Nesta quinta-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro (PL) se tornou alvo de uma representação, protocolada junto ao Ministério Público Eleitoral (MPE), por campanha antecipada. A denúncia foi feita por Samanda Alves, assessora pessoal da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT). Trata-se da 3ª denúncia do tipo feita contra Bolsonaro somente neste ano de 2022.
“Agora no final da tarde eu entrei com uma representação no Ministério Público Eleitoral em relação ao que aconteceu hoje aqui no Estado. É imprescindível que se investigue o uso do dinheiro público, de verbas da União para fazer campanha antecipada diante desse verdadeiro comício de reeleição que foi feito hoje com essa visita do presidente Bolsonaro", disse Samanda ao anunciar a representação.
Comício e pedido de votos
A denúncia foi motivada pelo fato de Bolsonaro ter transformou a visita oficial que fez à cidade Jardim de Piranhas (RN) em um verdadeiro comício. Ele foi ao estado para evento promovido pelo governo em alusão à obra de transposição do Rio São Francisco. O projeto, no entanto, já tinha sido executado em mais de 96% antes de sua gestão, segue inacabado e a única água que chega é a da chuva que atingiu o Rio Piranhas.
O evento de "inauguração" da obra não finalizada, então, se tornou em um ato de campanha antecipado, marcado falas de tom eleitoreiro feitas pelo próprio Bolsonaro, ministros e com direito a "jegueata" pelas ruas.
Como se não bastasse, durante uma cerimônia, o ex-senador Magno Malta, ao lado de Bolsonaro, pediu votos ao presidente. “Nós precisamos reconduzir esse homem ao poder, à reeleição! Depois dele, outro conservador e depois outro conservador Porque… Quem quer se tornar Venezuela e Argentina levante a mão. Quem quer ficar debaixo de um regime chinês levante a mão”, disparou o ex-parlamentar. A cena, bem como toda a cerimônia, foi transmitida ao vivo pela TV Brasil, uma emissora pública.
Por se utilizar de recursos e da máquina pública para se autopromover e dar voz à discursos eleitoreiros em seu favor, em claro gesto de campanha antecipada, Bolsonaro, segundo o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em direito eleitoral, cometeu abuso de poder político.
"Trata-se de uma conduta vedada aos agentes públicos e pode ser considerado o que nós chamamos no direito eleitoral de abuso de poder político, quando alguém se vale dos recursos estatais, eventos estatais, tudo aquilo que o pode público disponibiliza ao mandatário, para fins eleitorais. São fins que ultrapassam a mera propagação de atos do governo e passam a ser palanque político”, disse Almeida à Fórum, reforçando que a conduta pode ensejar cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos.
Esta, no entanto, não é a primeira vez que Bolsonaro é acusado de fazer campanha antecipada. Somente neste ano foram outras 3 denúncias do tipo - e sequer passaram-se 2 meses desde o início de 2022. Há ainda outras situações, de outros anos, que podem configurar campanha antecipada e abuso de poder político por parte de Bolsonaro.
Aparato público para criticar adversário político
Em janeiro, o PT protocolou uma denúncia junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acusando Bolsonaro de campanha antecipada por conta de uma declaração, feita em evento oficial do governo, em que falou de eleições e atacou o ex-presidente Lula (PT), seu principal adversário no próximo pleito.
Durante cerimônia no Palácio do Planalto, em 12 de janeiro, Bolsonaro afirmou que eleger Lula presidente significaria "reconduzir criminoso à cena do crime", adicionando ainda que o petista estaria "loteando ministérios" para caso vencesse as eleições.
Na ação, o PT argumentou que Bolsonaro fez campanha antecipada se utilizando do "aparato de rede de comunicação pública para propagar ideias eleitorais negativas em detrimento de seu possível adversário político", citando que a fala foi transmitida pela TV Brasil, emissora pública da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Outdoors
Também em janeiro, o PT entrou com denúncia contra Bolsonaro no Ministério Público Eleitoral (MPE), apontando campanha antecipada em favor de Bolsonaro e abuso de poder econômico por conta de outdoors instalados por ruralistas no Mato Grosso do Sul, com mensagens de tom eleitoreiro de apoio ao atual presidente.
