Por Henrique Rodrigues, da Sucursal EUROPA, e Mauro Lopes, da Sucursal BRASÍLIA |
Brasília vive uma “guerra” tão invisível quanto vital para o futuro da democracia do país, atacada ferozmente nos meses que se seguiram à derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro e que vieram após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A segurança pessoal do chefe de Estado e de governo, assim como a de Janja, do vice Geraldo Alckmin, de Lu Alckmin e de seus familiares diretos, passou desde a posse para as mãos da Polícia Federal (PF). Cabe à PF gerir e coordenar a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente (SESP). Até a posse de Lula, a função era atribuição dos militares do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). Quem está à frente da Secretaria é o delegado e chefe de segurança de Lula durante a campanha eleitoral, Alexsander Castro de Oliveira, que tem ligação estreita com o diretor da PF, Andrei Rodrigues.
A guerra pelo controle da segurança presidencial acontece desde o início do governo Lula, conforme a Fórum indicou em reportagem exclusiva em março passado, mas está em novo momento e patamar, com a nomeação do general Marcos Antonio Amaro dos Santos na quinta-feira passada para a chefia do GSI e sua exigência de que os militares voltem a controlar a segurança presidencial.
Para se compreender melhor essa dinâmica, e enxergar a “guerra” invisível, faz-se necessário recordar mais uma vez de quem eram essas atribuições: do GSI, que durante o governo Bolsonaro tornou-se o cerne do golpismo bufo que ameaçou (e segue ameaçando) o Brasil, então nas mãos do general Augusto Heleno, figura funesta da caserna verde-oliva que remete às práticas e expedientes mais sinistros de períodos nada democráticos de nossa história.
É preciso também contextualizar que o Brasil tem um histórico conturbado no que diz respeito aos temas segurança presidencial e golpismo. Sobre as inúmeras investidas dos militares contra a democracia brasileira, é totalmente dispensável pormenorizar. Já sobre a proteção de seu líder máximo, nunca é demais lembrar que o amadorismo e as relações escusas fazem parte de capítulos importantes da vida republicana do país, tendo como exemplos máximos a tentativa de invasão do Palácio Guanabara por integralistas, em 1938, quando Getúlio Vargas, a filha e meia dúzia de funcionários precisaram pegar revólveres para trocar tiros com os golpistas de extrema direita, e também o caso de Gregório Fortunato, o guarda-costas-chefe de Getúlio, que era na verdade uma espécie de “leão de chácara”, uma vez que sequer era agente de segurança ou militar, e que acabou acusado de participar do chamado Atentado da Rua Tonelero, quando supostamente tentaram matar o golpista Carlos Lacerda.
O 8 de janeiro expôs as vísceras do GSI. A bem da verdade, a Fórum já mostrava desde 13 de dezembro de 2022, após os atos de terror que transcorreram nas vias públicas da capital federal, cujo ponto máximo de ousadia foi a tentativa de invasão da sede da PF, que os homens comandados por Heleno estavam por trás de um plano “sofisticado” de desestabilização do Brasil. Em português claro: tramavam um golpe por meio de infiltração entre os celerados bolsonaristas do acampamento do QG do Exército para, a partir dali, pilotarem uma operação que não permitiria a posse de Lula e que resultaria inevitavelmente na permanência de Bolsonaro no cargo, por meio da decretação de uma GLO (operação de Garantia da Lei e da Ordem), a cargo dos “desinteressados” chefes das Forças Armadas.
Acontece que tudo deu errado, Lula subiu a rampa e Bolsonaro desapareceu como fumaça, rumando para um retiro patético nos EUA, onde permaneceu comendo frango frito e tirando selfie em gôndolas de supermercado, ao passo que seus agentes eram desmascarados e seus seguidores fanáticos eram presos. Diante dos fatos, coube ao novo presidente estabelecer que sua segurança pessoal não estaria mais nas mãos dos militares, tampouco sob a tutela do GSI, uma sigla que acabou se convertendo no país num sinônimo de golpe.
