Sergio Moro (UB-PR) está à beira da cassação. É o que se avaliava antes e se avalia agora, após seu depoimento, nesta quinta-feira (7), ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), no contexto de uma ação movida pelo Partido Liberal (PL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT). O senador é acusado de abuso de poder econômico, caixa dois e outras irregularidades nas eleições de 2022, supostamente originadas da pré-campanha presidencial pelo Podemos. Após deixar o partido, Moro candidatou-se ao Senado pelo União Brasil e foi eleito.
O depoimento de 45 minutos foi marcado pela recusa de Moro em responder às perguntas dos advogados do PL e do PT, limitando-se aos questionamentos do desembargador relator, Luciano Carrasco Falavinha. Moro negou qualquer irregularidade, alegando ser vítima de "perseguição política".
Luiz Eduardo Peccinin, advogado representante do PT, presente no depoimento, avaliou negativamente o desempenho de Moro, afirmando que este "sem querer" confessou o uso de um contrato falso durante sua campanha ao Senado em 2022. O contrato, envolvendo seu suplente Luis Felipe Cunha, teria recebido R$ 1 milhão do União Brasil, destinado à Vosgerau & Cunha Advogados Associados, uma das empresas do advogado.
Peccinin comentou:
"O próprio Moro confessou, sem querer, que o contrato era falso, não correspondia ao que estava escrito, e que na verdade seu suplente não praticava nenhum ato de advocacia real para ele. Muitas vezes a pessoa acha que está se defendendo, mas acaba se condenando."
O advogado acredita que o depoimento de Moro fortalecerá o pleito do PT e do PL, levando o TRE-PR a cassar o mandato do senador por abuso de poder econômico e caixa dois na campanha eleitoral.
"O balanço é muito positivo. Sergio Moro, embora tenha se recusado a responder nossos questionamentos, para nós não faz diferença, pois a questão está demonstrada nos autos, com documentos que ele próprio assinou".
Entenda as acusações contra Moro
No início de 2022, Sergio Moro estava filiado ao Podemos e iniciou uma pré-campanha à presidência. Contudo, o Podemos vetou sua candidatura, levando Moro a se desligar da sigla e filiar-se ao União Brasil, buscando concorrer ao Senado. Inicialmente visava São Paulo, mas a Justiça Eleitoral o proibiu devido à falta de residência e vínculo com o estado. Desta maneira, o ex-juiz se candidatou ao cargo pelo Paraná.
Apesar do tumulto partidário e da questão do domicílio eleitoral, Moro foi eleito senador com 1.953.159 votos. No entanto, durante a campanha, duas ações, unificadas pelo Partido Liberal e pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), foram protocoladas no TRE-PR contra o ex-juiz.
As legendas alegam abuso de poder, caixa 2, uso indevido nos meios de comunicação e irregularidades nos contratos. A principal acusação é que Moro teria iniciado a pré-campanha à presidência antes de ser candidato ao Senado no Paraná. As ações argumentam que ele não incluiu na prestação de contas à Justiça Eleitoral os valores gastos na pré-campanha, ultrapassando o teto de R$4,4 milhões para a campanha de senador no Paraná.
"Em atitudes que se estendem desde a filiação de Moro ao Podemos até sua candidatura ao Senado pelo Paraná, pelo União Brasil, há indícios de que o investigado utilizou recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Campanha, além de outras movimentações financeiras suspeitas, para construção e projeção de sua imagem enquanto pré-candidato a um cargo eletivo no pleito de 2022, independentemente do cargo em disputa", destaca um trecho de uma das representações.
Quais as chances de Moro ser cassado? Especialistas explicam
Em entrevista à Fórum, a advogada Maitê Marrez, que é especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e faz parte da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), avaliou que o caso de Moro é muito parecido com o da também ex-juíza e ex-senadora Selma Arruda, conhecida como “Moro de saias”, cassada em 2019 pelo Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT) e, depois, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que confirmou a decisão da Corte estadual, por abuso de poder econômico e arrecadação ilícita de recursos na eleição de 2018.
"E não é por acaso: ambos os casos tratam de irregularidades em despesas realizadas durante a pré-campanha. No caso de Selma Arruda, que se tornou paradigmático, o TSE reconheceu que quase metade do próprio limite de gastos para o cargo de Senador em 2018 foi despendido durante a pré-campanha, para custear serviços típicos de campanha. A Corte concluiu que houve clara antecipação de gastos, além da prática de caixa dois", elucida Maitê Marrez.
