ANOS DE CHUMBO

Hildegard Angel: “Para o bolsonarismo não basta matar, tem que apagar a história”

A filha de Zuzu Angel e irmã Stuart Angel, ambos mortos pela ditadura brasileira, também comentou sobre os áudios que revelaram que o Superior Tribunal Militar tinha conhecimento da tortura de mulheres grávidas

Hildegard Angel: “Para o bolsonarismo não basta matar, tem que apagar a história”.Créditos: Brasil de Fato
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A jornalista Hildegard Angel, filha da estilista Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel, ambos mortos pela Ditadura Militar (1964-1985) foi entrevistada no Fórum Onze e Meia de quarta-feira (20) e comentou sobre os áudios revelados pelo historiador Carlos Fico, da UFRJ, que comprovam que ministros do Superior Tribunal Militar (STM) tinham conhecimento da tortura de mulheres grávidas. Angel também falou sobre o deboche do atual presidente do STM sobre o fato em si. 

“A minha mãe foi assassinada numa cilada pela ditadura por um agente da ditadura por ordem expressa direta do gabinete do ditador Geisel [presidente biônico do regime militar entre 1974 e 79] na véspera da sexta-feira da Paixão. Desde então, nós não temos uma boa Páscoa. O meu irmão foi assassinado no mês de junho e, certamente, em junho nós não vamos comemorar o Dia dos Namorados”, relata Hildegard Angel sobre o significado do regime militar ter assassinado a sua mãe e o seu irmão. 

Em seguida, Angel afirma que os ministros do STM foram pegos de surpresa pela revelação dos áudios. “Os generais foram pegos de surpresa, eles imaginavam que poderiam fazer o jogo da mentira eternamente. Eles não estavam preparados para a comparação dos fatos a partir de dados óbvios do Superior Tribunal Militar”, diz Angel. 

Angel critica certa surpresa de alguns setores da sociedade em torno dos áudios. “Eu, pessoalmente, me surpreendo de ver muitos da imprensa dizerem hoje 'enfim!', 'está provado!'. Estava provado. Sempre esteve provado. A maior prova eram as mortes. Por isso eles não entregavam os corpos, para manter a dúvida. Eles se sustentavam sobre a dúvida. As cartilhas militares nunca mudaram o seu teor de que eles foram revolucionários, bravos e corajosos e que combateram o comunismo no Brasil.” 

“Não havia comunismo no Brasil, nem mesmo ameaça de comunismo, havia jovens idealistas, estudantes na maioria, que estavam assimilando o saber da história, tomando consciência das diferenças sociais e que vinham bebendo nas águas da democracia, se acostumaram a falar livremente, a serem libertos e de repente foram capados no seu idealismo no sentido de liberdade democrática e reagiram. Eles foram obrigados a parar de estudar, foram expulsos da universidade. E quando não foram expulsos, se eles comparecessem seriam presos. Tiveram que entrar na clandestinidade. Eles foram obrigados a se esconder, feito bicho, em buracos”, lamenta. 

A jornalista lembra de alguns momentos em que seu irmão viveu na clandestinidade e relata a solidariedade de colegas do clube do Flamengo, por onde Stuart Angel foi bicampeão carioca (1964 e 65). “Meu irmão dormiu por muitas noites em um barco na garagem do Flamengo, cujo time ele deu dois campeonatos de remo, sendo um deles de um campeonato muito importante que era do Quarto Centenário da cidade do Rio de Janeiro. Os companheiros de Stuart lhe deram abrigo quando ele era procurado e ele saiu da garagem para não envolver os seus companheiros, pois ele é que havia abraço a luta. Então, ele saiu de lá para não comprometê-los, senão seriam todos presos e mortos”, lembra Hildegard Angel. 

Com tristeza, Angel relata como a homenagem ao seu irmão feita pelo Flamengo foi destruída pela atual gestão do clube. “Para homenagear o meu irmão, o Flamengo fez um monumento em homenagem ao Stuart na beira da Lagoa de Freitas, com uma placa em homenagem ao Stuart. Esse monumento foi inaugurado com grande alegria, aliás, com a presença de alguns ministros, na época era o governo Lula. Houve lágrimas, discursos, grande repercussão. O que fez essa nova gestão bolsonarista do flamengo? Demoliu o monumento. Para eles não basta matar, querem apagar a história daqueles que deram a vida pela democracia brasileira.” 

Confira abaixo a íntegra da entrevista: