O ataque do então deputado Jair Bolsonaro (PL), em 2014, dizendo a Maria do Rosário (PT-RS) que "não estuprava você porque você não merece" era apenas prenúncio da cultura machista e misógina que seria levada ao Planalto quando ascendeu com seu governo fascista em 2019 - mesmo ano em que foi condenado pelo STJ a pedir desculpas e indenizar a parlamentar.
As denúncias de assédio e violência sexual que derrubaram o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, são apenas a ponta do iceberg do que acontece em todos os cantos do governo.
Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), as denúncias de assédio sexual nos órgãos do governo passaram de 155 em 2019, quando Bolsonaro assumiu o poder, para 251 em 2021 - um aumento de 62%. Até o momento, em 2022 foram denunciados 214 casos, praticamente um a cada dia.
Bajulador contumaz do presidente, Guimarães foi informado que as denúncias viriam à tona na última terça-feira (28), quando participava de mais um ato eleitoreiro do chefe, na entrega de moradias financiadas pela Caixa em Maceió.
Sentado na segunda fileira das autoridades, atrás de Bolsonaro, Collor e Arthur Lira, Guimarães não disfarçava o nervosismo. Com os olhos pregados no celular e semblante fechado, ele mal ouviu os xingamentos do ex-senador Benedito Lira, pai de Arthur, que aos berros ordenou a apoiador: “Vá embora, filha da puta!”. No entanto, pressentia que dois dias depois também iria embora do governo.
Ódio e nojo
Ao menos cinco funcionárias do alto escalão da Caixa fazem parte do grupo que rompeu o silêncio da ouvidoria do banco - que só divulgou a misoginia endêmica na instituição com o advento do bolsonarismo após a demissão de Guimarães.
Os relatos, revelados pelo portal Metrópoles e pulverizados em vídeos com imagens distorcidas das mulheres pela Globo, causaram ódio e nojo nas redes e calaram a horda bolsonarista, que ficou sem argumentos.
“É comum ele pegar na cintura, pegar no pescoço." “Ele falou assim: ‘Vai lá, toma um banho e vem aqui depois para a gente conversar sobre sua carreira’." “Ele abriu a porta com um short, parecia que estava sem cueca." “Tenho pânico de ter que trabalhar com ele."
Os depoimentos estarrecedores mostraram a face da cultura patriarcalista, machista e misógina que Guimarães levou da iniciativa privada. No Santander foi demitido por quebrar o braço de uma colega em meio a denúncias de assédio - tudo com a anuência da Veja, que pincelou o caso em 2018, mas se calou diante da escalada neoliberal levada por Paulo Guedes e sua trupe ao governo.
Guimarães bem que tentou, usando a tática bolsonarista de disfarçar os discursos de preconceito e ódio, como aparecer com um amigo negro após destilar racismo ou um gay para amenizar a homofobia.
Após se reunir com o presidente e virar a madrugada da quarta-feira (29) com assessores buscando uma "saída honrosa" - sugerida pelo próprio Bolsonaro, que se esquivou de gravar vídeo condenando a atitude do pupilo -, Guimarães aparece com a esposa em evento logo pela manhã. No discurso, usou a defesa da "tradicional família brasileira": "São quase 20 anos juntos, dois filhos, e uma vida inteira pautada pela ética".
Na plateia, Manuella Pinheiro Guimarães ouvia o marido sem disfarçar o constrangimento. Escondida dos eventos oficiais até então, Manuella é filha do ex-diretor da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, que mudou seu depoimento à Lava Jato para incriminar Lula (PT) no caso do triplex do Guarujá.
Manuella foi um trunfo do marido para descolar junto a Bolsonaro o cargo de comando na Caixa, que lhe garantia R$ 56 mil mensais de salários turbinados por até R$ 230 mil por participação em conselhos do banco e de empresas controladas pela instituição federal.
A limitação dos ganhos a apenas duas instituições por determinação do Conselho de Administação do banco, aliás, foi motivo de um chilique em que Guimarães mandou os conselheiros "se foderem" que, segundo ele, seriam apoiadores de Lula. O piti consta em denúncia de assédio moral, que também foi aberta pelo MPF diante dos constantes arroubos autoritários dele na direção do banco.
Pressão do Centrão
A implosão do novo escândalo no centro do governo, dias após da prisão de Milton Ribeiro pelo bunker da corrupção comandado por pastores no MEC, acendeu novo alerta vermelho no Centrão, que pressionou Bolsonaro a abandonar mais um soldado à própria sorte diante de um aumento ainda maior da debandada do eleitorado feminino.
Em carta recheada do mesmo cinismo que exibia diante das vítimas de assédio, Guimarães se colocou como vítima de "perversidades" e citou o "Programa Pró-Equidade de Gênero" do banco, numa desfaçatez sem tamanho.
A carta, na verdade, foi produzida pelo advogado criminalista José Luis Oliveira Lima, o mesmo que fez a defesa do ex-diretor da TV Globo Marcius Melhem, acusado de assédio sexual por atrizes e funcionárias da emissora.
Em seu lugar no comando do banco, Bolsonaro escalou Daniella Marques Consentino, Secretaria de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia e braço direito de Paulo Guedes, em uma tentativa inócua de acenar ao eleitorado feminino.
Privatista e carreirista dentro do sistema financeiro privado, Daniella foi levada ao governo por Guedes e chegou a ser retida pela polícia legislativa em 2019 após depoimento do economista na Comissão de Constituição e Justiça.
O motivo da retenção: a então assessora, de forma agressiva, tentou impedir que Maria do Rosário chegasse próximo a Guedes na Câmara. A mesma Maria do Rosário que remete ao passado de misoginia, machismo e sexismo que Jair Bolsonaro levou ao centro de seu governo fascista.
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