"O teor e a presença dos outdoors em questão vão completamente de encontro aos ideais da liberdade de expressão e livre circulação de ideias celebrados na Lei n. 13.165/2015, tendo em vista que desequilibram a disputa eleitoral ao colocar em destaque um dos mais notórios pré-candidatos à disputa da Presidência da República em evidência, sem haver a mesma oportunidade aos outros candidatos (...) A responsabilidade de Jair Bolsonaro, desta maneira, advém do fato de que candidato a cargos políticos não pode abusar dos poderes econômicos e/ou políticos que detenha, nem mesmo permitir que terceiros o façam em seu nome", diz o PT em um trecho da ação.
O partido pede ao MPE que seja instaurado procedimento investigatório sobre a campanha antecipada, aplicação de multa aos responsáveis e ao beneficiário, no caso Bolsonaro, e apurada prática de abuso de poder econômico em favor do presidente.
Live contra as urnas transmitida na TV Brasil
Em julho de 2021, ao fazer a fatídica live para apresentar "provas" de fraudes nas urnas eletrônicas, em sua investida contra o sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro também fez campanha antecipada.
A transmissão ao vivo foi veiculada pela TV Brasil, emissora pública que, por lei, deve ter caráter informativo e educativo.
O espaço, no entanto, foi utilizado de forma a amplificar para mais pessoas as distorções e fake news do presidente sobre as eleições no Brasil.
Para Renato Ribeiro de Almeida, advogado especialista em direito eleitoral, o uso do aparato público para a transmissão da live do presidente configura campanha eleitoral antecipada e abuso de poder.
“Uma TV pública não pode se prestar a isso. De forma alguma. Ela tem o pressuposto de informar a população, de mostrar diversas opiniões, e não de dar palanque a uma live do presidente que não apresenta nada de concreto, faz simplesmente um discurso retórico, requenta coisas anteriormente ditas. Isso é, sim, campanha antecipada, abuso de poder político e merece devida reprimenda, acionando o Ministério Público Eleitoral para que a Justiça Eleitoral tome as medidas cabíveis”, atesta.
Camiseta de campanha em evento do governo
Em junho de 2021, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou junto ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e à Procuradoria da República do Distrito Federal uma representação contra Jair Bolsonaro em que aponta as práticas de improbidade administrativa e transgressão eleitoral por parte do presidente, por conta de atos oficiais do governo em que teria realizado campanha eleitoral antecipada.
Apesar de, oficialmente, a campanha eleitoral só ter início em agosto de 2022, Bolsonaro, durante evento de entrega de títulos de propriedade rural em Marabá (PA), na última sexta-feira (18), “queimou a largada” ao usar do aparato de governo para o evento e exibir aos presentes uma camiseta com a frase “é melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022”.
“Ao receber e mostrar uma camiseta com referência à sua provável candidatura em 2022, empunhar banner ou qualquer outra contextualização que evidencie sua pretensão eleitoral, restou caracterizada campanha eleitoral antecipada. Sendo assim, o presidente JAIR BOLSONARO feriu o princípio da impessoalidade nos cargos públicos e que veda a utilização de eventos oficiais para benefício próprio, constituindo, também, ato de improbidade administrativa”, escreveu Ivan Valente na ação.
O deputado, na representação, ainda chama a atenção para o fato de que o evento com cunho eleitoral foi transmitido pela TV Brasil, canal de comunicação público do governo, e por isso citou o artigo 36-B da Lei nº 9.504/97: “Será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições. Parágrafo único. Nos casos permitidos de convocação das redes de radiodifusão, é vedada a utilização de símbolos ou imagens, exceto aqueles previstos no § 1o do art. 13 da Constituição Federal”.
Reação nas redes
Diante do último ato de Bolsonaro no Rio Grande do Norte, com claro tom eleitoreiro, usuários das redes sociais vêm cobrando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a enquadrar o presidente por campanha antecipada.
Nesta quinta-feira (10), a frase "ACORDA TSE" foi para a lista de assuntos mais comentados do Twitter.
Confira.