O Instituto Presidente João Goulart (IPG) está prestes a conseguir uma reparação histórica. Uma ação impetrada por seu presidente, João Vicente Goulart, tenta que a Justiça conceda, finalmente, habeas corpus (HC) a nove chineses que foram presos, condenados injustamente, torturados no antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e expulsos do Brasil em 1964.
“Nosso objetivo é repudiar a ditadura, os torturadores e os que ainda hoje defendem o golpe de 1964, que está completando 58 anos", afirma o presidente do IPG, filho do presidente deposto pelos militares, João Goulart, o Jango.
Os nove chineses eram funcionários do governo da República Popular da China. Integravam uma delegação diplomática, que chegou ao Brasil entre 1961 e 1964, devido a negociações iniciadas no governo do então presidente Jânio Quadros.
No grupo, nenhum terrorista, apenas um jornalista da agência estatal chinesa, além de agentes de negociação de uma exposição comercial que aconteceria no país e comerciantes que vieram ao Brasil comprar algodão.
Todos tinham visto do Itamaraty. Eram eles: Ma Yaozeng, Song Guibao, Wang Yaoting, Wang Weizhen, Ju Qingdong, Wang Zhi, Hou Fazeng, Zhang Baosheng, e Su Ziping.
Em 1964, logo após o golpe, o grupo foi preso no Rio de Janeiro por suposta atividade subversiva. Segundo as acusações, fruto de delírios conspiratórios, os chineses comandavam um núcleo de revolucionários comunistas de 200 pessoas, que portavam agulhas envenenadas, bombas teleguiadas e uma lista de vítimas para deflagrar a revolução.
No ato da prisão, foram ainda apreendidos US$ 49.277, 189.022 cruzeiros, 2.260 francos suíços, 138 libras, 3 rublos e 3 kopekas (as duas últimas moedas russas), que seriam destinados à compra de algodão e à realização de uma exposição China-Brasil, inclusive, autorizada pelo governo brasileiro.
Para justificar a detenção, a polícia alegou que as agulhas de acupuntura encontradas com o grupo eram armas letais a serem utilizados para assassinar autoridades.
Este fato se tornou o primeiro grande incidente diplomático da ditadura, que tentou usá-lo para justificar o golpe.
“Eles foram condenados, com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF) à época, a dez anos de prisão, em primeira instância, sem que o recurso impetrado por eles jamais fosse julgado, ficando engavetado até hoje”, destaca Goulart.
“Há de chegar o dia em que todos, sem ódio nem paixão, proclamarão a nossa justa inocência”, dizia o comunicado, escrito pelos chineses após a condenação.
A ditadura, à época, ficou constrangida em mantê-los presos por muito tempo, sem condenação definitiva. Além disso, por pressão internacional e do renomado advogado ligado aos direitos humanos, Sobral Pinto, que aderiu à causa dos chineses, a solução encontrada foi a expulsão do país.
“Mas, antes, foram torturados, sob a tutela da Justiça militar. Por tudo isso, pretendo conseguir a declaração da extinção da punibilidade e a devolução dos recursos apreendidos”, ressalta Goulart.
Advogado considera “absurdo” a não solução do problema até hoje
Segundo o advogado Victor Neiva, diretor jurídico do IPG, “é um absurdo que a Justiça militar não tenha se dignado nem mesmo a pronunciar a prescrição, legitimando que, até hoje, se reafirme a fake news da suposta ameaça comunista para justificar o tenebroso período de arbítrio vivido pelo país por 21 anos, permitindo que viúvas da ditadura ainda nos governem”.
Segundo João Vicente Goulart, a medida é de extrema importância. “Até hoje, a China encara o caso como uma questão de honra, tanto que os chineses, vítimas da nossa ditadura, são considerados heróis nacionais”, revela.
“O presidente Jango foi quem abriu os laços de amizade entre Brasil e China, em sua histórica viagem ao país asiático, em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros. É impressionante que, mesmo sendo hoje a China o nosso principal parceiro comercial, o país ainda não resolveu pendências e conflitos diplomáticos do passado”, completou Goulart.