POLÍTICA

Lula tinha razão? Moro reforça suspeita de “armação” ao tentar associar o PT ao PCC

Ao contrário do que ocorreu com as frases de Lula, não houve indignação na mídia comercial com a mentirada do ex-juiz e seu parça Dallagnol nas redes

O senador Sergio Moro em plenário. Foto: Lula Marques/Agência Brasil
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DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Desde que, no último dia 21 de março, declarou que desejava "foder o Moro" quando estava injustamente preso nas masmorras do ex-juiz em Curitiba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sob intenso tiroteio midiático. Levantar dúvidas, dois dias depois, sobre o suposto "plano do PCC" para matar Sergio Moro e outras pessoas (como o vice-presidente Geraldo Alckmin), foi a pá de cal sobre a "lua-de-mel" da mídia comercial com o petista –que nunca existiu.

O PCC se tornou quase uma lenda urbana. Como ninguém tem contato com a organização (o líder, Marcola, está preso há mais de 20 anos), o PCC virou terreno fértil para especulações e fake news. Pode-se falar o que quiser do grupo e estabelecer conexões com quem for, porque simplesmente não há ninguém que possa desmentir. Ou confirmar

O presidente não deve polemizar com um senador do baixo clero. Ponto. Isso é papel para os senadores, deputados e ministros do governo. Agora, Lula e quem quer que seja têm o direito de apontar estranhezas em relação à operação Sequaz, sobretudo os jornalistas, para quem a desconfiança é dever de ofício. A Fórum já elencou oito pontos que colocam em dúvida a operação. Alguns poucos nomes dentro da imprensa corporativa, como Reinaldo Azevedo, também levantaram algumas estranhezas.

As principais dizem respeito às "provas" vazadas para a mídia de que o PCC pretendia sequestrar e matar Moro, sua mulher Rosângela, o promotor Lincoln Gakyia e o vice-presidente Geraldo Alckmin. É muito difícil acreditar que aquele caderninho marcado com post-its corresponda a uma ação criminal de porte, avaliada em 3 milhões de reais; tampouco é crível que criminosos enviassem por whatsapp os nomes dos alvos, elucidando seus codinomes. Deixo que Reinaldo fale.

"O PCC é perigoso. Mas restam traços de, sei lá, ingenuidade (?). Bandido manda zap para a amada com os códigos traduzidos de uma ação que seria formidável. E ainda pede para tirar print e não apagar. Nunca se viu nada igual. Leiam esta forma de 'produção antecipada de provas' contra si", ironizou o jornalista no twitter no último sábado.

Poucos minutos depois, Reinaldo volta à carga: "O PCC tem de ser enfrentado. Não ter aderido à era digital ajuda. Dados sobre Moro –encontráveis nas redes– estavam num caderno, não num pen drive, em caneta vermelha e azul, com direito a post-it lembrando ser senador. Faltou o adesivo 'AMAR É…' Melhor q o PCC seja assim: rudimentar".

A mídia comercial abraçou imediatamente, sem pestanejar, a narrativa de Moro. Foi o próprio ex-juiz quem revelou ser ele o "Tokio" que aparece nas anotações –o que não deixa de ser curioso, já que Moro não possui nenhuma relação conhecida com o Japão, enquanto o promotor Gakiya é nipo-brasileiro. Faria muito mais sentido, portanto, ser Gakiya o Tokio –chamado de "japonês" pelo PCC em outra operação. Por que não se pode questionar o que parece ilógico?

É fato que o PCC se tornou quase uma lenda urbana no Brasil nos últimos anos. Como não existe quem tenha contato com a organização além do Ministério Público e da polícia (o líder, Marcola, está preso há mais de 20 anos), o PCC virou terreno fértil para especulações e fake news dos ratos que habitam os subterrâneos da política. Pode-se falar o que quiser do grupo e estabelecer conexões com quem for, porque simplesmente não há ninguém que possa desmentir. Ou confirmar.

Não houve indignação na mídia comercial com a associação entre PT e PCC feita por Moro e Dallagnol. O que houve, como de costume, foram equiparações desonestas entre Lula e Bolsonaro, embora quem esteja cada vez mais próximo do bolsonarismo, inclusive em termos de estratégia, seja a dupla intrépida de Curitiba

O bolsonarismo sempre utilizou o PCC para atacar o PT, inventando uma relação entre a facção criminosa e o partido político sem que haja nenhuma evidência para isso. No último final de semana, o ex-procurador Deltan Dallagnol e seu parça, o ex-juiz Sergio Moro, acostumados que são a fazer acusações sem provas, aderiram com fervor à tática, encampando a fake news bolsonarista de que existe uma ligação entre o PT e o PCC.

Um e-mail com o nome "lulalivre" foi explorado por Moro e Dallagnol para tentar vincular Lula e o PT ao suposto plano. E a mídia comercial aderiu à tese sem o menor pudor, estampando a ilação em títulos e manchetes, sem nem ao menos contextualizar que um e-mail pode ser criado por qualquer pessoa. Como acontecia no auge da Lava-Jato, Dallagnol e Moro passaram a usar prints de matérias da mídia comercial para dar um lustro de verdade às suas mentiras, alimentando as narrativas do bolsonarismo nas redes.

Ao contrário do que ocorreu com as frases de Lula, não houve indignação na mídia comercial com a associação PT-PCC –esta, sim, sem sombra de dúvidas criminosa. Nem editoriais nem reportagens foram escritos para atacar as calúnias de Moro e Dallagnol sobre o PT. O que houve, como de costume, foram equiparações desonestas entre Lula e Bolsonaro, embora quem esteja cada vez mais próximo do bolsonarismo, inclusive em termos de estratégia, seja a dupla intrépida de Curitiba, agora aboletada no Congresso Nacional.

O preposto de Moro na Câmara dos Deputados também ajudou a disseminar outra mentira bolsonarista, a de que o ministro da Justiça, Flávio Dino, entrou "livremente em área dominada pelo crime organizado". Em 13 de março, Dino visitou ONGs no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e os filhos de Bolsonaro "denunciaram" que o ministro teria estado lá sem escolta, o que se comprovou ser uma mentira. A comunidade carioca, criminalizada pelos bolsonaristas como se todos os moradores de lá fossem bandidos, agora é criminalizada pelo lavajatismo.

Ser um juiz condenado pelo Supremo como parcial e ter dado inúmeras provas de limitação e despreparo intelectuais não foi suficiente para abalar o apego da mídia comercial, carente de quem as represente na política desde a derrocada do PSDB, a Moro. O ex-herói ressurge das cinzas mais uma vez como o "anti-Lula", com a providencial ajuda dos parceiros midiáticos, que demonstram estar dispostos a repetir o papel de assessores de imprensa da Lava-Jato.

Só que, ao tentar associar Lula e o PT ao PCC, Moro e Dallagnol não ajudam a dar ares de verdade ao "plano" arquitetado pela organização criminosa. Tampouco contribui para tornar a história crível que um repórter da Jovem Pan e da Record tenha apresentado um "documento" vazado pela mesma operação para levantar a suspeita de que o site The Intercept Brasil, autor da série de reportagens da Vaza-Jato, fundamentais para a soltura de Lula e anulação do processo no STF, recebeu dinheiro... do PCC.

Pelo contrário: reforçam a suspeita de "armação" e dão razão a Lula. Se o "documento" sobre o Intercept é, ao que tudo indica, falso, como acreditar nos demais?