O relatório final da CPMI dos Atos Golpistas foi aprovado nesta quarta-feira (18) por 20 votos a favor, 11 contrários e uma abstenção. Agora, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 60 pessoas serão indiciadas por participação na trama golpista que desembocou nos atos de depredação das sedes dos três poderes da República no último 8 de janeiro, em Brasília.
No caso de Bolsonaro, a relatora da CPMI de 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA) enquadrou o inelegível ex-presidente em quatro crimes: associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Todos os tipos estão listados no Código Penal.
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"Se não fosse a CPMI certamente o 8 de janeiro já estaria esquecido. É muito importante que a gente não esqueça desse episódio, como aquilo que nós não queremos. Tenho certeza que todos os deputados e senadores que participaram dessa comissão, independente das suas posições antagônicas e divergentes, todos querem o melhor para o Brasil e são radicalmente contra o que aconteceu no dia 8 de janeiro deste ano. Portanto temos que dar crédito ao nosso parlamento por ter trazido pra cá as verdades ditas pela boca dos seus protagonistas (…) Temos aqui um relatório aprovado. E não podemos admitir nunca mais que se fale contra a democracia", disse o deputado Arthur Maia (União-BA), presidente da CPMI, em coletiva logo após a votação.
A presente sessão, que terminou com a aprovação do relatório, reproduziu uma série de cenas que foram vistas ao longo dos últimos cinco meses. Parlamentares bolsonaristas tentaram tumultuar, atacaram a relatora e fizeram protestos pela ausência da sua estapafúrdia tese no texto - de que o governo Lula, por meio do ministro Flávio Dino, teria armado a intentona golpista contra si mesmo.
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Uma das indiciadas, Carla Zambelli, resolveu ler supostas ameaças que teria recebido nas redes sociais e acabou envergonhando os colegas ao proferir frases completamente pornográficas, que sugeriam que, após ser presa, ela faria sexo oral em Bolsonaro na cadeia.
Mas apesar dos esforços e malcriações da extrema direita, o trabalho de escuta e investigação da CPMI dos Atos Golpistas foi coroado com a aprovação do relatório.
O relatório
Com 1.333 páginas, o relatório produzido pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), lido na sessão da última terça-feira (17) da CPMI dos Atos Golpistas, coloca Jair Bolsonaro (PL) como "autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023".
O documento ainda lista outros 60 indiciados que fariam parte da organização criminosa que projetou "a arquitetura extremista com o auxílio de diversos agentes, todos eles subjetivamente unidos para o fim de corroer as instituições republicanas, tão caras à democracia brasileira".
Segundo a relatora, quatro militares de alta patente seriam os principais estimuladores para que Bolsonaro levasse adiante um golpe de Estado e tinham "papel fundamental na arregimentação de apoio político dentro da caserna".
Para Eliziane, "Bolsonaro foi eleito Presidente da República e, desde o primeiro dia de seu governo, atentou contra as instituições estatais, principalmente aquelas que significavam, de alguma forma, obstáculo ao seu plano de poder".
"Para atingir seu intento, o então presidente da República instrumentalizou não somente órgãos, instituições e agentes públicos, mas também explorou a vulnerabilidade e a esperança de milhares de pessoas", diz o texto.
Segundo relatório, os quatro elementos que incitavam eram os generais da reserva Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Veja qual seria o papel de cada um, segundo o relatório da relatora da CPMI
- Walter Braga Netto: candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 e ex-ministro da Defesa. Indiciado por associação criminosa, abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado.
"Como ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro, Braga Netto esteve presente em diversas manifestações públicas golpistas proferidas pelo então presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Como General do Exército, tinha papel fundamental na arregimentação de apoio político dentro da caserna. Também teria relevante função caso de fato fosse colocada em prática qualquer intentona golpista.
Relatos indicam que Braga Netto era considerado como um dos quatro elementos que alimentavam as aventuras golpistas de Bolsonaro. Em 2021, Braga Netto chegou a declarar que as Forças Armadas não estariam dispostas a aceitar votação sem que as urnas fossem "auditáveis", como se a elas coubesse qualquer papel de aceitação ou reprovação do sistema eleitoral brasileiro.
Após o segundo turno das eleições de 2022, Braga Netto fez parte do que foi denominado como o "QG do Golpe", uma casa situada no bairro do Lago Sul, região nobre de Brasília, alugada para sediar o comitê de campanha de Jair Bolsonaro à reeleição, e onde se reuniam diversas autoridades políticas. Nessa casa, foram discutidas várias ideias de implementação de planos antidemocráticos.