Passados pouco mais de quatro meses da tentativa de golpe e quase um mês da queda do primeiro ministro de Lula, o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias, o afamado G. Dias, justamente do GSI – e em decorrência do “surgimento” (na redação da CNN Brasil) de um vídeo em que o ministro-chefe aparecia sem fazer muita coisa durante a invasão bárbara dos extremistas bolsonaristas ao Palácio do Planalto –, eis que o petista anuncia o novo chefe do Gabinete de Segurança Institucional e dá posse a ele poucos dias depois, o general Marcos Antonio Amaro dos Santos.
Amaro, como é chamado nos quartéis, já em suas primeiras declarações após ser oficialmente empossado diz categoricamente que trará de volta o GSI para cumprir com a missão constitucional para a qual foi criado, a de proteger o presidente da República, seus familiares e todas as áreas vitais da chefia do Estado.
A Fórum tem mantido contato frequente com policiais federais que atuam nessa área e que estão lotados na Presidência da República, em conexão direta com a SESP. Todos os ouvidos garantem que "os movimentos do 'novo' GSI buscam retomar esse protagonismo na segurança do presidente, e as razões que movem os militares nessa direção seriam bem óbvios". Deixar de estar com "seu aparato de arapongagem e com seus agentes de inteligência dentro do gabinete de Lula, pode-se dizer, seria um grande problema" para os fardados, "acostumados a respirar o mesmo ar que os presidentes e tramarem as maiores quimeras para impor suas vontades".
A "saliência" de Amaro ao dizer a jornalista que trará de volta a segurança presidencial para o GSI (o que não é uma decisão que cabe a ele) não é o único sinal de que o general age em sincronia com o popularmente batizado “partido militar”. Em entrevista ao Valor Econômico, nesta segunda-feira (8), mais uma vez transcendeu suas competências e resolveu opinar sobre a interferência do oficialato na vida política brasileira. Ele partiu para cima da PEC que quer afastar dos quartéis militares com menos de dez anos de caserna que pretendam entrar na política e que passa automaticamente para a reserva aqueles com mais de dez anos que façam a mesma coisa.
“Eu não acho que é uma medida muito adequada. Essa é a minha opinião pessoal. Não estou falando como chefe do Gabinete de Segurança Institucional... Isso vai valer para outras carreiras de Estado? Se valer para outras carreiras de Estado, eu concordo plenamente”, disse, ignorando um fato simples e notório, o de que outros servidores não têm poder para dar um golpe de Estado pela força.
No mundo, a imensa maioria das democracias modernas e consolidadas já tirou das mãos dos militares a proteção de chefes de Estado e de governo. Nos EUA, uma agência própria, o Secret Service, é que dá segurança ao homem mais poderoso do planeta, ao passo que, no Reino Unido, o chamado Protection Command, com agentes da Polícia Metropolitana de Londres, é quem protege o rei e o primeiro-ministro. Na França, o Groupe de Sécurité de la Présidence de la République, formado com servidores da Police Nationale e da Gendarmerie, é quem resguarda o ocupante do Palácio do Eliseu, da mesma maneira que na Espanha o Servicio de Seguridad de la Casa Real protege o monarca reinante, por meio de elementos do Cuerpo Nacional de Policia e da Guardia Civil. Todos de caráter civil, com auxílio por vezes de pessoal militar, mas chefiados sempre por um “paisano”.
Diante dos fatos ocorridos nos últimos meses e da vigorosa “balançada” que deu a democracia no Brasil por conta do golpismo de Jair Bolsonaro, que mostrou o nível de infiltração ideológica e corporativista nas Forças Armadas, a PF e seus agentes operacionais e administrativos voltados à segurança de Lula seguem reiterando a importância de se colocar um freio na ideia de que o GSI retome essa tarefa e que a partir dela tente outra vez realizar atividades que não são de sua incumbência e que afrontam o regime democrático no país.
Vídeo inédito
Assista a seguir a um vídeo inédito sobre o funcionamento atual da segurança presidencial, sob controle civil da SESP.
O comando civil do órgão não significa a ausência de militares na segurança presidencial. Além dos policiais federais, a SESP tem em seus quadros militares do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira (FAB), oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Força Nacional de Segurança Pública, policiais militares dos estados do Piauí, Bahia, Espírito Santo e Paraná, policiais civis de Santa Catarina e Pernambuco, bombeiros militares do Distrito Federal e policiais penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais e do estado do Rio Grande do Sul.