ENTREVISTA

Cappelli: "Temos trabalhado para asfixiar as organizações criminosas"

Secretário do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Cappeli, diz que "é impossível enfrentar organizações criminosas sem integrar as forças de segurança"

Ricardo Cappelli e o governador Claudio Castro.Créditos: Fotoarena/Folhapress
Escrito en POLÍTICA el

O secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, foi ao Rio de Janeiro se encontrar com o governador Claudio Castro (PL) no dia seguinte à execução dos médicos Marcos Corsato, Perseu Almeida e Diego Bomfim, na semana passada. O crime chocou o país e levou o governo federal a colocar a Polícia Federal no caso.

Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (11), Cappelli explicou como o governo Lula está apoiando o Rio de Janeiro no combate ao crime organizado e quais ações o ministério tem desenvolvido para enfrentar a violência no país, inclusive a policial.

Cappelli foi interventor da segurança pública no Distrito Federal após a tentativa de golpe no 8 de janeiro e chefe interino do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República após a demissão do general Gonçalves Dias.

Nesta entrevista, o secretário do ministro Flávio Dino apontou uma série de ações e planos para o governo Lula ter sucesso no combate ao crime. Confira os principais trechos.

Atuação da Polícia Federal no Rio de Janeiro, após execução de médicos na Barra

O inquérito segue, ele não está encerrado. Seguimos apoiando a Polícia Civil do Rio de Janeiro, que é quem lidera a investigação, com a Polícia Federal, com informações de inteligência, com o nosso banco de dados, que é muito robusto, que tem muitas informações sobre as organizações criminosas do Rio de Janeiro.

Como eu disse na semana passada, não tem cabimento o crime organizado promover assassinatos e depois achar que ele mesmo vai resolver. Isso não é aceitável no Estado Democrático de Direito.

E se houve outras mortes ligadas àquele crime inaceitável que vitimou os médicos no Rio de Janeiro, se houve outros crimes ligados a isso, esses crimes não encerram a investigação. Pelo contrário, eles fazem ampliar a investigação porque são mais crimes e o compromisso da Polícia do Rio de Janeiro, com o nosso apoio, é ir até as últimas consequências, apurar tudo o que efetivamente aconteceu.

Com relação à situação do Rio de Janeiro, por determinação do ministro Flávio Dino, nós estamos ampliando a nossa presença na cidade. Nós vamos enviar 300 homens da Força Nacional, já enviamos 270 homens da Polícia Rodoviária Federal, vamos enviar mais 300 homens da Força Nacional com 80 viaturas para apoiar o trabalho da Polícia Rodoviária Federal.

Vamos ter, portanto, um adicional de quase 600 homens apenas fazendo o trabalho nas rodovias do estado do Rio de Janeiro para inibir o tráfego de criminosos com armas, drogas e contrabando.

Além disso, estamos, neste momento, programando a ampliação da presença da Polícia Federal no Rio de Janeiro também com mais inteligência, mais analistas, mais investimentos em tecnologia e equipamentos.

Vamos ampliar a nossa presença nos portos, nos aeroportos e também na Baía de Guanabara. Estamos conversando. A Polícia Federal tem lanchas para atuar na Baía de Guanabara, mas estamos também, neste momento, conversando com as Forças Armadas para ver como elas podem, como a Marinha, mais especificamente, pode nos apoiar nesse trabalho.

Relação com a Polícia do Rio de Janeiro e com o governador Cláudio Castro

A relação com o governo do Rio tem sido muito positiva, no sentido da cooperação. Nós temos uma relação, como deve ser, de cooperação interfederativa. A gente não resolve o problema da segurança pública sem consolidar o SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública, integrando desde as guardas municipais até as Forças Federais de Segurança, passando pelas polícias militares, pelas polícias civis.

É impossível enfrentar organizações criminosas cada vez mais organizadas, verticalizadas, algumas nacionais e até transnacionais, sem a gente integrar as forças de segurança no Brasil. Então, a relação com o governo do Rio tem sido cooperativa, colaborativa, temos atuado conjuntamente, em harmonia.

Violência policial na Bahia

A letalidade policial, que é o que é mais questionado na Bahia, nunca é desejável. Temos trabalhado com as corregedorias. Nesse momento, estamos abrindo um edital para 100 mil bolsas de formação para formar as nossas polícias. Os policiais vão ganhar R$ 900 para fazer esses cursos.

É uma bolsa-formação com uma grade curricular voltada para a questão da garantia de direitos, da proteção de direitos. Esse é um trabalho contínuo.

O policial adere ao curso, faz o curso e, para fazer o curso, ele ganha uma bolsa de R$ 900. Vão ser 100 mil bolsas para 100 mil profissionais da segurança pública no Brasil.

E ele escolhe, tem uma grade de cursos, todos ligados à questão da garantia de direitos, à violência contra a mulher. Tem um cardápio robusto de opções.

Nós temos discutido também, com o conjunto das polícias, a questão da grade curricular, dos cursos de formação, sempre numa postura de colaboração, de cooperação. Na relação interfederativa, o governo federal não pode impor nada e nem passar por cima das forças estaduais de segurança.

E a gente tem tido muito êxito nesse trabalho. A gente tem feito reuniões ao longo do ano inteiro para integrar essas políticas, também para tratar da questão da letalidade policial, mas não só para isso, mas também para tratar de um instrumento que protege o bom policial. Discutimos ao longo do ano todo e fizemos recentemente um seminário nacional sobre a utilização de câmeras corporais. E vamos publicar, até o final do ano, diretrizes nacionais para a utilização de câmeras corporais, com padrões técnicos, padrões de utilização, enfim, como isso deve funcionar.

