CRIME NA AMAZÔNIA

Por que Bruno Pereira e Dom Phillips incomodavam tanto os poderosos

Ambos se conheceram em 2018, quando fizeram uma expedição de 17 dias no Vale do Javari; objetivo era localizar indígenas da etnia Korubo

Dom e Bruno.Créditos: Reprodução/Fantástico
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A paixão e o respeito pelo meio ambiente, além da vocação para lutar pelos povos originários e pela Amazônia, uniram um brasileiro e um britânico. Ao mesmo tempo, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, justamente pela tenacidade com que combatiam o garimpo e a pesca ilegais, ação de madeireiras, invasão de terras indígenas e tráfico de drogas na região, incomodavam muito os poderosos.

Setores do agronegócio e políticos, inclusive ligados ao governo de Jair Bolsonaro (PL), se beneficiam com as atividades criminosas na região amazônica.

O delegado Alexandre Saraiva, ex-chefe da Superintendência da Polícia Federal do Amazonas, denunciou, nesta terça-feira (14), a existência de uma bancada de parlamentares financiada pelos interesses de madeireiros e desmatadores da Amazônia

Esses criminosos têm boa parte dos políticos da região Norte no bolso. Governadores, senadores... Tenho uma coleção de ofícios de diversos senadores de estados da Amazônia que diziam que eu estava ultrapassando os limites da lei. Teve senador junto de madeireiros me ameaçando”, declarou Saraiva, citando, inclusive nominalmente, parlamentares da base governista.

O episódio macabro, que culminou com os assassinatos de Bruno e Dom, escancarou ao mundo, definitivamente, a política ambiental nefasta do governo Bolsonaro, apoiador assumido da prática da violência e de atividades ilegais na Amazônia, e que ainda responsabilizou as vítimas pelo que sofreram, com declarações ofensivas que afrontam o bom senso.

O trágico desfecho desse caso não pode ser encarado como o encerramento de mais um triste capítulo da história recente deste país, devastado por um governo descompromissado com todas as causas humanísticas. Deve, sim, servir para que as pessoas entendam a importância da preservação do meio ambiente e manutenção da cultura dos povos indígenas, e que defender esta causa é missão de todos.

Conheça um pouco mais sobre Bruno e Dom:

Bruno Pereira

Considerado um dos indigenistas mais experientes do país, Bruno Araújo Pereira foi servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai) e chegou a exercer o cargo de coordenador regional da entidade em Atalaia do Norte, justamente a área onde foi assassinado.

No ano de 2016, o servidor deixou o cargo após um conflito entre povos isolados da região. 

Em 2018, o indigenista foi nomeado coordenador-geral dos Índios Isolados e de Recém Contatados da Funai. À frente desta posição, coordenou a maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos

Foi justamente em 2018 que o indigenista conheceu Dom Phillips, quando os dois fizeram esta expedição, no Vale do Javari. A convite da Associação União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), eles embarcaram em uma viagem de 17 dias que tinha, como objetivo, localizar indígenas da etnia Korubo.

Apesar do seu trabalho ser reconhecido e de extrema importância, Bruno foi exonerado do cargo em outubro de 2019, após pressão de setores ruralista ligados ao governo Bolsonaro

Mesmo afastado da Funai, ele atuava em um projeto voltado para melhorar a vigilância em territórios indígenas contra narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros que atuam no Vale do Javari.

No final de 2021, Bruno concedeu uma entrevista à WWF-Brasil e afirmou que a situação na região era dramática. "Trabalho há 11 anos [na região do Atalaia do Norte] e nunca vi uma situação tão difícil. Os indígenas dizem que hoje a quantidade de invasões é comparável à do período anterior à demarcação. Por isso, é absolutamente necessário que os indígenas busquem as suas formas de organização, montando um esquema de monitoramento capaz de frear os conflitos violentos", disse. 

O indigenista, atualmente, fazia parte do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI).

Dom Phillips

O jornalista Dom Phillips nasceu em Merseyside, no Reino Unido, e atuava no Brasil desde 2007. Atualmente, ele estava sediado em Salvador, na Bahia. 

No Brasil, produziu matérias para The Guardian, Financial Times, New York Times, The Intercept, The Obsrver, The Independent, The Daily Beast.

Entre os anos de 2014 e 2016 fez coberturas sobre o Brasil para o Washington Post. Atualmente, Dom Philips colaborava de maneira recorrente para The Guardian

O jornalista estava trabalhando na realização de um livro sobre o meio ambiente, que contava com o apoio da Fundação Alicia Patterson. 

Nos últimos anos, Dom ia constantemente à região amazônica para relatar a crise no meio ambiente brasileiro, bem como o assassinato de líderes indígenas.

Não é de hoje que sua militância incomodava os poderosos. Em 2019, Dom participou de uma coletiva de imprensa e questionou Jair Bolsonaro sobre o desmatamento na Amazônia e a relação de Ricardo Salles, então ministro do Meio do Ambiente, com madeireiros. 

De maneira agressiva, Bolsonaro atacou o jornalista e afirmou que nenhum país do mundo pode falar sobre a Amazônia. "Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês. A primeira resposta é essa daí, tá certo? [...] se o que vocês falam sobre o desmatamento na Amazônia fosse, verdade, não existiria mais nada. Nenhum país do mundo tem moral para falar da Amazônia", disse.