O tenente coronel Mauro Cid revelou detalhes da reunião entre o Jair Bolsonaro (PL) e a cúpula das Forças Armadas, na qual o ex-presidente sugeriu o apoio dos militares para um golpe de Estado. Cid faz delação premiada com a Polícia Federal (PF) desde o início de setembro e uma série de falas poderia incriminar Bolsonaro.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro está preso pela investigação de um esquema de fraude no cartão de vacina, envolvimento no escândalo das joias sauditas e é alvo de inquérito sobre a organização de atos golpistas.
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O que aconteceu até as delações?
Cid esteve preso preventivamente no Batalhão do Exército de Brasília desde 3 maio de 2023, acusado de falsificação de cartões de vacinação pela operação Venire da Polícia Federal. Na prisão, ele teria recebido 73 visitas em um intervalo de 19 dias, incluindo parlamentares, militares e aliados do ex-presidente.
O então militar da ativa também estaria envolvido na venda irregular de presentes recebidos por Jair Bolsonaro de outros chefes de Estado e participação na organização de um golpe de Estado.
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No acordo com a Polícia Federal, Cid se comprometeu a colaborar com as investigações sobre crimes cometidos durante o governo Bolsonaro. Mauro Cid prestou oitivas à Polícia Federal entre maio e setembro de 2023.
Os depoimentos de Cid
Na primeira oitiva, em 12 de maio, Cid negou as acusações de falsificação de dados no cartão de vacina, esquema no qual Jair Bolsonaro e sua família também têm suposto envolvimento. Sua versão afirma que ele não sabia que os cartões eram falsos e que os havia recebido de um funcionário do Palácio do Planalto – que lhe informou que os cartões eram verdadeiros.
Em 18 de maio, quando perguntado sobre o esquema de fraude nos cartões de vacina da família Bolsonaro, Cid ficou em silêncio. Ele alegou que não teve acesso ao conteúdo integral da investigação.
Nove dias depois, em 27 de maio, ele admitiu ter participado da venda irregular de alguns dos presentes recebidos por Bolsonaro de outros chefes de Estado, como as joias sauditas. Ele afirmou que não sabia que estavam sendo vendidos ilegalmente. Cid teria vendido um relógio Rolex por R$ 300 mil e entregue o dinheiro para Bolsonaro em mãos.
O "faz-tudo" voltaria a ficar em silêncio em 6 de junho, no depoimento ao Departamento de Inteligência (DIP) da PF. Cid permaneceu em silêncio quando questionado sobre as conversas alusivas a uma tentativa de golpe de Estado.
Em seu celular, a Polícia Federal extraiu uma minuta para decretação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) – convocação da operação militar das Forças Armadas pelo presidente em perturbações de ordem – e tratativas para decretação do Estado de Defesa.
Muaro Cid também compareceu à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no dia 11 de julho, porém permaneceu em silêncio diante dos questionamentos de parlamentares. Na CPI dos Atos Antidemocráticos de 24 de agosto, ele ficaria em silêncio novamente.
Em agosto, o militar foi interrogado sobre sua participação na organização de um golpe de Estado e negou ter participado de qualquer plano para derrubar o regime democrático. Cid foi investigado pela contratação do hacker Walter Delgatti Netto para invadir as urnas eletrônicas, na conversa entre Carla Zambelli (PL), o hacker e Bolsonaro.
O que disse Cid nas delações pode levar Bolsonaro à prisão?
Em 9 de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou o pedido de homologação da delação premiada de Mauro Cid. Moraes também concedeu liberdade provisória para Cid, mediante medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e proibição de contato com testemunhas.
Em suas delações, Cid revelou uma gama de informações sobre os crimes cometidos durante o governo Bolsonaro. Entre as ilegalidades, foram mencionados a participação golpista de Bolsonaro nos atos antidemocráticos; a disseminação de fake news por Bolsonaro e seus aliados com o objetivo de fragilizar a democracia brasileira; e a pressão do ex-presidente sobre as instituições, a exemplo do STF.
Cid está associado à Bolsonaro em três pontos:
Falsificação do cartão de vacinação de Bolsonaro e seus familiares
O Projeto de Lei 114/22 tipifica como crime de falsificação de documento público a alteração do cartão de vacinação, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa.
Atos antidemocráticos
Bolsonaro pode ser preso por incitação ao crime a partir de seu envolvimento do nas tentativas golpistas contra a democracia mais brandas, como o incentivo à invasão do Congresso Nacional em 7 de setembro de 2021; e em circunstâncias violentas, como o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Auxiliares e familiares de Bolsonaro também estariam ligados às milícias digitais, organizações criminosas marcadas pela desinformação e disparo de fake news.
O artigo 286 do Código Penal Brasileiro diz: "incitar a prática de crime inafiançável é crime, punido com reclusão, de um a três anos, e multa".
O ex-presidente também pode ser preso por abuso de poder. Ele é investigado por pressionar o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, para a nomeação de um agente da Polícia Federal para a chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro.
O artigo 319 do Código Penal Brasileiro diz: "o funcionário público, sem justa causa, excedendo os limites de sua competência ou abusando de seu cargo, comete ato de abuso de poder".
Contrabando de joias
A operação da PF aponta suspeita de uso da estrutura do governo federal por parte de Bolsonaro para desvio de presentes de alto valor. Com o recebimento e venda de joias e presentes de autoridades estrangeiras, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, apontou que Bolsonaro pode estar envolvido com crimes como peculato e lavagem de dinheiro.
Bolsonaro pode ser preso por peculato pois teria enriquecido com a venda dos presentes, que ao invés de serem considerados bens públicos, foram registrados como acervo privado do então presidente. O crime de peculato é configurado como a apropriação de dinheiro, valor ou bem público por parte de um funcionário público, que teria a posse destes itens devido ao cargo.
Ele poderia receber pena de dois a 12 anos de prisão e multa se os itens forem categorizados como bens públicos, o que determinaria o crime.
Investigado por lavagem de dinheiro, Bolsonaro poderia receber pena de três a dez anos de prisão, além de multa, caso oculte a natureza, localização, disposição, movimentação e propriedade de bens ou valore provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Por fim, existe a possibilidade de acusação por descaminho, crime de desvio de mercadorias para evitar tributação, pode gerar reclusão de um a quatro anos. A PF viu "indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República", órgão responsável pela documentação do acervo do cargo.