Segundo a advogada, há alegações semelhantes contra Moro, que teria gasto mais de 2 milhões apenas durante a pré-campanha, quase metade do limite de gastos para o cargo de Senador em 2022. Maitê explica que, se a tese acusatória for acatada, tais gastos serão entendidos como "típicos de campanha", como custos com eventos, passagens e hospedagens, contratação de pesquisa, media training, contratação de empresas para produção de vídeos, etc.
A especialista prossegue relembrando que existem decisões da Justiça Eleitoral que consideram o patamar de 10% do total de despesas da campanha ou do teto de gastos como limite para aferir a gravidade dos gastos na pré-campanha, ou que mencionam os gastos que poderiam ser arcados pelo 'candidato médio'.
"Se aplicado, tal entendimento resulta no reconhecimento do abuso na campanha de Moro, com sua consequente cassação - caso comprovadas as alegações", assevera.
Entre outras semelhanças nas acusações contra Moro com o caso que levou Selma Arruda à cassação, a advogada cita o abuso da exposição midiática, a triangulação de recursos e a utilização de recursos não contabilizados.
"Tais situações, se constatadas, também acarretariam a cassação do mandato, conforme entende a jurisprudência em situações semelhantes - não só no caso da ex-senadora", diz.
Além disso, de acordo com Maitê Marrez, no caso de Moro há ainda dois agravantes que não estavam presentes na ação que cassou o mandato de Selma Arruda.
"O primeiro deles é a alegação de desequilíbrio na disputa em relação à mudança de cargo almejado, o que teria dado vantagem indevida a Sergio Moro (uso da estrutura e exposição de uma pré-campanha presidencial para favorecimento da campanha eleitoral ao Senado). O segundo é a acusação de compra de apoio político ('venda' da candidatura presidencial), veementemente rechaçada pela jurisprudência eleitoral", pontua.
"O que se deve ter em mente é que a Justiça Eleitoral deve coibir atos abusivos que violem a higidez do pleito. Todos devem participar da disputa em igualdade de chances. Se uma ou mais condutas ilícitas contribuíram para violar tal igualdade, não resta outra alternativa a não ser a cassação do mandato conquistado de forma ilegítima", declara.
"Assim, se comprovadas as alegações contra Moro, é de se reconhecer o desequilíbrio no pleito de 2022. Na linha do que já vem sendo aplicado pela jurisprudência, a maior parte dos fundamentos, se acatados, tende à cassação do mandato. Mesmo em tal hipótese o senador permanece no cargo até decisão definitiva do Tribunal Superior Eleitoral", finaliza a advogada.
O advogado Renato Ribeiro de Almeida, professor de Direito Eleitoral e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), aponta para o mesmo sentido que Maitê Marrez, fazendo relação entre a ação contra Moro e àquela que fez Selma Arruda perder o mandato.
“Eu acredito que o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná vai ser condizente com a jurisprudência do próprio tribunal e a jurisprudência do TSE. Eu entendo que não se trata de perseguição ao ex-juiz ou nenhum tipo de narrativa a esse respeito, mas sim uma situação que é colocada, de gastos, um candidato eleito que se valeu de recursos financeiros muito além daquilo que era possível para a natureza da campanha que ele acabou concorrendo e vencendo as eleições”.
Próximos passos
O depoimento de Sergio Moro ao TRE-PR, segundo a advogada Maitê Marrez, encerra a fase de instrução da ação. Na sequência, as partes serão intimadas para a apresentação de alegações finais no prazo comum de 2 dias.
De acordo com a Maitê, é provável que o julgamento da cassação de Moro ocorra a partir de 22 de janeiro de 2024.
"A partir de tal momento, e após a apresentação de parecer pela Procuradoria Regional Eleitoral, os processos estão prontos para julgamento conjunto pelo TRE/PR e o Relator pode solicitar a inclusão em pauta a qualquer momento. De acordo com o atual calendário da Corte paranaense, o mês de dezembro possui duas sessões presenciais, nos dias 11 e 18. Contudo, diante da complexidade da matéria e da multiplicidade de documentos, o esperado é que os processos sejam incluídos em pauta a partir do dia 22 de janeiro de 2024, após o recesso judiciário", explica.