8 DE JANEIRO PASSADO A LIMPO

GSI, o bunker do golpismo, é finalmente exposto - e a Fórum avisou

Vazamento de imagens que mostram agentes do GSI sendo coniventes com golpistas e a suposta anuência do então chefe do órgão revelam infiltração bolsonarista no governo Lula, que agora sinaliza apoio à CPMI para investigar o 8 de janeiro

Agentes do GSI durante a invasão ao Palácio do Planalto.Créditos: Reprodução
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Desde dezembro de 2022, a Fórum vem publicando uma série de reportagens, feitas pelo jornalista Henrique Rodrigues, denunciando o envolvimento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, à época chefiado pelo general Augusto Heleno, com os atos golpistas promovidos por apoiadores do então presidente. 

A denúncia partiu de uma fonte da Fórum — um servidor da Polícia Federal lotado na Presidência da República — que, já em 12 de dezembro daquele ano, expôs como o GSI estava por trás da noite de terror em que carros e ônibus foram incendiados na capital federal. Quando os bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, essa mesma fonte transmitiu ao vivo os acontecimentos para a Fórum e seguiu afirmando que havia agentes do GSI de Bolsonaro envolvidos com o levante golpista, apesar de Lula ter assumido o poder uma semana antes. 

Centenas de golpistas foram presos pela Polícia Federal (PF) e outros tantos seguem sendo investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A presença de “infiltrados” do antigo GSI de Bolsonaro no governo Lula que vinha sendo denunciada pela Fórum, entretanto, foi ignorada por boa parte da mídia brasileira.

Vídeos vazados que vieram à tona nesta quarta-feira (19), porém, expuseram o que o servidor da PF já vinha alertando. Nas imagens, gravadas durante a invasão ao Palácio do Planalto, é possível ver agentes do GSI sendo coniventes com os golpistas. Nas cenas aparece também o general Marco Edson Gonçalves Dias, à época chefe do órgão, que havia sido nomeado por Lula para substituir o então titular, Augusto Heleno, dias antes. 

As imagens caíram como uma luva para a narrativa encampada por bolsonaristas de que o governo Lula teria "armado" o levante golpista para, depois, responsabilizar e punir opositores. Tanto é que apoiadores de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional já vinham coletando assinaturas para instaurar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) com o intuito de, paralelamente ao STF e PF, “apurar” o levante de 8 de janeiro e fazer prevalecer a tese de “armação”. 

Acontece que os novos fatos já estão fazendo o governo Lula adotar uma posição diferente, que deve complicar ainda mais a situação dos bolsonaristas que querem reescrever a história do 8 de janeiro. 

Demissão de Gonçalves Dias

Horas após o vazamento dos vídeos que mostram agentes do GSI e o então chefe do órgão, o general Gonçalves Dias, supostamente sendo coniventes com os golpistas, o militar pediu demissão do cargo, o que foi prontamente aceito pelo presidente Lula. Em seu lugar, foi nomeado de forma interina Ricardo Cappelli, atualmente secretário-executivo do Ministério da Justiça e o responsável por liderar a intervenção federal decretada no Governo do Distrito Federal logo depois do 8 de janeiro. 

Paralelamente à demissão do militar, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou uma nota oficial destacando que, no dia dos atos golpistas, o GSI ainda contava com membros remanescentes da gestão Bolsonaro. O posicionamento vai ao encontro do relatado pelo servidor da PF lotado na Presidência, fonte da Fórum, dando conta de que os agentes que aparecem nas imagens vazadas são membros da equipe que era liderada pelo antigo chefe do órgão, o general Augusto Heleno.

"A violência terrorista que se instalou no dia 8 de janeiro contra os Três Poderes da República alcançou um governo recém-empossado, portanto, com muitas equipes ainda remanescentes da gestão anterior, inclusive no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que foram afastados nos dias subsequentes ao episódio", diz a nota da Secom de Lula. 

“Dessa forma, todos os militares envolvidos no dia 8 de janeiro já estão sendo identificados e investigados no âmbito do referido inquérito. Já foram ouvidos 81 militares, inclusive do GSI”, prossegue o comunicado. 

