A noite de 8 para 9 de janeiro de 2023 entrou para sempre na História do Brasil. Horas antes, ainda na tarde daquele fatídico domingo, um numeroso grupo de terroristas bolsonaristas tentou um golpe de Estado em Brasília, invadindo e destruindo as sedes dos três poderes da República. Após as cenas inacreditáveis, quem não foi detido na hora, voltou para o acampamento instalado por esses extremistas na porta do Quartel General do Exército, a poucos quilômetros dali.
Aquelas horas foram de agitação e de muitas versões diferentes. Há quem diga que com a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, para que o ajuntamento de arruaceiros fosse desmobilizado imediatamente e seus participantes detidos, os ânimos teriam se alterado e uma discussão entre o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o chefe do Comando Militar do Planalto (CMP), general Gustavo Henrique Dutra, teria ocorrido.
Agora, passados quase cinco meses, o militar compareceu à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital do DF e lá afirmou que jamais colaborou com os criminosos. Em sua versão, ele evitou uma ação naquele momento, em meio à madrugada, mas teria dado condições para que os extremistas “fossem dormir”, sentindo-se seguros, para que na manhã seguinte a PM do DF os prendesse logo nas primeiras horas do dia.
“(Teria sido dito por Lula) ‘General, são criminosos, tem que serem todos presos’ (e ele teria dito), ‘presidente, estamos todos no mesmo passo, estamos todos indignados iguais, todos serão presos’... O presidente Lula, eu tenho uma admiração pela inteligência emocional dele... Isolamos a praça, e aí acontece um fato interessante, porque havia em algumas pessoas um nível de fanatismo, um nível, não entendo, de transe, que quando nós isolamos as praças, e dá para ver no primeiro vídeo que o senhor passou, dá para a linha de soldados lá isolando as praças, e quando nós isolamos as praças as pessoas estavam achando lá que estávamos isolando as praças para protegê-las, e foram dormir...”, explicou o general.
Indignados com o depoimento de Dutra, os bolsonarista passaram os últimos dias dizendo que o alto oficial teria cometido o crime de perfídia, tendo em vista suas próprias palavras e sua versão admitindo que colaborou com a prisão dos criminosos. O termo, desde então, passou a figurar nas redes sociais e ocupou até os trending topics do Twitter. Mas, afinal, o que é perfídia?
Bolsonaristas são mestres em desvirtuar conceitos e aplicar teorias esdrúxulas para tentar dar credibilidade a seus devaneios, e neste caso ocorre justamente isso. Perfídia, um crime nos ordenamentos jurídicos brasileiro e internacional, seria um ato, conforme o dicionário, “pérfido”, ou seja, uma “traição”, ou uma grave “deslealdade” à tropa e, por consequência, à nação. Tome como exemplo um oficial que comanda e conduz um destacamento num combate e, sabendo que terá inimigos pela frente, e de forma combinada com eles, entrega seus subordinados para que sejam mortos ou presos.
No caso do general Dutra, a maluquice interpretativa dos seguidores lunáticos de Jair Bolsonaro entende que o grupo de criminosos terroristas, que atacou o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para dar um golpe de Estado, seria “a tropa” a quem o oficial deveria lealdade. Essa lealdade teria sido traída no momento em que Dutra os deixou acreditar que estavam protegidos no acampamento do QG, para que na manhã seguinte a polícia levasse todos presos.
A tese é desconectada da realidade por uma razão simples. Aqueles homens e mulheres que cometeram os atos golpistas não são integrantes de “tropa” alguma, tampouco eram componentes do Exército Brasileiro numa missão militar. Eram tão somente criminosos extremistas que tinham acabado de cometer uma infinidade de atos ilícitos. Ou seja, o general Dutra apenas teria cumprido com sua função como servidor público: cooperar para que as autoridades civis e militares, por meio de amparo em decisões judiciais, cumprissem as ordens expedidas.