GUERRA DECLARADA

Marco Temporal: Bolsonaristas e ruralistas afrontam STF e projeto de Lei é aprovado na CCJ do Senado

A aprovação é uma afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou a tese ilusória criada pelos ruralistas para definir uma data final de demarcação nas terras indígenas.

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Roque de Sá/Agência Senado

Bolsonaristas e ruralistas se aliaram na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e aprovaram nesta quarta-feira (27) o Projeto de Lei 2.903/2023 que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A votação ficou em 16 votos a 10 em favor do projeto - com uma ausência, do senador Márcio Bittar (União-AC). A CCJ ainda aprovou a tramitação em regime de urgência da matéria no plenário da casa legislativa.

A aprovação é uma afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que na quinta-feira (21) rejeitou a tese ilusória criada pelos ruralistas para definir uma data final de demarcação nas terras indígenas.

Após pedido de vista de Eliziane Gama (PSD-MA) na semana passada, o relator Marcos Rogério (PL-AP) rejeitou todas as emendas para colocar o projeto em votação a toque de caixa. Em acordo com o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), os bolsonaristas tentaram impedir a entrada de jornalistas na sessão.

Durante o debate, os defensores da proposta usaram a Comissão para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e defender o que classificam como equiparação de poderes e retomada da autonomia do Senado.

Marco Temporal

No seu parecer, Marcos Rogério confirma o relatório da CRA fixando a data da promulgação da Constituição federal, de 5 de outubro de 1988, como parâmetro de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena que solicita reconhecimento. 

Com 283 votos favoráveis e 155 contrários, os deputados aprovaram o texto (com o número PL 490/2007, na Câmara) no final de maio, após 15 anos de tramitação. Segundo o projeto, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição Federal, ela vinha sendo habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas.

Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.

No caso de o local pretendido para demarcação não estar habitado por comunidade indígena em 5 de outubro de 1988, fica descaracterizada a ocupação permanente exigida em lei, exceto se houvesse “renitente esbulho” naquela data — isto é, conflito pela posse da terra. Assim, terras não ocupadas por indígenas e que não eram objeto de disputa na data do marco temporal não poderão ser demarcadas.

O PL ainda altera a Lei 4.132, de 1962, para incluir, entre situações que permitem desapropriação de terras particulares por interesse social, a destinação de áreas às comunidades indígenas que não se encontravam em área de ocupação tradicional na data do marco temporal, desde que necessárias a sua reprodução física e cultural.

O projeto também proíbe a ampliação das terras indígenas já demarcadas e declara nulas as demarcações que não atendam aos seus preceitos.

STF

A aprovação do Projeto sobre o Marco Temporal é parte da guerra aberta pelos bolsonaristas e ruralistas contra o STF. Nesta terça-feira (26), o senador Rogério Marinho (PL-RN) anunciou o bloqueio de votações na Câmara e no Senado em protesto contra decisões do STF.

Além do aborto, os parlamentares citaram drogas, marco temporal e contribuição sindical como motivadores para a obstrução.

"Vamos nos posicionar obstruindo a pauta de votação no âmbito do Senado, como uma demonstração da nossa insatisfação pela forma como a relação entre os poderes vem sendo abalada. Nós afirmamos que há uma interferência por parte do Judiciário em ações que são de alvitre, de competência do Legislativo e esses quatro temas importantes exemplificam isso", disse Marinho em entrevista coletiva.

Marco Temporal

Com o voto do ministro Luiz Fux, o Supremo formou maioria para rejeitar a tese do Marco Temporal. O magistrado se juntou ao relator Edson Fachin e aos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Dias Toffoli, somando 6 votos pela rejeição da tese.

Favoráveis à tese votaram os dois ministros indicados ao Supremo por Jair Bolsonaro (PL): André Mendonça e Kássio Nunes Marques.

Logo após o Voto de Fux, a ministra Cármen Lúcia também votou contra o Marco Temporal e ampliou o placar da maioria para 7 a 2. Os ministros Gilmar Mendes, o decano, e Rosa Weber, a presidente da Corte, deram números finais à goleada jurídica: 9 a 2.

A tese é considerada por críticos da esquerda e pelos próprios indígenas como um dos principais instrumentos do agronegócio para invadir e explorar terras indígenas, e um ataque frontal aos direitos dos povos originários. De acordo com a cartilha “Marco Temporal” da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), 1393 territórios estão sob ameaça.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 226 processos que envolvem disputas de terras estavam parados em instâncias inferiores aguardando a decisão do STF, que terá um impacto direto em todos eles. Se fosse aprovada a tese, terras que estão em processo de demarcação ou que ainda não foram identificadas pelo poder público poderiam ser consideradas como propriedade particular ou do Estado, não podendo mais ser reivindicadas pelos povos originários. Por esse motivo, temos observado ao longo dos anos a mobilização de movimentos sociais e populares em todo o país contra a pauta, principalmente dos próprios movimentos indígenas.

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