SÉRIE ESPECIAL

O Futuro de Bolsonaro – “Ele responderá por todos os crimes cometidos no mandato”

Série da Fórum traz as consequências com as quais o presidente terá que arcar em quatro diferentes aspectos por conta de sua gestão criminosa. Nesta 1ª parte, juristas falam sobre ações na Justiça aqui do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro..Créditos: Agência Brasil
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A Fórum publicará, a partir desta segunda-feira (23), uma série de quatro reportagens sobre os problemas que o presidente Jair Bolsonaro enfrentará se deixar o cargo no final deste ano, caso seja derrotado nas eleições de outubro. Se arvorando em seu discurso autoritário e que beira as fronteiras da democracia e escorado numa suposta proteção dos militares, o atual ocupante do Palácio do Planalto está numa enrascada na hipótese de não conseguir sua reeleição.

A reportagem da Fórum foi ouvir especialistas para traçar o futuro do líder de extrema direita na Justiça brasileira, na Justiça internacional, nas páginas da História e no que diz respeito à reputação que terá no campo dos Direitos Humanos.

Nesta primeira parte, os juristas Marco Aurélio Carvalho e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, falam sobre como devem ser os dias de Bolsonaro sem a faixa presidencial e de como o Judiciário e o Ministério Público deverão atuar para que ele pague por todos os crimes que cometeu no exercício de seu mandato.

“Uma das grandes características desse governo, é a milicialização das instituições. Elas foram capturadas por interesses políticos e eleitorais. Infelizmente, parte do Ministério Público perdeu a independência e a autonomia, e pouco ou nada faz contra os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e pelo governo genocida que ele lidera”, começa considerando Carvalho, ao ser questionado sobre a penca de ilegalidades cometidas pelo presidente e a inação dos setores que poderiam atuar enquanto ele detém a condição de chefe de Estado.

No entanto, para Carvalho, que é coordenador do Grupo Prerrogativas, tudo mudará para Bolsonaro no caso de uma derrota em outubro.

“Caso ele venha realmente a deixar a Presidência, tese que todos até agora acreditamos, já que é uma esperança sincera que todo democrata nutre, enfim, de fato, se ele deixar o palácio (do Planalto) ao final deste ano, com certeza enfrentará problemas dos mais variados tipos, e como um cidadão comum, sem a blindagem de um governo e sem os aparatos que estão à disposição de um governo. Certamente ele terá dificuldades para se defender nos processos que seguramente serão ajuizados contra ele”, completou.

A própria estratégia do presidente de aparelhar seu entorno para evitar investigações e ações na Justiça, na hipótese de uma derrota eleitoral, pode servir como alvo para que o Judiciário e o MPF se debrucem sobre novas denúncias, segundo o jurista. Além disso, ele considera que muita coisa será levantada com a saída de Jair Bolsonaro do poder, incluindo questões relacionadas à pandemia, as famosas acusações de prática de rachadinha por toda a família e até casos como o da vereadora Marielle Franco, fuzilada por milicianos em 2018.

“São inúmeras as acusações a que ele deve responder. Acusações de rachadinha, que ele e os filhos precisam esclarecer. Enfim, há acusações de participação em atos delituosos cometidos por milicianos com os quais ele se relaciona, acusações relacionadas ao triste episódio da morte da vereadora Marielle, e a tantos outros episódios acontecidos no Rio, ou em Brasília. Da mesma forma, ele terá que responder pelos crimes cometidos no exercício nas nobres funções de presidente da República, na condução da pandemia, pelas ações e omissões criminosas que trouxeram para o país a triste realidade de quase 700 mil mortos. Não dá para deixar de dizer que ele responderá ainda por obstrução de Justiça e por usar a Polícia Federal para proteger a si e seu filhos. Em suma, ele terá que responder por todos os crimes comuns que ele cometeu à frente do mandato presidencial, sem a blindagem que o governo lhe ofereceu nesses últimos quase quatro anos”, explicou Carvalho.

O coordenador do Prerrogativas disse ainda estar tranquilo em relação ao papel que será exercido pelo Judiciário e pelo Ministério Público, que mesmo tendo protagonizado erros nos últimos anos, devem agir com rigor e cumprindo a lei à risca contra o extremista reacionário, no caso de sua saída do Palácio do Planalto.

“Em que pese os equívocos cometidos pelo Judiciário, em especial nos casos que envolviam o ex-presidente Lula, o fato é que o Judiciário tem sido um freio de contenção aos arroubos golpistas desse governo. Eu imagino que Bolsonaro fora dele vai enfrentar muitas dificuldades frente a um sistema de Justiça que é independente, autônomo, e que preza pela própria independência e autonomia dos poderes da República. Tenho confiança e temos visto posições bastante corajosas e bem-vindas exaradas por parte do Supremo Tribunal Federal e também pelas demais instâncias do nosso sistema de Justiça. Particularmente, não tenho motivos para duvidar de que ao serem chamados à responsabilidade, não faltarão”, concluiu.

