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Com orçamento secreto, Bolsonaro desidrata recursos para políticas urbanas em 2023

Um dos muitos exemplos do desmanche no setor é que, com o corte de verbas, obras de 140 mil casas populares serão paralisadas

Com a diminuição de verbas, obras de casas populares serão paralisadas.Créditos: Agência Brasil
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O governo de Jair Bolsonaro (PL) deu mais um passo para concretizar seu processo de desmanche em todos os setores da vida do brasileiro. Desta vez, o golpe fatal foi sobre os recursos destinados às políticas urbanas no orçamento de 2023, que teve seus valores desidratados.

Em entrevista à Fórum, o arquiteto e urbanista José Marques Carriço relatou como as diversas áreas relacionadas ao setor foram praticamente inviabilizadas por conta do chamado orçamento secreto.

“Na rubrica de saneamento básico, o valor passou de R$ 289 milhões, em 2022, para apenas R$ 27 milhões no próximo ano. Na mobilidade urbana, de R$ 112 milhões para R$ 7 milhões. Os valores, que já eram ínfimos para os desafios que o Brasil urbano tem que enfrentar, praticamente desapareceram”, avaliou Carriço.

De acordo com o arquiteto, as causas principais que contribuíram para o caos no setor são “a compressão do orçamento federal pelo teto de gastos e as emendas de relator, do famigerado orçamento secreto, que é a antítese do planejamento, posto que permite a alocação de recursos sem qualquer possibilidade de participação da sociedade na priorização de investimentos”.

Carriço explicou a relação direta entre a diminuição de recursos para o setor e a influência das emendas do relator, prática que apresenta baixo grau de transparência.

“Como o governo Bolsonaro mantém sua base parlamentar em troca de recursos do orçamento, manejados pelo poderoso presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e como no período eleitoral a voracidade na destinação de emendas em troca de apoio político atingiu seu ápice, não vão sobrar recursos para importantes políticas públicas no próximo ano”, ressaltou.

Ele acrescentou que “com a redução da arrecadação dos estados, em face do estelionato eleitoral da redução dos preços dos combustíveis, via diminuição do ICMS, nem os estados serão capazes de auxiliar os municípios nestas políticas. O próximo ano será um desastre para as cidades brasileiras, que dependerão cada vez mais de emendas de deputados que controlam seus currais eleitorais, em um jogo perverso”.

Na avaliação de Carriço, esta é uma forma desigual de se fazer política, pois somente os “amigos do rei” são contemplados. “Assim, a tendência é que seja mantida, em grande parte, a bancada do Centrão, em 2023, a não ser que a sociedade dê um sonoro não a estes parlamentares, no próximo dia 2. Na minha visão, nenhum brasileiro deveria votar em deputado que destina recursos do orçamento secreto.”

O arquiteto e urbanista destacou, ainda, que, no país em que a maioria da população vive em cidades, a desidratação do orçamento das políticas urbanas tende a aprofundar o déficit de qualidade de vida urbana.

Saneamento, mobilidade, habitação, urbanismo de modo geral, serão extremamente afetados. E nos currais eleitorais, que receberão obras de emendas parlamentares, será preciso redobrar a fiscalização, pois em muitos casos já foram constatados superfaturamento de obras e equipamentos, como no recente escândalo dos tratores”, alertou.

“Se mantida esta ordem de grandeza de recursos, o Brasil levaria 20 mil anos para zerar o déficit habitacional”

Carriço mencionou alguns dos programas que receberão menos recursos e serão prejudicados, conforme prevê o orçamento de 2023.

“Chama muito a atenção o orçamento do saneamento básico com apenas R$ 7 milhões e o Programa Casa Verde e Amarela, que sucedeu o Minha Casa Minha Vida, com apenas R$ 34 milhões. Neste caso, um colega fez umas contas, a partir do déficit habitacional calculado em 2019, pela Fundação João Pinheiro, de 6 milhões de unidades habitacionais, considerando que os municípios subsidiassem os projetos habitacionais e suas populações parassem de crescer. O resultado é absolutamente escabroso: se mantida esta ordem de grandeza de recursos, o Brasil levaria 20 mil anos para zerar o déficit habitacional. 20 mil anos!”, enfatizou.

O valor 95% menor para investimentos em moradias em 2023, no Programa Casa Verde e Amarela, deixará 140 mil casas populares com obras paralisadas. Além disso, sem a garantia de dinheiro para o próximo ano, o Ministério do Desenvolvimento Regional não poderá retomar obras paradas atualmente.

“O mais terrível neste caso é que, no programa habitacional do governo, é a faixa de baixa renda (Faixa 1, até R$ 1,8 mil de renda) que depende fundamentalmente de recursos do orçamento da União. Ou seja, o governo Bolsonaro está condenando a população de baixa renda a não ser atendida pelo programa federal, o que, aliás, já vem ocorrendo desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, quando o governo passou a se limitar apenas a continuar obras iniciadas e retomar as paradas”, relembrou.

Carriço usou cálculos para fazer uma comparação para indignar qualquer brasileiro de bom senso. “Considerando o expressivo crescimento do patrimônio imobiliário da família do presidente da República, em especial os 51 imóveis adquiridos por um total de R$ 26 milhões, também com recursos em espécie, a ordem de grandeza do orçamento da União para o Casa Verde e Amarela, R$ 34 milhões, é bem revelador dos tempos que estamos vivendo”.

Orçamento secreto viola a Constituição

O arquiteto e urbanista acrescentou que o cenário proposto por Bolsonaro para 2023 fere a Constituição. “Defendo que o orçamento secreto seja eliminado, pois além dos prejuízos a toda e qualquer forma de planejamento das políticas públicas, fere princípios da administração pública, previstos no artigo 37 de nossa Constituição. Principalmente os de impessoalidade, moralidade e eficiência. Além disso, viola o princípio da transparência tratado na Lei Complementar Federal nº 131/2009, que dispõe da transparência na gestão fiscal”, concluiu.

Portanto, diante deste quadro, caso vença as eleições, o ex-presidente Lula (PT) terá muitas dificuldades para recompor recursos e retomar as políticas públicas em todos os setores, incluindo o que se refere às inúmeras áreas do urbanismo.