A câmera é apenas um equipamento. O mais importante é o que está por trás da câmera, o armazenamento, a inteligência no tratamento desses dados. É a inteligência por trás da câmera que faz a diferença. Temos trabalhado todas essas questões para enfrentar a questão da letalidade, para reduzir os confrontos, integrando através do SUSP as polícias e trabalhando com cada vez mais inteligência e planejamento.

Agora, veja, essa não é uma questão simples. Nos últimos quatro anos, vivemos uma política de liberação irresponsável, indiscriminada, de armas no Brasil. Armas não só de menor potencial ofensivo, mas de armas de guerra, de fuzis que foram liberados indiscriminadamente no Brasil.

Isso, obviamente, cobra um preço. Essas armas liberadas de forma irresponsável, munições como nunca na história do Brasil foram liberadas e compradas, vão parar na mão do crime organizado. Então, é sempre preciso ter muito equilíbrio nesse debate sobre a segurança pública.

As polícias nunca estão totalmente certas, mas também nunca estão totalmente erradas. É preciso ter equilíbrio nesse debate, valorizar a atividade policial.

Não existe segurança pública sem polícia, é preciso trabalhar câmeras, trabalhar formação, fortalecer as corregedorias, trabalhar garantia de direitos. Uma polícia técnica, profissional, é o nosso objetivo.

Lançamento do Plano Nacional de Segurança

O plano tem um conjunto de ações que vão desde trabalhar a segurança pública com cidadania, na questão da prevenção. Vamos construir, por exemplo, 40 novas Casas da Mulher Brasileira, em parceria com o Ministério das Mulheres, que são equipamentos fundamentais para enfrentar uma questão que é prioridade nossa, que é o combate à violência contra a mulher.

Vamos construir pelo menos 60 novos Convives (Centros Comunitários pela Vida). O que são os Convives? São centros que vão reunir arte, cultura, esporte, qualificação profissional, acesso a serviços, para a população como um todo, mas focados na juventude, nas áreas de maior vulnerabilidade social. A gente está com o edital, neste momento, aberto também para receber propostas para os Convives.

O Plano de Ação para a Segurança Pública (PAIS) trabalha a prevenção e vai trabalhar também a integração de dados para a gente poder trabalhar com inteligência, com ações baseadas em dados, em evidências. O SUSP [Sistema Único de Segurança Pública] é peça central, e dentro dele o Sinesp, que é o sistema nacional, que integra todos os dados da segurança pública.

O ministro lançou o Plano de Enfrentamento às Organizações Criminosas (ENFOC). Estamos trabalhando para a integração das inteligências também, porque isso é decisivo, é fundamental, que as inteligências possam conversar, a inteligência da Polícia Civil com a Polícia Militar, com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária Federal. Isso é decisivo no enfrentamento ao crime organizado.

Teremos o maior investimento na história da região amazônica em segurança pública, serão R$ 2 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão do Fundo Amazônia, já aprovado, com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e do BNDES.

Vamos implantar um plano na Amazônia, como nunca visto antes. Serão 34 novas bases de segurança na Amazônia, sendo 28 bases terrestres e seis bases fluviais, um centro de comando e controle da Força Nacional de Segurança na Amazônia e um centro de cooperação de inteligência policial internacional com todos os países da região amazônica.

São inúmeras ações. Nesse momento, está em curso a Operação Paz. Estamos investindo cerca de R$ 250 milhões nos 12 estados que concentram 58% das mortes violentas e intencionais do Brasil. O Amapá é um deles. E com esses R$ 250 milhões, o investimento começou em setembro, vai até dezembro, com um monitoramento de resultados a cada 30 dias. A gente espera reduzir as mortes violentas e intencionais e fazer ampliação da apreensão de armas e drogas no Brasil.

São um conjunto de ações que envolvem integração, inteligência e planejamento. Para dar outro exemplo, nós, apenas com ação de inteligência integrada com os estados no Rio, na Bahia e em Pernambuco, retiramos das unidades prisionais este ano, até o momento, mais de 11 mil aparelhos celulares. É um trabalho contínuo de integração, inteligência e planejamento.

Tecnologia e inteligência contra o crime organizado

Temos trabalhado para asfixiar as organizações criminosas seguindo o dinheiro. É o velho Follow the Money [Siga o dinheiro]. Nós, recentemente, apreendemos 268 apartamentos de uma organização criminosa. Torres inteiras em Santa Catarina, em Balneário Camboriú, construídos por uma suposta imobiliária que servia para lavar dinheiro do crime organizado. São com essas ações de inteligência que a gente vai descapitalizando essas organizações e asfixiando, retirando o poder de fogo delas.

Foi também uma ação de inteligência que, há cerca de dez dias, nós apreendemos 3,6 toneladas de cocaína num navio já em alto mar saindo da costa de Pernambuco. Em valor de mercado, nós estamos falando de quase 500 milhões de reais apreendidos.

Se eles têm inteligência, o nosso desafio é investir cada vez mais em inteligência, em investigação, em parceria com o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras], com a Receita Federal, com a Febraban [Federação Brasileira de Bancos], com os bancos, para a gente ir asfixiando o poder dessas organizações.

É um trabalho contínuo e exige, volto a dizer, investimento em tecnologia, em inteligência, em equipamentos e em mão de obra especializada também para conseguir acompanhar esse desenvolvimento.

O presidente Lula criou no início do governo uma nova diretoria na Polícia Federal que foi a diretoria de crimes cibernéticos. E essa diretoria está estruturada desde o início do ano para enfrentar justamente esse desafio, porque tudo hoje passa muito por esse caminho das novas tecnologias.

Assista