O general também debateu a aplicação do instrumento de estado de defesa (art. 136, CF) para situações não previstas no texto constitucional, mesma tese defendida na chamada “minuta do golpe” encontrada na casa de Anderson Torres.
Walter Souza Braga Netto também incentivou a permanência dos acampados nos denominados acampamentos golpistas, como o discurso feito no dia 19 de novembro de 2022, quando pediu aos acampados para "não perderem a fé". Àquela altura, segundo o general, meias palavras bastavam para os bons entendedores.
- Augusto Heleno: ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Indiciado por associação criminosa, abolição violenta do Estado de Direito e Golpe de Estado.
"Segundo relatos, era um dos quatro elementos que incutiam ideias golpistas no então presidente da República. Em depoimento prestado à CPI da CLDF918, Heleno reafirmou o que teria dito em um áudio obtido pela imprensa, segundo o qual tinha de tomar "2 Lexotans na veia por dia para não levar o presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF que está aí.
Depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Heleno foi afastado do GSI, mas foram mantidos no órgão diversos oficiais militares que trabalharam sob sua administração. Referidos militares ocupavam os postos da Secretaria-Executiva, da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, da Assessoria Especial para Análise de Riscos e da Coordenação de Operações de Segurança Presidencial e de Instalações. Esses indivíduos eram responsáveis diretamente pela execução do Plano Escudo do Palácio do Planalto, procedimento de proteção do edifício presidencial em caso de ameaça, e que será objeto de discussão posteriormente.
Nesse ponto, não há como escusar Augusto Heleno por sua responsabilidade direta nos atos do dia 8 de janeiro. Isso se dá, entre outras razões, pelo fato de que Augusto Heleno esteve presente em diversas reuniões, encontros e circunstâncias que evidenciaram o intuito golpista do então presidente da República, conforme demonstrado ao longo deste documento. Nesse sentido, não há como retirar sua responsabilidade pela adesão subjetiva ao desígnio de Jair Bolsonaro, de atuar dolosamente para que houvesse tentativa de praticar atos contra o Estado Democrático de Direito.
Augusto Heleno teve acesso, em reuniões particulares, fora da agenda oficial do presidente, a "minutas de golpe", sem que tivesse se insurgido contra a possibilidade de decretação de ações golpistas, como de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que seria colocada em prática para iniciar a intentona autoritária de Jair Messias Bolsonaro".
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa. Indiciado por associação criminosa, abolição violenta do Estado de Direito e Golpe de Estado.
"Em 1º de agosto de 2022, Paulo Sérgio Nogueira enviou ofício ao TSE solicitando – exigindo, em verdade – acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas, ignorando que referido acesso já tinha sido disponibilizado pelo TSE em outubro de 2021. Esse pedido serviu unicamente para reforçar a narrativa de "inauditabilidade das urnas eletrônicas" quando, de fato, houve participação efetiva do Exército e, portanto, das Forças Armadas, no teste de segurança das urnas.
Os códigos-fonte foram inspecionados por técnicos do Ministério da Defesa, sendo que o relatório foi entregue tardiamente, no dia 9 de novembro de 2022, dias após o segundo turno das eleições. Esse relatório, segundo oitiva sob compromisso de Walter Delgatti perante a esta CPMI, notório hacker condenado no âmbito da "Operação Spoofing", teria sido produzido por ele.
Ou seja, o ministro da Defesa do Brasil teria se utilizado de um hacker para descredibilizar o sistema de votação nacional. Teria havido diversos encontros presenciais entre Nogueira e Delgatti, no edifício do próprio Ministério da Defesa".
- Almir Garnier Santos: Almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha. Indiciado por associação criminosa, abolição violenta do Estado de Direito e Golpe de Estado.
"Juntamente com outros oficiais-generais, fazia parte do alto escalão de auxiliares e conselheiros do então presidente – digase de passagem, não somente em questões militares, mas também políticas.
Garnier foi o principal responsável pelo desfile de tanques realizado no dia 10 de agosto de 2021 em frente ao Congresso Nacional, na mesma data da votação da PEC nº 135, de 2019 ("PEC do Voto Impresso"). Os blindados estavam em deslocamento para a cidade de Formosa/GO para evento tradicional da Marinha do Brasil, chamado de "Operação Formosa". Entretanto, os tanques nunca tinham se deslocado pelas vias em frente ao Congresso Nacional, desde o início da Operação, em 1988. Houve expresso repúdio do presidente da CPI da Pandemia, em andamento na época, quanto a esse fato.
