regras ambientais: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
- "Revogaço" de proteção a restingas e manguezais
Em setembro de 2020, Salles revogou resoluções de preservação ambiental na 135ª reunião ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Foram revogadas resoluções sobre definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno (302/2002), que estabelece parâmetros, definições e limites de APPs (303/2002), atingindo diretamente áreas de mangues e restingas. Além disso, foi revogada uma medida que estabelece licenciamento de empreendimentos de irrigação (284/2001) e foi permitido o uso que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais – contrariando a regra anterior que previa o descarte. O "revogaço" teve forte repercussão negativa e, em outubro do mesmo ano, a ministra Rosa Weber, do STF, derrubou a decisão.
- Queda nas multas ambientais
Em janeiro de 2021, o orçamento proposto pelo governo para o Ministério do Meio Ambiente e órgãos vinculados foi o mais baixo em 21 anos. Essa redução no orçamento foi proposta enquanto Salles estava flexibilizando controle da exportação de madeira, loteando cargos nos órgãos ambientais com policiais militares e propondo a extinção do Instituto Chico Mendes. O total de multas aplicadas pelo Ibama em 2020 foi o menor em duas décadas. Houve queda de 20% na comparação com o ano anterior e de 35% em relação a 2018 (governo Temer).
- Cúpula do Clima e "milícia ambiental"
Entidades voltadas para questões climáticas denunciaram, em abril de 2021, que Salles queria criar o que chamam de “milícia ambiental” com o US$ 1 bilhão que pediu aos países ricos para combater o desmatamento na Amazônia. Em reuniões prévias à Cúpula do Clima com representantes dos Estados Unidos e de financiadores europeus, o ministro defendeu a formação de uma Força de Segurança Ambiental. Segundo ele, a patrulha armada poderia substituir a ação da Polícia Federal e dos órgãos como o Ibama e ICMBio.
- Assédio contra servidor do Ibama
Em maio de 2021, a Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e do Pecma do Distrito Federal (Asibama-DF) denunciou que um servidor do Ibama foi intimidado e pressionado por um superior e por um assessor de Salles. Hugo Leonardo Mota Ferreira, analista ambiental do Ibama, foi retirado de sua sala e teve seu computador confiscado. O servidor divulgou um documento no qual denunciava que o modelo de conciliação de multas, criado em 2019 pelo então ministro, é um fracasso, pois aplicou menos de 2% das autuações ambientais no período.
- Alvo de operação da PF
Ainda em maio de 2021, Salles foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF). Entre os crimes supostamente praticados estão corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando.
- Alvo de inquérito no STF
No início de junho de 2021, a ministra Cármen Lúcia, do STF, autorizou abertura de inquérito contra Salles por atrapalhar as investigações da Polícia Federal relativas à Operação Handroanthus. A notícia-crime foi apresentada originalmente pelo delegado Alexandre Saraiva, que foi exonerado do comando da PF do Amazonas após a denúncia. As acusações foram levantadas por Saraiva em razão da atuação de Salles diante da operação. Segundo o ex-chefe da PF no Amazonas, o ex-ministro fez “críticas ferrenhas à investigação a que nem sequer teve acesso” e defendeu publicamente os madeireiros investigados.
- Ignorou reunião do Conselho da Amazônia
Já pressionado pelas denúncias, no final de maio de 2021, o então ministro não compareceu à reunião do Conselho da Amazônia. O gesto provocou críticas públicas de Hamilton Mourão, então presidente do conselho. Ele reclamou da ausência do “ministério mais importante”, ressaltando que Salles, sequer, mandou um representante, e disse: “Falta de educação”.
- Restringiu acesso a multas ambientais
Deputados do PT protocolaram junto à Justiça Federal, em junho de 2021, uma Ação Popular contra Ricardo Salles e contra o então presidente do Ibama, Luis Carlos Hiromi Nagao, por conta da decisão que tornou restrito o acesso a milhares de processos administrativos e multas por crimes ambientais.
- Comprou mansão em meio às denúncias
Salles comprou uma casa em uma das regiões mais arborizadas e nobres de São Paulo (SP) em meio às investigações da PF sobre contrabando de madeira. Trata-se de um imóvel de dois andares na rua Honduras, no Jardim América, Zona Oeste da capital paulista, próximo ao Club Athletico Paulistano, frequentado pela elite da cidade. Na região, uma casa como a de Salles custa em torno de R$15 milhões.