NEGRITUDE

Cresce apoio por uma mulher negra no STF

Grupo de juristas lançou um manifesto entregue a Lula no qual pedem a indicação inédita para a vaga na Suprema Corte; ministros do governo endossam o pedido

Créditos: STF - Fachada da sede da Suprema Corte, em Brasília
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No mês de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará a primeira indicação de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) neste terceiro mandato. Há uma campanha que tem ganhado corpo para que o nome seja de uma mulher negra.

A vaga será aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, que completará 75 anos em maio.

Nesta semana, no Dia Internacional da Mulher, celebrado na quarta-feira (8), entidades jurídicas lançaram um manifesto pela indicação inédita de uma jurista negra para a Suprema Corte que foi encaminhado ao gabinete da Presidência da República. (leia o texto na íntegra ao final desta matéria)

O documento afirma que a representação dos órgãos do sistema de Justiça deve espelhar a representatividade da população e que a falta de mulheres negras na composição do STF arranha a capacidade de percepção da realidade.

O texto tem como signatários uma centena de entidades, entre elas a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), o Grupo Prerrogativas, o Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia, a Associação da Advocacia Pública pela Democracia, a Coalizão Nacional de Mulheres.

Apoios no Judiciário e no Executivo

O ministro do STF Edson Fachin, também no dia 8 de março, afirmou durante a sessão que "quem sabe em um lugar futuro" a corte terá uma integrante negra. Ele fez a declaração ao cumprimentar as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e a ministra aposentada Ellen Gracie pelo Dia Internacional da Mulher. Na fala, ele disse que pedia licença para cumprimentar uma eventual "quarta ministra", negra.

Os ministros Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, engrossaram o coro em favor de uma mulher negra para o STF. 

Almeida, ao comentar a fala de Fachin, disse que, apesar de estarem discutindo uma tese central sobre a questão racial no Brasil, não havia "nenhuma pessoa negra ou mulher negra discutindo a questão racial naquele plenário". Depois, afirmou que uma ministra negra no Supremo "vai ser de importância fundamental, central, para que a gente comece a discutir a democratização dos espaços de poder no Brasil".

Já Anielle Franco afirmou, em entrevista à GloboNews, que pretende pedir a Lula a indicação de uma negra ao STF.

O posicionamento dos dois ministros de Lula diverge do perfil de um dos principais cotados para a vaga, o advogado Cristiano Zanin. Em entrevista a Reinaldo Azevedo, no último dia 2, o presidente afirmou que "todo mundo compreenderia" caso ele indicasse o advogado para uma vaga no STF. Zanin defendeu o mandatário nos processos da Operação Lava Jato, que o levaram à prisão e, depois, foram anulados pelo Supremo.

Juízes que integram o  Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun), coletivo criado há seis anos para aumentar a presença de magistrados negros nas cúpulas do Poder Judiciário, também trabalham pela indicação de uma juíza negra de carreira, algo que dizem ser fundamental. Além disso, Defensoria Pública e Ministério Público estudam nomes para a corte.

Negras no poder

Em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da República contou com 66 homens e apenas quatro mulheres. Especificamente no STF, só três mulheres —contra 26 homens— se tornaram ministras nesse período, nenhuma delas negra.

Desde 1891, o STF teve apenas três ministros negros em sua composição (o último foi Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014), e apenas três ministras mulheres, duas em exercício: a ministra Rosa Weber, que preside o STF e se aposenta em outubro, e a ministra Cármen Lúcia. A primeira foi Ellen Gracie, no ano 2000.

A articulação por mais representatividade é feita há anos pelos movimentos feminista e negro. As principais barreiras são a falta de apoio em círculos de poder dominados por pessoas brancas e a necessidade de desconstruir um imaginário em que o notório saber jurídico, requisito constitucional para indicação, não é visto em uma mulher negra.

Leia a íntegra do manifesto

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A construção histórica do Brasil registra recorrentes interrupções na formação de sua identidade democrática, sobressaindo forte traço autoritário que remete à mais longeva escravização das Américas, cujo autoritarismo é intrínseco ao mais radical sistema de exploração humana.

Sob tal perspectiva, a última década já está marcada por um profundo déficit democrático —um processo de impeachment sem cometimento de crime de responsabilidade ganhou a forma política de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, culminando com a prisão e banimento do ex-presidente Lula da vida política pela via de falseado processo judicial desmascarado somente após o êxito eleitoral do projeto político manifestamente descolado do arcabouço constitucional democraticamente consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Sim, para além de proclamar a República Federativa em um Estado Democrático de Direito, o Preâmbulo da Constituição cidadã assenta estar o Brasil "...destinado a assegurar o exercícios dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...".

Decorridos trinta e três anos de vigência da Carta de 1988, podemos asseverar que a missão primordial do país está longe de ser atingida; os níveis de desigualdades sociais impõem concluir que os agentes políticos não se ajustaram aos preceitos constitucionais na consecução de macropolíticas desenvolvimentistas, retroalimentando um país absolutamente perverso com seu povo e que mantém instituições do sistema de justiça que contribuem sobremaneira para a reiteração das iniquidades e que impedem o exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana, como princípio fundante da República, de 56% da população da população brasileira que é negra, conforme o IBGE.

Ao mesmo tempo, à luz da ordem internacional à qual o Brasil se compromete, citamos o último documento firmado em 2022, ao promulgar a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, afora os compromissos programáticos com os Objetivos de Desenvolvimento Social, ODS, de onde extraímos o Objetivo 16: "Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis".

Embora cogentes as normas do direito interno e internacional, as ações já intentadas se mostram insuficientes e incapazes de realizar a equidade no acesso às oportunidades, especialmente quando se trata da ocupação de espaços de poder nas esferas legislativa, executiva e judiciária, ganhando dimensões ainda mais graves de exclusão quando a interseção discriminatória articula as categorias de raça e gênero, demonstrando persistente e mesmo sistemática exclusão das mulheres na partilha e gestão dos poderes.

Sobre o sistema de justiça que buscamos, elevando a qualificação da prestação jurisdicional do Estado a partir do acesso pelas partes jurisdicionadas, também a composição dos órgãos deve guardar consonância com a representatividade da população, ou noutros termos, há que se ter o máximo espelhamento das diversidades humanas que são o povo da Nação que se quer construir.

Dentre as ausências que arranham a capacidade de percepção da realidade posta à apreciação jurídica estatal, sobressai a efetiva interdição às mulheres negras, da ocupação de vaga no Supremo Tribunal Federal. Embora conte com a presença de mulheres desde o ano 2000, não há razoabilidade para que jamais uma jurista negra tenha tido assento na Corte superior do Poder Judiciário. Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão da lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira.

Na certeza de que a atuação jurídica de mulheres negras permite a oferta de um rol que reúne os atributos constitucionais e a legitimação social que deve ser cotejada pelo Presidente da República para levar sua indicação ao Senado Federal, as entidades subscritoras sustentam a pertinência da indicação de juristas negras para ocupar vaga de ministra no Supremo Tribunal Federal!