Quando seu governo completava um mês, logo na abertura de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu, numa entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, com um giro de 180º em relação às eleições de 2026. Até então, Lula garantia que não havia hipótese de se candidatar. Na entrevista, disse o contrário: "Se chegar no momento, sabe, e estiver uma situação [política] delicada e eu estiver com saúde...porque também só posso ser candidato se eu estiver com saúde perfeita, sabe? Mas saúde perfeita com oitenta e pouco, 81 de idade, energia de 40 e tesão de 30. Pronto, aí eu posso [ser candidato]."
Qual a razão do giro? Segundo um ministro de Lula, “é evidente que o debate sobre sucessão presidencial é prematuro, e o presidente sabe disso”. Então, por que Lula praticamente lançou-se à reeleição?
Outro ministro de Lula, que acompanha passo a passo as articulações do presidente, é taxativo: “Lula não falou em sua candidatura para abrir o debate, mas para fechar, para colocar um ‘freio de arrumação’ na desenvoltura exagerada de vários ministros”.
Essas são conversas que acontecem sempre sob o manto do “off” (sem que o interlocutor seja identificado), pois o tema é de extrema delicadeza e mexe com os sonhos, projetos e ações de um grupo de pelo menos nove ministros, com o próprio presidente e, sobretudo, com a dinâmica de seu governo.
Um dos mais experientes líderes do PT no Congresso avalia: “nunca houve um Ministério tão estrelado como esse”. E pondera: “são muitas estrelas, muitas pretensões, muitos projetos. O presidente tem que conduzir o governo com firmeza, para evitar que esses projetos se sobreponham aos interesses de todo o governo”.
É uma equação delicada. Lula não tem receio de concorrência, de que algum ministro lhe faça sombra. Ele estimula cada ministro a colocar seus projetos e feitos na rua, a terem protagonismo. A questão para o presidente é quando este protagonismo coloca a agenda política pessoal acima da do governo.
Um ministro elogiado e mencionado no governo como referência de protagonismo a serviço do projeto coletivo é Waldez Góes, da Integração e Desenvolvimento Regional. Tem iniciativa, capacidade de articulação e comunicação, boa presença e diálogo construtivo. E não atropela ninguém.
“Essa é a questão. Há sofreguidão de alguns ministros, uma disputa exagerada por espaço, o que acaba criando atropelos”, indica uma parlamentar com trânsito em toda a Esplanada.
Um bom exemplo é o caso das enchentes no litoral norte de São Paulo. Lula suspendeu seu descanso de Carnaval na Bahia e foi a São Sebastião. Nada menos que 12 ministros estavam com ele. “Muitos ministros que estavam lá não tinham relação direta com o tema. Foi uma demonstração de mobilização do governo na hora da tragédia mas, talvez um pouco acima do tom”, pondera um ministro. Ainda foram a São Sebastião nos dias seguintes mais quatro ministros. E cada presença é disseminada nas redes e mídias pelos ministros e suas equipes.
A pujança das redes sociais, desconhecida nos quatro governos anteriores do PT, está determinando uma “dinâmica comunicacional” nova. No governo Bolsonaro, quem estabeleceu esta dinâmica foi apenas o próprio. A senadora Damares Alves (Rep-DF), então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e o deputado Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, eram ativos nas redes, mas o foco era sobretudo na guerra ideológica e menos nas realizações do governo. Agora, não. Praticamente todos os 37 ministros, além do próprio Lula e de Janja, são protagonistas nas redes e na comunicação em geral. E, em que pese a presença da disputa político-ideológica com a extrema direita, o centro da comunicação é nas realizações de cada pasta e do governo. Governar e comunicar são, mais que nunca, sinônimos.
Pois bem. Lula colocou o pé no “freio de arrumação”. Isso não quer dizer que o ritmo quase insano que ele impõe a seus ministros vai diminuir. “Lula tem pressa e sabe que quatro anos voam”, pontua uma alta executiva do governo. A pressão sobre ministras e ministros é grande. Tudo é para ontem. Lula estabelece metas, cobra resultados e sem horário nem dia. “Os ministros de Lula trabalham 18 horas por dia de segunda a segunda”, diz um deles.
Nove presidenciáveis
São nove, até agora, as ministras e ministros que se movimentam indicando um “desejo presidencial”: Fernando Haddad, Flávio Dino, Rui Costa, Marina Silva, Simone Tebet, Camilo Santana, Wellington Dias e Geraldo Alckmin são nomes que aparecem em todas as listas de presidenciáveis, alguns com mais destaque que outros. A surpresa na lista é a presença do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que fecha o número de nove.
Sílvio Almeida movimenta-se de maneira surpreendente, ocupando espaços que não eram originalmente destinados a seu ministério e essa movimentação tem chamado a atenção na Esplanada. Houve incômodo no Ministério da Justiça e Secom com o lançamento do grupo de trabalho para criar estratégias de combate ao discurso de ódio, sob a presidência da ex-deputada Manuela D’Ávila. Não houve diálogo nem consulta prévia dos Direitos Humanos. O tema já havia sido tratado por Flávio Dino, que anunciou em janeiro um projeto de lei para coibir o uso das plataformas digitais para disseminar o discurso de ódio. Na Secom, há a Secretaria de Políticas Digitais, que tem como centro de sua ação exatamente o combate à desinformação e discurso de ódio. Não é o primeiro gesto de Almeida para ocupar espaços e temas de outros ministérios, sem diálogo prévio com outras pastas, e a movimentação não tem passado despercebida pelos mais atentos e atentas.