Já para Kakay, apelido pelo qual é nacionalmente conhecido o jurista Antônio Carlos de Almeida Castro, uma coisa a ser analisada é a própria histeria de Bolsonaro quando se dá conta de que está em vias de ser retirado do poder pelo voto. Para ele, o presidente já prevê os problemas que terá e agora tudo correrá na Justiça comum, sem que ele possa interferir na tramitação das ações.

“Eu entendo que parte desse nervosismo do Bolsonaro, inclusive essa frequente tensão criada com o poder Judiciário, especialmente com o Supremo, pode ser fruto sim de uma preocupação do que poderá ocorrer com ele e com pessoas próximas a ele após a Presidência da República. Perdendo a eleição, como se espera, esses processos que hoje não estão em andamento, pelo fato de ele estar na Presidência da República e eles só podem ser acionados e denunciados pelo Procurador-Geral da República... Esses processos baixarão para a primeira instância e, se ele não tiver foro, como não terá, os processos não deixam de existir... Eles continuam a existir, só que antigamente havia uma prorrogação do foro, e hoje não. Então, dependendo do local onde o ato estiver sendo investigado, poderemos ter uma série de investigações mais aprofundadas, ou mesmo de denúncias, na eventualidade do Ministério Público, que é sempre quem tem o poder de denunciar, surgirão então várias ações”, opinou Kakay.

O famoso advogado falou ainda de como funciona, na prática, o mecanismo que até este momento garantiu a impunidade ao presidente da República, lembrando que, por conta de modificações na lei, o mandatário terá que se desdobrar sem seu foro privilegiado.

“O Ministério Público terá um papel fundamental, porque no Brasil, apenas o Ministério Público tem o poder de denunciar. A grande diferença que haverá em relação a hoje é que, por ele estar na Presidência, todas as investigações são de responsabilidade da coordenação do Procurador-Geral da República, são os que eu chamo de ‘poderes imperiais’, do procurador-geral da República, que têm o direito e o dever de investigar e se for o caso denunciar o presidente da República. Eu não gostaria de falar na hipótese de o presidente da República ir para a cadeia porque ele passará a ser um cidadão comum, como qualquer outro, sem ter foro. O que dá pra dizer é que, como presidente da República, cometendo crimes no exercício da Presidência da República, o procurador da República é o único que pode apresentar qualquer tipo de denúncia, e isso não ocorre... Já que o doutor Aras entendeu que tudo isso não era motivo para abrir investigação e nem denunciar... Agora, na primeira instância, onde há uma diluição de papéis, é mais de um procurador, enfim... É diferente... E ele não tendo essa proteção que o próprio mandato lhe dá, assim como a Constituição, sem o foro, sem sombra de dúvidas ele terá que sofrer algumas investigações sobre coisas que ocorreram nesse período que ficaram represadas. Assim, eu também entendo que nós teremos enormes chances de ver pessoas muito próximas a ele, que estão conseguindo evitar processos, com esses processos em andamento normal, num curso normal, e que são relacionados a fatos que o Brasil inteiro conhece e assiste perplexo não serem esclarecidos”, explanou o jurista.

Kakay vê também como importante a ação de outros elementos de fora do Judiciário, sejam cidadãos comuns ou entidades, mas sobretudo dos advogados, que podem reforçar as denúncias para que o radical de extrema direita seja levado ao banco dos réus.

“Quem tem o direito de denunciar formalmente, numa peça formal, ou seja, na abertura de um processo-crime, é apenas o Ministério Público Federal, mas é claro que, qualquer cidadão, sobretudo advogados, podem apresentar notícia-crime, podem fazer cobrança de investigações. Eu mesmo, embora nunca tenha feito parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, fui nomeado numa comissão, presidida pelo ex-ministro Carlos Ayres Britto, que foi presidente do Supremo Tribunal Federal, para poder fazer uma análise técnica e chegamos à conclusão que havia responsabilidade criminal por pelo menos um terço dos 630 mil brasileiros que foram mortos na pandemia e então oferecemos uma representação ao senhor procurador-geral da República, Augusto Aras, para que ele investigasse a hipótese de se denunciar o presidente Jair Bolsonaro exatamente pela responsabilidade nessas mortes. É algo muito grave, não houve nenhuma providência e o processo segue na Procuradoria... E eu repito, em função do que eu chamo de ‘poder imperiais’ do procurador-geral da República... Agora, perdendo o mandato de presidente, isso irá para a Justiça comum. O poder de participação técnica dos advogados, da OAB, dos conselhos como um todo, fica maior, porque você pode diluir essa hipótese de apresentar documentos, entrar com novas representações, porque também provavelmente isso será encaminhado para mais de um procurador”, finalizou o renomado advogado.