SEM MILITARES POR PERTO

Planalto é palco de uma guerra surda entre militares e civis pela segurança de Lula

O GSI (Gabinete de Segurança Institucional), controlado pelos militares, está em pé de guerra contra a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República, de composição civil. A segurança de Lula e Alckmin é o foco da disputa

Segurança na posse em 1º de janeiro de 2023.Créditos: Tomaz Silva/Ag.Brasil
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Há uma disputa surda – melhor falar em uma guerra surda – no Palácio do Planalto. Ela opõe militares a civis. O tema é a segurança pessoal do presidente Lula, de Janja, do vice Geraldo Alckmin, de Lu e de seus familiares diretos.

De um lado, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), controlado pelos militares, ainda com uma forte presença bolsonarista, que deseja manter sob suas asas a segurança pessoal dos casais presidenciais. De outro, a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República, de composição civil, criada por decreto de Lula logo em 1º de janeiro de 2023, substituído em 21 de janeiro por outro, de número 11.400 e redação idêntica.  

A Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República deverá, de acordo com o decreto de sua criação, ser extinta até 30 de junho de 2023, quando a segurança presidencial retornará à responsabilidade do GSI. 

Mas a extinção está longe de estar de fato definida e é objeto de uma luta renhida. Os civis à frente da Secretaria pretendem obter a renovação do decreto até o fim de 2023, quando esperam ter acumulado força política para torná-la uma secretaria permanente, afastando o GSI da segurança pessoal presidencial. 

Quem está à frente da Secretaria é o delegado da Polícia Federal (PF) e chefe de segurança de Lula durante a campanha eleitoral, Alexsander Castro de Oliveira. Ele foi nomeado secretário extraordinário de Segurança Imediata do gabinete da Presidência em 26 de janeiro. Oliveira já havia participado da coordenação de segurança da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2010, e da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, que coordenou a segurança da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. 

O nome de Oliveira foi mal recebido pelo GSI, não por sua competência, mas exatamente pelo fato de ele não ser um militar.

Lula e a quebra de confiança com o GSI

Quem conhece Lula sabe que ele é capaz de reconciliar-se com antigos inimigos, que não guarda mágoas e que lida bem com críticas, mesmo ácidas. Mas Lula é inflexível com aqueles que traem, que quebram compromisso, relação de confiança.

É exatamente esse o caso agora com o GSI e os militares que deveriam proteger o Planalto e os Poderes da República. Lula considera que eles romperam um compromisso assumido, traíram um juramento de defesa das instituições nos episódios da tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Em 12 de janeiro, numa entrevista coletiva, Lula deixou patente essa quebra de confiança e anunciou uma mudança radical no quadro de seus ajudantes de ordens. A função era historicamente privativa de militares, desempenhada por oficiais da ativa de carreira ascendente, que se tornavam muito próximos ao chefe do Executivo, por causa do acesso a informações pessoais sensíveis, como o telefone celular e a mala dos presidentes. Um ajudante de ordens permanece sempre ao lado do presidente, inclusive em reuniões reservadas e no carro presidencial.

Na coletiva, Lula indicou que não irá entregar os segredos do governo nem missões de relevo a militares que não conhece. Ele foi taxativo: “Agora, por exemplo, eu não tenho ajudante de ordens. Meus ajudantes de ordens são meus companheiros que trabalharam comigo antes. Por que eu não tenho? Eu pego o jornal está o motorista do Heleno dizendo que vai me matar e que eu não vou subir a rampa. O outro diz que vai me dar um tiro na cabeça e que eu não vou subir a rampa. Como é que eu vou ter uma pessoa na porta da minha sala que pode me dar um tiro? Então eu coloquei como meus ajudantes de ordem os companheiros que trabalham comigo desde 2010, todos militares”.

A declaração não teve a repercussão merecida, pois significou uma quebra de paradigma na Presidência da República. Na coletiva, não se perguntou a Lula sobre sua segurança pessoal, mas o tema ainda estava fermentando nos corredores do Planalto, até a decisão final com o decreto de 21 de janeiro.

Um Palácio com ares de quartel

O rompimento com a hegemonia militar no Planalto e na Presidência está sendo objeto de renhidas batalhas silenciosas, e não apenas no tema da segurança presidencial e da Ajudância de Ordens.

Um alto assessor da Presidência que chegou ao Planalto na primeira semana de janeiro relata que o ambiente no palácio “é de um quartel”. Ele relatou, quando fui visitá-lo em sua sala: “tanto eu como outras pessoas que chegaram para as equipes da Presidência no Planalto nos espantamos com a quantidade de militares aqui dentro. A experiência de almoçar no restaurante dos servidores é muito forte, a gente parece que está almoçando num quartel, tamanha a quantidade de militares fardados e de homens com terno mas cabelo de corte militar”. 

Ao fim da primeira quinzena de janeiro, 144 militares da ativa foram afastados do Planalto, na esteira dos atos do dia 8 daquele mês. Mas uma parte deles foi substituída por outros militares.

“Não dá nem para contar quantos militares andam aqui pelo Planalto”, diz uma assessora presidencial. “Pelo jeito são centenas”, ela relatou, um tanto assustada. 

O trabalho de desmilitarização será, pelo jeito, longo e moroso. 

E a questão da segurança pessoal de Lula, Alckmin, Janja e Lu é um dos centros da disputa. Se a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República se tornar um órgão permanente da Presidência, o GSI perderá parte expressiva de suas atividades e, mais importante, ainda que continue a existir, passará a ser um órgão de assessoramento sem acesso privilegiado ao coração do poder. 

A Secretaria 

A presença do delegado Oliveira como secretário não significa uma rejeição “in totum” à presença militar na área da segurança presidencial: o tenente da FAB Antonio Felipe de Almeida Gonçalves foi designado assessor especial da Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República. Mas ele é um militar atípico. 

Apesar de ser da Aeronáutica, Gonçalves tem experiência como gestor público e na área de comunicação. Foi da assessoria de imprensa da Força e coordenador da assessoria de comunicação relativa à área de segurança da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. O comandante da equipe encarregada da segurança dos dois eventos era Andrei Rodrigues, o diretor-geral da PF de Lula, e Alexsander Castro de Oliveira participou da coordenação em 2016, quando os três se conheceram. Formam um time.

Também foi nomeada diretora de Articulação da Secretaria Extraordinária a cientista política Lorena Fonseca de Medeiros Ferreira. Ela é mestra pela London School of Economics and Political Science (Londres, Reino Unido) e funcionária pública de carreira. Integrou os quadros do Ministério do Desenvolvimento Social com Lula e Dilma. Caberá a ela dialogar com o Congresso, Judiciário e outras instâncias de governo e instituições.

Aos poucos, a segurança pessoal do presidente, do vice e de suas companheiras e família mais próxima vai deixando de ser verde-oliva.