Renato Freitas, deputado estadual pelo PT no Paraná, segue sendo alvo de perseguição política. Militante de esquerda, negro e periférico, o petista foi surpreendido, nesta quinta-feira (9), por um pedido de cassação de seu mandato protocolado junto à Assembleia Estadual do Paraná (Alep) pelo secretário de Segurança Pública do estado, coronel Hudson Teixeira. O parlamentar, que concedeu entrevista à Fórum, ainda não foi notificado do pedido e informou que tomará medidas cabíveis assim que isso for feito.
No ano de 2022, Freitas foi cassado em duas ocasiões pela Câmara dos Vereadores de Curitiba, em um processo marcado por arbitrariedades e racismo, mas conseguiu retomar seu mandato após entrar com recursos na Justiça e obter decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF). Vereadores de direita queriam cassá-lo pelo fato de o parlamentar ter entrado numa igreja que homenageia os negros durante um ato político do qual participava, protestando contra as mortes do congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, em fevereiro daquele ano.
A perseguição, nesse caso, ficou explícita, já que a própria Arquidiocese de Curitiba, à época, negou que Freitas tenha perturbado uma missa e pediu à Câmara da capital paranaense para interromper o processo de cassação.
Provada sua razão perante a Justiça e com seu mandato de vereador retomado, Renato Freitas se elegeu deputado estadual na eleição de outubro de 2022 com 57.880 votos. Pouco mais de um mês após assumir o cargo na Alep, entretanto, o petista voltou a ser alvo de um pedido de cassação.
Desta vez, ele é acusado pelo secretário de Segurança Pública do governo de Ratinho Júnior (PSD) de "infringir o regimento interno" da Casa legislativa por supostas “ilações infundadas, descabidas e distorcidas da realidade proferidas a militares estaduais e à Polícia Militar do Paraná”.
Na representação, o secretário se refere a um discurso feito recentemente por Renato Freitas na Alep em que comenta dados divulgados pelo Ministério Público do Paraná dando conta de que o estado registrou 17,3% mais mortes em confrontos com policiais no ano passado do que em 2021.
Freitas é advogado, nasceu na periferia e conhece de perto a conduta da PM paranaense, sendo que ele mesmo já chegou a ser detido de forma arbitrária por mais de uma vez. Em seu discurso na casa legislativa comentando os dados do MP, o petista chamou policiais envolvidos em operações violentas de "covardes, assassinos, serviçais do mal". O coronel Hudson Teixeira acusa o deputado de, com a fala, ofender a corporação da Polícia Militar de forma generalizada.
Acontece que o petista não generalizou. Ele se referia, especificamente, aos casos da perseguição do Alto da Glória, em 2005, em que policiais executaram cinco jovens acusados de roubar um carro, e da recente morte de Claudiney Teles Junior, de 38 anos, que teve um infarto após ser torturado pela PM em sua casa na capital paranaense. No discurso em questão, o parlamentar chegou, inclusive, a citar bons policiais. “Existe a polícia para defender a vida? Sim, também. E os policiais que não são serviçais do mal têm espaço na instituição para questionar os grupos de extermínio?”, questionou na fala proferida na Alep da última terça-feira (7).
Em nota divulgada por meio das redes sociais, Freitas afirmou que são "de conhecimento público todas as problemáticas acerca da capacitação pela qual passam os agentes de segurança pública, denunciadas inclusive por ex-policiais", adicionando ainda que é "constitucionalmente assegurada (art. 53, da CF/88) a inviolabilidade dos deputados por suas opiniões, palavras e votos e que garantir a qualidade da prestação de serviços de segurança pública é obrigação de todos os representantes políticos".
"A fiscalização e denúncia do abuso da violência pelo Estado continuará sendo feita por nosso mandato, não sendo admitidas tentativas de intimidação por parte de poderes externos", emendou.
Histórico de perseguição
Em entrevista à Fórum, Renato Freitas fez um resumo da perseguição que sofre até mesmo antes de assumir seu mandato como vereador, em 2020, por parte da direita paranaense, forças de segurança e imprensa.
"Logo que eu fui eleito [vereador], em outubro de 2020, houve uma manifestação, em novembro, por conta da morte do Beto Freitas, um homem negro, agredido, espancado brutalmente, assassinado em um Carrefour do Rio Grande do Sul. Eu e outros manifestantes do movimento negro organizamos uma manifestação no Carrefour do centro de Curitiba, também conhecido pelas condutas racistas. Ocorre que em meio às manifestações, escrevemos algumas mensagens no muro do estacionamento, e eu particularmente escrevi 'a injustiça praticada em qualquer lugar do mundo é uma ameaça à justiça em todos os lugares do mundo'. Eles pegaram essa imagem minha com a lata de spray, não mostraram que frase é, e já revelaram nas manchetes: 'vereador pichador', 'vereador vândalo'", contextualiza o deputado.
Ele conta que, logo na sequência, em janeiro de 2021, quando assumiu o cargo de vereador, entrou em enfrentamentos com os evangélicos da Alep, que segundo o vereador eram "negacionistas e estavam incentivando a cloroquina no período mais letal da pandemia".
"Os pastores continuaram prescrevendo cloroquina e afirmei que eles não se preocupavam com a vida, que eram picaretas, charlatões, que só se comprometiam com a reeleição e o poder. Eles me processaram por essa fala e também trouxeram no processo a questão da pichação da manifestação antirracista. Me defendi e fui absolvido", detalha.
Em seguida, Freitas passou a ser alvo de nova perseguição por participar de outra manifestação antirracista.
"Um ano depois, aproximadamente, teve a manifestação antirracista denunciando o assassinato de Moïse Kabagambe, Durval Teófilo no Rio de Janeiro e Quintino Correia aqui em Curitiba, um imigrante de Guiné-Bissau que recebeu dois tiros de grupos nazistas que não foram identificados nem punidos. Fizemos a manifestação antirracista e ela foi deturpada a partir das fake news. Construíram uma realidade paralela, pautaram toda a mídia e formadores de opinião como Silas Malafaia, Marco Feliciano, Eduardo Bolsonaro, gabinete do ódio, etc.", diz, referindo-se ao episódio que motivou sua cassação - depois revertida - na Câmara dos Vereadores.
"Conseguimos sobreviver, mostrar a verdade, fui até a Itália, a igreja me acolheu, não só em Roma como aqui no Paraná, e STF reconheceu a ilegalidade [da cassação], fui reconduzido ao cargo de vereador e depois eleito deputado estadual. Agora, coincidentemente, denunciando uma prática racista da PM do Paraná, estado que conta com aproximadamente 30% de população negra, enquanto 60%, aproximadamente, das vítimas da letalidade policial são negras. Há uma super-representação da população negra enquanto vítimas da violência letal da PM. E esses eram alguns dos dados que eu estava trazendo. Falei de um caso histórico, que a PM matou cinco jovens depois de estarem rendidos em um terreno baldio, eu falei que eles eram covardes, assassinos e serviçais do mal, e falei de um caso mais recente agora, de um rapaz ficou 1 hora sendo torturado e teve um infarto e morreu. Isso gerou esse novo pedido de cassação", explica.
PT se manifesta
Nesta quinta-feira (9), a bancada do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Legislativa do Paraná divulgou uma nota em apoio a Renato Freitas e de repúdio à nova tentativa de cassá-lo.
Confira
Os deputados Requião Filho, líder da oposição na Assembleia Legislativa (Alep), Professor Lemos, líder do bloco PT/PDT, e Arilson Chiorato, presidente do PT Paraná, manifestam repúdio à suposta representação do Secretário de Segurança Pública do Paraná, Hudson Leôncio Teixeira, contra o deputado Renato Freitas (PT), ao mesmo tempo que manifestam apoio incondicional ao parlamentar, eleito com 57.880 votos e o primeiro presidente da Comissão de Igualdade Racial da história da Alep.
Nem sempre o ataque é a melhor defesa. O que vimos na representação do Secretário, documento que circula de forma não oficial, é o corporativismo colocado acima do que é certo, justo e correto. O Secretário, ao se deparar com denúncias de fatos que ocorreram e são notórios, ao invés de tentar corrigir os equívocos da corporação, se coloca na defesa de atos que mancham a boa reputação da PMPR.
O deputado Renato Freitas, ao se referir à parte ruim da Polícia Militar, foi enfático, direto, duro, mas não extrapolou os limites de sua imunidade. A Representação do Secretário nada mais é do que uma réplica do modus operandi de perseguir, ameaçar e tentar, por meio da intimidação, sempre ao mais fraco, menos favorecido, historicamente perseguido, para que ele se cale e não busque que a Justiça seja feita.
A função da Polícia é proteger a população. O Secretário de Segurança deveria cuidar da Polícia, e o deputado nada mais fez do que criticar os erros de uma pequena parte da corporação e dar voz à população periférica. O que se quer é calar os cidadãos que elegeram Renato Freitas para abordar, no Poder Legislativo, justamente temas como este.
Gostaríamos de ver, por parte do Secretário, tamanha galhardia e coragem na defesa da PMPR contra os atos e golpes proferidos à instituição e aos praças pelo atual governo estadual, diante da não existência de concursos internos, escalas com mais de 80 horas semanais e operações midiáticas sem efeito real.
Esse corporativismo também foi visto quando, na história recente do Paraná, um oficial médico abusou de mais de três dezenas de policiais femininas, e a corporação, covardemente, buscou um subterfúgio técnico para absolvê-lo.
Caso se confirme o protocolo do documento na Alep, a melhor resposta do Secretário, neste momento, não seria a tentativa de intimidação de um parlamentar democraticamente eleito por uma parcela importante da população, historicamente marginalizada, mas o dispêndio dessa energia para corrigir os erros da corporação acima do corporativismo narcisístico, honrando aqueles bons homens e mulheres que defendem com a sua vida a nossa população, dia após dia.
Por fim, cabe ressaltar que o ato do Secretário pode configurar Crime de Responsabilidade, considerando que, ao usar de ameaça contra representante político “para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato” e “violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados”, fere o artigo 6º da Lei 1079/1950.
Deputados(as) Estaduais
Requião Filho (PT) – Líder da Oposição
Professor Lemos (PT) – Líder do Bloco PT-PDT
Arilson Chiorato (PT) – Presidente do PT Paraná
Ana Júlia (PT)
Dr. Antenor (PT)
Goura (PDT)
Luciana Rafagnin (PT)