Relatos jornalísticos apontaram que Almir Garnier, no âmbito de colaboração premiada em andamento do tenente-coronel Mauro Cid, era o único dos Comandantes das Forças Armadas que concordaria em executar um golpe de Estado junto ao ex-Presidente Bolsonaro. Conforme exposto anteriormente, embora ainda não confirmados, os fatos por esta CPMI investigados levam a crer que há verossimilhança nessa acusação.
Por fim, Garnier seria um dos quatro elementos que alimentavam o espírito golpista de Bolsonaro.
Considerando todo o exposto, compreendemos que há elementos materiais suficientes para apontar que Almir Garnier Santos atuou conjuntamente com Jair Messias Bolsonaro e outros indivíduos, dolosamente, em unidade de desígnios, para o ato ocorrido no dia 8 de janeiro de 2023".
Veja quem são os indiciados e leia a íntegra do relatório
- Jair Messias Bolsonaro – ex-presidente da República
- Walter Souza Braga Netto – General do Exército, ex-ministro da Defesa, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro na eleição de 2022
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira – General do Exército, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira – General do Exército, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria de Governo e da Casa Civil
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – General do Exército, ex-ministro da Defesa
- Almir Garnier Santos – Almirante de esquadra, ex-comandante da Marinha
- Marco Antônio Freire Gomes – General do Exército, ex-comandante-geral do Exército
- Mauro Cesar Barbosa Cid – Tenente-coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Luís Marcos dos Reis - Sargento do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Ailton Gonçalves Moraes Barros – Ex-major do Exército
- Antônio Elcio Franco Filho - Coronel do Exército
- Jean Lawand Júnior – Coronel do Exército
- Anderson Gustavo Torres – Ex-ministro da Justiça, ex-secretário de Segurança Pública do DF
- Marília Ferreira de Alencar – Ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça
- Silvinei Vasques – Ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
- Filipe G. Martins – Ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República
- Alexandre Carlos de Souza Silva – policial rodoviário federal
- Marcelo de Ávila - policial rodoviário federal
- Maurício Junot – sócio de empresas com contratos com a PRF
- Carla Zambelli – Deputada federal
- Marcelo Costa Câmara - Coronel do Exército, ex-ajudante de ordens da Presidência da República
- Ridauto Lúcio Fernandes - General da reserva do Exército
- Meyer Nigri – empresário e difusor de conteúdos no WhatsApp
- General do Exército Carlos José Russo Assumpção Penteado
- General do Exército Carlos Feitosa Rodrigues
- Coronel do Exército Wanderli Baptista da Silva Junior
- Coronel do Exército André Luiz Furtado Garcia
- Tenente-coronel do Exército Alex Marcos Barbosa Santos
- Major do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira
- Sargento do Exército Laércio da Costa Júnior
- Coronel do Exército Alexandre Santos de Amorim
- Tenente-coronel da PMDF Jader Silva Santos
- Coronel da PMDF Fábio Augusto Vieira
- Coronel da PMDF Klepter Rosa Gonçalves
- Coronel da PMDF Jorge Eduardo Barreto Naime
- Coronel da PMDF Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra
- Coronel da PMDF Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues
- Major da PMDF Flávio Silvestre de Alencar
- Tenente da PMDF Rafael Pereira Martins
- Tércio Arnaud Tomaz – Ex-assessor especial no Palácio do Planalto
- Fernando Nascimento Pessoa
- José Matheus Sales Gomes - Ex-assessor especial no Palácio do Planalto
- Adauto Lúcio de Mesquita – empresário
- Joveci Xavier de Andrade – empresário
- Ricardo Pereira Cunha – integrante do grupo Direita Xinguara (PA)
- Mauriro Soares de Jesus – empresário
- Enric Juvenal da Costa Laureano - consultor da Associação Nacional do Ouro
- Antônio Galvan – sojicultor
- Jefferson da Rocha - advogado
- Vitor Geraldo Gaiardo - sojicultor
- Humberto Falcão - sojicultor
- Luciano Jayme Guimarães - sojicultor
- José Alípio Fernandes da Silveira - sojicultor
- Valdir Edemar Fries - sojicultor
- Júlio Augusto Gomes Nunes - comerciante
- Joel Ragagnin - sojicultor
- Lucas Costa Beber - sojicultor
- Alan Juliani - sojicultor
- George Washington de Oliveira Sousa
- Alan Diego dos Santos Rodrigues
- Wellington Macedo de Souza