O ritmo de cada ministro em relação às suas pretensões presidenciais é distinto. Flávio Dino, Wellington Dias, Camilo Santana e o próprio Sílvio Almeida movimentam-se com maior desenvoltura. No caso de Dias e Santana, estão à frente de pastas com grandes orçamentos e que impactam diretamente a vida de dezenas de milhões de pessoas.
Rui Costa, que chegou a se lançar candidato a presidente em 2019, quando Lula ainda estava preso, agora ocupa um posto que limita seus movimentos. Na Casa Civil, ele é o “pulmão” da administração federal e mais que qualquer outro ministro, tem que se mostrar fiel a Lula. Por isso mesmo, teve um papel chave na mudança de postura do presidente em relação à reeleição. Desde a posse, em janeiro, ele tem afirmado que Lula pode ser candidato em 2026.
Outro que tem sido discreto é Haddad. Ele tem a enorme vantagem sobre os demais pelo fato de ter sido reiteradamente apontado por Lula como seu sucessor, como um nome “dos sonhos” do atual presidente. Ele sabe que qualquer gesto seu agora é prematuro. Haddad sonha em repetir a saga de Fernando Henrique Cardoso que, ministro da Fazenda de Itamar Franco, lançou em fevereiro de 1994 o Plano Real, e, com isso, tornou-se praticamente imbatível nas urnas -o que foi confirmado com sua vitória em primeiro turno em 3 de outubro daquele ano. Haddad sabe que precisa de tempo, colocar a economia em ordem e o país em ritmo acelerado de crescimento. Se conseguir, será fortíssimo.
Marina Silva e Simone Tebet, as duas ministras que miram o Planalto, também dependem de seus desempenhos em médio prazo. Se o governo Lula de fato tornar-se o primeiro governo climático do planeta e solucionar a questão da Amazônia, Marina terá um trunfo enorme nas mãos. A situação de Tebet é diferente. Ela queria o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, mas Lula e o PT consideraram que era uma pasta estratégica e acabou ficando com o ex-governador Wellington Dias, que acabara de ser eleito senador no Piauí com mais de 50% dos votos do Estado -Dias é um fenômeno, duas vezes senador, duas vezes governador, maior liderança política da história de seu estado. E reivindicou o ministério para si. Tebet teve que se conformar com o Planejamento, pois a alternativa seria ficar fora do governo e sem mandato parlamentar. Para viabilizar sua candidatura precisará contar com uma enorme gama de fatores.
O último nome da lista é o do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Tem sido, como aconteceu na campanha, extremamente discreto. Lula diz que ele será o vice-presidente mais leal e fiel da história, o que parece mais que provável. Afável, companheiro, sem buscar protagonismo nem espaços, Alckmin parece contar com a (pequena) possibilidade de a candidatura à Presidência aparecer em seu caminho pelas mãos de Lula ou pelo imprevisível destino e seus desígnios.
Outros projetos políticos
Bem, dos nove presidenciáveis -dez, contando-se com Lula- apenas um ou uma ocupará a vaga de candidato do governo. Sempre é possível que mais uma ou duas candidaturas saiam do bojo do governo para colocar-se como oposição ou concorrente. Mas, com a polarização política no país, com a extrema direita como ameaça persistente, é improvável que a frente ampla de agora se rompa. É um campo que comporta múltiplas variáveis, desde o sucesso do governo Lula à possibilidade legal (ou não) de uma nova candidatura de Jair Bolsonaro.
De qualquer forma, aqueles e aquelas que não forem candidatos à Presidência poderão apresentar-se para os governos de seus Estados ou para uma das duas vagas ao Senado que estarão em disputa em cada unidade da Federação em 2026.
Neste governo de estrelas, há também vários nomes cujos projetos voltam-se, desde já, para os executivos estaduais ou para o Senado.
O Palácio dos Bandeirantes tem pelo menos quatro possíveis pré-candidatos para 2026, que poderão enfrentar o governador Tarcísio Freitas, se ele for candidato à reeleição -mas é bom lembrar que seu nome já é indicado como possível candidato à Presidência pela extrema direita caso Bolsonaro tenha seus direitos políticos cassados.
São possíveis pré-candidatos os ministros Alexandre Padilha, Márcio França, Luiz Marinho e Paulo Teixeira. Além deles, podem entrar na disputa, se não viabilizarem seus nomes à Presidência, Silvio Almeida, Marina Silva e Simone Tebet -que deve transferir seu título.
Outros ministros com projetos estaduais à frente são Paulo Pimenta (RS), Alexandre Silveira (MG), Carlos Fávaro (MT), Waldez Góes (AP), Jader Filho (PA) e André de Paula (PE).
Todos esses projetos de grande porte não são um estorvo para Lula. Ter um Ministério com tantas “estrelas” é um fator que pode auxiliar e impulsionar seu governo, e Lula sabe disso mais que ninguém. O que precisa ser evitado é a deflagração de guerras intestinas que possam paralisar ou criar obstáculos à administração. Lula também sabe disso mais que ninguém. É para acalmar os ânimos e colocar sua equipe toda tendo o sucesso do governo como meta que o presidente cogitou a reeleição.