Em entrevista à jornalista Cynara Menezes, da Sucursal Brasília da Fórum, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) fez uma revelação que deve ensejar uma verdadeira “limpa” no GSI pelo governo Lula. Segundo o parlamentar, o presidente havia pedido a Gonçalves Dias as imagens da invasão ao Palácio do Planalto e o general havia-lhe dito que elas teriam sido danificadas. “Houve quebra de confiança total”, disse o parlamentar.

Presidente nacional do PT e uma das pessoas de maior confiança de Lula, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) também sinalizou que o governo deve encampar uma operação para se livrar dos infiltrados bolsonaristas.

“Agentes filmados colaborando com invasores do Planalto eram do governo Bolsonaro, do GSI do general Heleno, que ainda não haviam sido substituídos. O general Gonçalves Dias sai, mas as investigações continuam. Não adianta vir com armação: invasores, terroristas e golpistas eram todos da turma de Bolsonaro. Vão pagar por seus crimes”, disparou a dirigente. 

Agora, governo Lula apoia CPMI do 8 de janeiro: “Quem tem que temer são os golpistas”

Diante dos “novos” fatos — que já tinham sido denunciados pela Fórum —, a base do governo Lula no Congresso Nacional mudou de ideia e decidiu apoiar a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os responsáveis pelo levante golpista de 8 de janeiro. 

Até então, a instalação da CPMI era defendida apenas por bolsonaristas, que tentam sustentar a tese de que foi o próprio governo Lula que "armou" a tentativa de golpe para depois responsabilizar opositores. O requerimento para criação da comissão é de autoria do deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE) e já tem o número necessário de assinaturas.

Segundo o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a evidência de que o GSI ainda tinha servidores bolsonaristas em 8 de janeiro e que eles foram complacentes com os golpistas motivou a base do governo a fazer uma reunião com o presidente Lula e, no encontro, foi definido o apoio à investigação conjunta da Câmara e do Senado. 

Em discurso no plenário do Senado, Randolfe afirmou que agora é a base do governo quem quer a CPMI que deve ser instalada no próximo dia 25 de abril. 

"Dia 25, nós é que queremos a leitura desse requerimento de CPMI. Vamos para essa investigação, e vamos com força. E, olha, de investigação e comissão de inquérito nós entendemos. Estamos com vontade, estamos com desejo de ter essa investigação. Ouçam bem claramente: queremos essa investigação", disparou o parlamentar. 

"No 8 de janeiro tiveram três vítimas neste país: a República, a democracia e o atual governo. Nós não fomos os algozes do 8 de janeiro. Nós fomos as vítimas. E por isso que naquele dia prendemos mais de mil (...). Se a razão da obstrução é a tal da CPMI, vamos à investigação, em todos os cantos que ela esteja", emendou. 

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), por sua vez, afirmou que "quem tem que temer são os golpistas", ao anunciar o apoio da base governista à criação da CPMI. 

"Quem tem que temer CPMI dos atos antidemocráticos são os golpistas. Queremos apurar tudo e continuar punindo os culpados!", disse por meio das redes sociais ao anunciar uma coletiva de imprensa sobre o assunto. 

O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) concedeu entrevista nos corredores do Congresso e também endossou a criação da CPMI. 

"Vamos convocar esse povo todo, vamos descobrir deputados que financiaram os atos de 8 de janeiro, vamos atrás da conexão com Bolsonaro. Pra mim a conexão com Bolsonaro é o ex-ministro Anderson Torres (...). Eles não têm como virar o jogo para cima do atual governo. Queremos punir também quem se omitiu naquele dia", pontuou. 

"A partir do que aconteceu, agora é ir para a ofensiva. Estou convencido de que vai ser o maior tiro no pé da base bolsonarista. Vai ter deputado bolsonarista que vai ser cassado porque incitaram, financiaram caravanas, e isso pode chegar no próprio Bolsonaro. Eu não consigo ver como uma CPMI dessas possa se virar contra o próprio governo", disparou ainda.

As novas imagens vazadas do 8 de janeiro soaram, a princípio, como uma “bomba” que afetaria o governo Lula. O que elas revelam, no entanto, é a confirmação de que o verdadeiro bunker bolsonarista do golpismo era o GSI. Ou melhor, ainda é.