O Supremo Tribunal Federal (STF) revalidou neste fim de ano a decisão do juiz Eduardo Appio que apontava para “animosidade” e “parcialidade” da juíza Gabriela Hardt à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba. Em setembro, o TRF-4 tinha declarado a suspeição de Appio para julgar casos da Operação Lava Jato e anulado todas as suas decisões, incluindo essa.
A decisão do Supremo também trouxe de volta à mesa diálogos da Operação Spoofing que apontam para um conluio entre Hardt e procuradores da Operação Lava Jato, entre eles Deltan Dallagnol. Entre 2015 e 2018 os tais diálogos mostram Hardt, Dallagnol e outros procuradores combinando fases da Operação Lava Jato.
As conversas foram expostas pela defesa de Márcio Pinto Magalhães, empresário e ex-representante da Trafigura Brasil, preso no âmbito da Lava Jato pelo pagamento de supostas propinas a servidores da Petrobrás. Os advogados de Magalhães utilizaram os diálogos a fim de provar a atuação enviesada de Hardt e pedir a sua suspeição.
Appio, que naquele momento estava à frente da 13ª Vara de Curitiba, deu ganho de causa aos advogados de Magalhães. Mas em 10 de setembro, esse quadro seria invertido.
Em acórdão publicado naquela data, os desembargadores da 8ª Turma da Corte seguiram o voto de Loraci Flores de Lima, que acolheu uma exceção de suspeição criminal apresentada pelo Ministério Público Federal de Curitiba contra Appio, que substituiu a juíza Gabriela Hardt na 13ª Vara Federal de Curitiba e que é um crítico ferrenho aos métodos da Lava Jato à época que a operação era conduzida por Deltan Dallagnol, Sergio Moro e outras figuras da chamada "República de Curitiba".
Uma das "provas" que justificariam a suspeição de Appio, segundo o tribunal, seria uma citação a um suposto familiar do juiz em uma lista de "apelidos" da Odebrecht. Essa "prova", entretanto foi anulada por Dias Toffoli, do STF, bem como todas as outras obtidas através do acordo de leniência com a empreiteira, no despacho em que o ministro classifica a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "um dos maiores erros judiciários da história".
Meses antes, uma decisão do TRF-4 afastou Appio por uma suposta ligação telefônica em que teria tentado intimidar o filho do desembargador Marcelo Malucelli. Para o corregedor nacional de Justiça, “evidenciam-se elementos suficientes à manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações”. O juiz nega as acusações.
A recente decisão do Supremo e a volta dos diálogos podem trazer uma reviravolta ao caso.
Confira os diálogos
As mensagens a seguir foram obtidas pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, e reveladas pela CNN Brasil. Neste primeiro diálogo, ocorrido em 17 de dezembro de 2015, Dallagnol ainda era o chefe da força-tarefa da Lava Jato. Em conversa com o também procurador Diogo Castor de Mattos, ele estava preocupado com as férias de Hardt, a juíza que substituía Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba.
“Não teremos Moro, nem Gabriela, entre os 7 e 19 de janeiro, mas assim, Alessandro, da 14 Vara. Não sei nada sobre ele”, afirmou.
“Meu chapa, fique tranquilo. Não acho que ele liberte alguém. Não é do perfil dele”, respondeu Diogo.
“Então quem que a gente vai prender?”, questiona Dallagnol.
No ano seguinte, em 2018, um homem identificado como “Paulo”, possivelmente o procurador Paulo Galvão, sugere uma reunião da Lava Jato com Gabriela Hardt, em momento que a operação não andava bem das pernas.
“Mas olha, todo mundo aqui passa por mim e comenta ‘de brincadeira’ que a Lava Jato vai acabar… acho bom mostrarem trabalho esse ano ainda! Seria o caso de ir conversar com a Gabriela para falar das operações pendentes de decisão? E outra, se deixar arrefecer não terão substituto”, escreveu.
No dia seguinte, Dallagnol, Isabel Grobba, Jerusa Viecelli e Athayde Ribeiro Costa, todos procuradores da Lava Jato, concordaram com ‘Paulo’ em nova troca de mensagens.
“Precisamos marcar reunião com a Gabriela sobre as fases pendentes de decisão. Temos só a do Athayda e da Jerusa”, escreveu Dallagnol.
Grobba respondeu: “Com a Polícia havíamos pré agendado para 21/11, mas não houve decisão”.
Athayde Ribeiro Costa: “A do JAP tá confirmada dia 30/11, com sinal verde de Gabriela. Tive que consultá-la porque Pace (Filipe Hille Pace, delegado da PF) iria mandar a equipe ver endereços na segunda e havia uma assistência do Igor (Igor Romário de Paula, outro delegado da PF), achando que só ocorrera a fase no ano que vem.
Jerusa Viecelli então escreve o seguinte: “Muito importante que saiam este ano as duas fases deferidas por Gabriela, para demonstrar que a Lava Jato continua viva. Parece que haverá uma grande no Rio dia 10/11”.
Para encerrar, Dallagnol delibera: “Então vou marcar com ela para o começo da semana”. E Isabel Groba demonstra seu apoio: “Deltan, estarei aí e vou com você, tá?”.
7 de novembro de 2018, e o grupo de procuradores da Lava Jato volta a mostrar preocupação com as férias de Gabriela Hardt.
Laura Tessler: “Pessoal, acabei de ver a nossa agenda (conectada também a da 13ª Vara Federal de Curitiba) que a Gabriela estará de férias de 19/11 a 9/12. É bom perguntar a ela quem ficaria com a Lava Jato nas férias.
Jerusa: “Perguntaremos, mas pode ser que ela cancele, já que o titular está de férias também”.
O diálogo a seguir se deu em 18 de dezembro de 2018. A troca de mensagens versa sobre o anúncio de Dallagnol de que havia se reunido com Hardt.
Dallagnol: “Sem pressão, Gabriela disse sobre as denúncias, ‘poxa não chegou nenhuma ainda…’ Expliquei que estamos trabalhando intensamente e prometi avisar quando protocoladas”.
Jerusa: “Aproveita e fala pra ela parar de soltar todos os presos”.
Dental: “Jan, não entendi bem, mas podemos conversar quando quiser. Vou te mandar os laudos inbox, já”.
Walter Prr (possivelmente Antônio Carlos Welter): “Diz para ela aproveitar o dia de hoje para fazer as compras de Natal, porque no resto da semana ela vai ter muito o que fazer”.
Deltan: “(risos) disse isso pra ela: se ajudar, podemos enviar a minuta no estado atual para já ir apreciando. Está quase final. Não sei se vendi o que não temos, mas mostra uma alternativa”.