Um servidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi brutalmente espancado por um grupo de radicais bolsonaristas que faziam um bloqueio na rodovia SP-360, na altura do município de Amparo, no interior de São Paulo. O ato covarde e injustificável ocorreu na manhã de terça-feira (1°), quando Tiago Marcolino Pereira ia para o trabalho num veículo oficial do órgão federal, acompanhado de uma outra servidora. Ele teve uma fratura no nariz, várias lesões pelo corpo e ficou completamente lavado em sangue.
Marcolino relata que nas proximidades de Amparo notou que o trânsito passou a ficar lento e então parou, em decorrência das interdições criminosas promovidas por extremistas seguidores de Jair Bolsonaro (PL), que passaram a realizar atos de arruaça em todo país por não aceitarem a derrota de seu líder para o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Como estava a serviço de um órgão da União e realiza um trabalho essencial, o Censo do IBGE, Marcolino conta que foi até os líderes do ato ilegal e argumentou sobre a necessidade de passar. Num primeiro momento, disse a vítima, alguns dos organizadores do bloqueio até iniciaram uma conversa pacífica, mas outros extremistas chegaram logo na sequência e passaram a agredi-lo com a “justificativa” de que “o IGBE trabalha para Lula”.
A partir daí, começou então o espancamento e Marcolino recebeu um forte golpe no nariz, assim como por todo o rosto, o que provocou muito sangramento. Desesperado e com medo de morrer, o servidor entrou no carro e arrancou contra os bolsonaristas, mas foi alcançado por eles, em automóveis e motos, poucos quilômetros à frente. Teve início então uma nova sessão de agressões violentíssimas, que só cessaram com a chegada da Guarda Municipal.
“Pensei que iria morrer, em nenhum momento os desrespeitei e mesmo assim por estar caracterizado como trabalhador do IBGE fui julgado como sendo do partido contrário ao deles. Atentaram contra a minha vida. Me julgaram na delegacia como um criminoso após intervenção de políticos da cidade. E o que tenho a dizer é que se eu não estivesse caracterizado como trabalhador do IBGE, isso não teria acontecido, atentaram contra a minha vida por representar uma instituição governamental,” disse Marcolino à Fórum.
Parte dos bolsonaristas, Marcolino e a colega de trabalho foram encaminhados ao 1° Distrito Policial de Amparo para o registro da ocorrência, mas ainda faltava um novo ato absurdo, além das agressões. Após a presença de políticos bolsonaristas do município no DP, que a Fórum ainda tenta identificar, o delegado que atendeu o caso ouviu os radicais golpistas de extrema direita, que alegaram terem corrido risco de vida quando o funcionário do IBGE acelerou para salvar a própria vida diante da selvageria deles, e decretou a prisão em flagrante de Marcolino por tentativa do homicídio.
Recolhido ao cárcere, o servidor federal foi levado a uma audiência de custódia no dia seguinte e colocado em liberdade pelo Justiça, para que responda ao “crime” apontado pelo delegado que registrou ocorrência.
O advogado Sérgio Augusto de Souza, que defende Tiago Marcolino Pereira, disse que a decisão do delegado é notadamente equivocada e que a vítima tentava salvar sua vida a qualquer custo.
“Tiago agiu em estado de necessidade para defender sua própria vida e também de sua colega servidora do IBGE. Nenhum ser humano agiria de forma diversa naquela situação real ameaçado por uma multidão ensandecida sob argumento de que o IBGE trabalha para o candidato vitorioso no pleito eleitoral. Isso é um absurdo, uma sandice coletiva. Além disso, a tal manifestação era um ato ilegal, absolutamente contrário à lei e também à ordem legal da corte maior do país e dos tribunais estaduais. Um movimento clandestino, terrorista, que coloca em perigo a ordem pública e poderia ter ceifado a vida de um jovem. Tiago é vítima e não autor de crime. Isso será provado diante da injusta acusação”, argumentou Souza.
A reportagem da Fórum entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para questionar a conduta do delegado que determinou a prisão em flagrante do servidor do IBGE após ter sido brutalmente espancado por extremistas bolsonaristas que realizavam um ato ilegal na rodovia paulista.
Em resposta, a pasta informou que "as partes foram encaminhadas à Delegacia de Amparo, onde após as medidas de polícia judiciária, o condutor do veículo foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio" e enviou o Boletim de Ocorrência do caso que embasou a prisão em flagrante.
Confira a íntegra do comunicado
"Um homem, de 23 anos, foi preso em flagrante por tentativa de homicídio na direção de veículo automotor, por volta das 10h30 desta terça-feira (1), na Rodovia SP 360, na altura da cidade de Amparo.
Um guarda municipal atendeu a ocorrência e contou na delegacia que estava com a viatura estacionada na via, quando viu o momento em que um veículo Fiat, com a inscrição do IBGE, veio em alta velocidade no sentido centro da cidade e atropelou vários manifestantes que estavam protestando no local.
Depois de quase colidir com outros carros, o homem seguiu sentido Bairro Tamburi e, ao parar em frente a um condomínio, os manifestantes foram para cima dele na tentativa de agredi-lo, momento em que um guarda civil interveio dando um tiro para o alto.
As partes foram encaminhadas à Delegacia de Amparo, onde após as medidas de polícia judiciária, o condutor do veículo foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio"