Desde abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem acenado com a revogação dos sigilos de cem anos impostos por Jair Bolsonaro sobre temas que podem embaraçar seu governo e, em alguns casos, levá-lo e a seus cúmplices à cadeia. Na última semana, Lula prometeu, por duas vezes, um “revogaço”: todos os sigilos cairão.
Numa entrevista a uma rádio de Piracicaba na quarta-feira (29), Lula anunciou formalmente que haverá um decreto presidencial para revogar os decretos bolsonaristas: "É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um decreto, um revogaço desse sigilo que o Bolsonaro está criando para defender os seus amigos". Dois dias depois, Lula foi ainda mais específico e indicou em entrevista à Rádio Metrópole de Salvador (BA) quando acontecerá: "Vai ter um revogaço no meu primeiro dia de governo”.
Lula tem contraposto o manto de sigilo que cobre o governo Bolsonaro com a transparência que havia nas administrações do PT e indicado a razão de tanto segredo: “Qualquer pessoa podia saber o que acontecia no nosso governo. Agora, o Bolsonaro, não. O Bolsonaro dizia que não tem corrupção, mas decreta sigilo de cem anos para qualquer denúncia contra ele. Decreta sigilo de cem anos para o filho, para os amigos, para o [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello. Nada dele é investigado”.
Segundo o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), em entrevista ao programa Fórum Café, na quarta-feira, “vai mudar o sinal e onde se lê ‘nada’ deve-se ler ‘tudo’. Tudo será investigado com a quebra dos sigilos escandalosos”.
Pimenta preparou uma lista de todos os decretos “de sigilo eterno”, como qualificou de Bolsonaro. A lista começa no próprio dia da posse do presidente que prepara-se para deixar o Planalto: um decreto estabeleceu inacreditável sigilo de 100 anos para a lista de convidados do coquetel da posse.
A preocupação com os filhos e os seus braços direitos é um tema de dois decretos de sigilo: Bolsonaro pretendeu que por 100 anos não se pudesse saber os dados dos crachás de acesso de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao Palácio do Planalto, assim como quantas vezes lobistas de armas e o advogado do clã, Frederick Wassef, se encontraram com Jair em 2020 -Wassef é também advogado de Fabrício Queiroz, o da “rachadinha”.
Até o cartão de vacinação de Bolsonaro e o processo de matrícula de Laura Bolsonaro, filha de Jair, no Colégio Militar de Brasília estão sob sigilo. O ingresso da menina ocorreu sem que ela passasse por processo seletivo - no caso dela, o sigilo acaba com o fim do governo.
Não são apenas listas de convidados ou a proteção aos membros do clã que estão na mira dos decretos. Está sob sigilo de 100 anos, por exemplo, o processo administrativo do Exército contra Eduardo Pazuello por participar de um ato político em favor de Bolsonaro.
Documentos relativos à compra de vacinas da Covaxin, o centro de um da CPI da Covid, um escândalo de R$ 1,6 bilhão, estão igualmente sob sigilo.
Tudo virá à tona. Sem o sigilo, o Congresso Nacional, as autoridades do Ministério Público e da nova administração irão decidir o que fazer. A chapa de Bolsonaro já está esquentando.
A lista dos decretos
1 - LISTA DE CONVIDADOS DO COQUETEL DA POSSE – A decisão de declarar a confidencialidade partiu do Itamaraty após um cidadão requisitar por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) o nomes de todos os convidados do coquetel do presidente.
2 - PASTORES - O general Augusto Heleno, comandante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), impôs 100 anos de sigilo sobre os registros de entrada no Palácio do Planalto de uma série de pessoas, incluindo os dois pastores investigados por suspeita de corrupção no Ministério da Educação — Gilmar Santos e Arilton Moura. Os dados acabaram liberados após um parecer da Controladoria-Geral da União (CGU), mas permaneceram no pacote de sigilo as visitas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
3 - PAZUELLO - Em junho de 2021, o Exército negou acesso ao processo administrativo contra Eduardo Pazuello por participar de um ato político em favor de Bolsonaro. A conduta é vedada a militares da ativa. O ex-ministro não foi punido. A negativa usou como argumento o artigo 31, parágrafo 1º, inciso I, da LAI. O trecho diz que o tratamento de informações pessoais deve respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O sigilo foi questionado no STF (Supremo Tribunal Federal) por PT, PC do B, Psol e PDT.
4 - FILHOS - Em julho de 2021, dados dos crachás de acesso de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao Palácio do Planalto foram colocados em sigilo por 100 anos. O segredo foi usado para negar acesso a um pedido de acesso à informação feito pela revista Crusoé
5 - CARTÃO DE VACINAÇÃO - Informações sobre o cartão de vacinação do presidente também estão em sigilo por 1 século.
6 - MATRÍCULA DA FILHA - Também está em sigilo a matrícula de Laura Bolsonaro, filha mais nova do presidente, no Colégio Militar de Brasília. O ingresso ocorreu sem que ela passasse por processo seletivo. O caso não está em segredo por 100 anos. Dura enquanto Bolsonaro permanecer como presidente.
7 - REFORMA ADMINISTRATIVA - Durante os debates sobre a Reforma Administrativa, em 2020, o Ministério da Economia colocou sob sigilo todos os documentos relacionados à PEC da Reforma.
8 - WASSEF - Também estão sob sigilo, assim como foram negados pedidos para se saber quantas vezes lobistas de armas e o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, se encontraram com o mandatário em 2020 (Wassef é aquele que escondeu o notório Fabrício Queiroz, operador da rachadinha).
9 - ESCÂNDALO DAS VACINAS - Em meio às investigações da CPI da Covid, o Ministério da Saúde resolveu colocar sob sigilo documentos que tratam da compra de vacinas da Covaxin, justamente o centro de um dos maiores escândalos investigados pelos senadores. O valor do negócio para a Covaxin, de R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado (reservado para esse fim) pelo governo federal.
10 - VIAGEM À RÚSSIA E À HUNGRIA - O Ministério das Relações Exteriores impôs um sigilo de cinco anos sobre os registros e detalhes da viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e Hungria ocorrida no mês de fevereiro. Em resposta a um requerimento apresentado pela bancada do Psol na Câmara, que pedia detalhes da agenda do presidente e outros assuntos tratados nos encontros.
11 - MÉDICO PRESO NO EGITO - Outro caso emblemático foi o do médico bolsonarista Victor Sorrentino, preso no Egito após fazer piadas sexistas para uma mulher muçulmana. O caso se tornou um incidente diplomático, e o governo precisou intervir para liberá-lo. O Itamaraty colocou os documentos envolvendo as negociações com o governo egípcio sob sigilo de cem anos.
12 - PARECERES DE VETOS E SANÇÕES - Adotando um procedimento não previsto na LAI e contrariando a si própria, a CGU adotou o entendimento de que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção e vetos do presidente a Projetos de Lei aprovados no Congresso são sigilosos. Segundo a CGU aplica-se o sigilo entre cliente e advogado em relação à Advocacia- Geral da União e às assessorias jurídicas dos órgãos federais.
13 - ACESSO À SALA COFRE DO ENEM - O INEP classifica como sigiloso processo administrativo que possibilitou a entrada de policial federal na sala segura em que perguntas do Enem são elaboradas.
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