“Já temos a prova”, prometeu o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto, no último sábado, dia 19. A tal prova mostraria que a eleição teria sido fraudada e que Bolsonaro teria ganhado o pleito de 2022. E assim teve início a última tentativa golpista dos apoiadores do presidente derrotado, que não aceita a vitória de Lula.
“Pelo estudo que foi feito, há várias urnas que não podem ser consideradas, no Brasil inteiro. São as urnas de 2020 para baixo, as urnas antigas, todas elas têm o mesmo número”, afirmou para jornalistas o presidente da legenda de Bolsonaro, que não imaginava a trucada que iria receber de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na terça-feira (22), a coligação do presidente Jair Bolsonaro apresentou ao TSE uma representação para “verificação extraordinária”, onde dizia que os votos de 279.336 urnas eletrônicas de modelos anteriores ao do ano de 2020 deveriam ser anulados, sob a alegação de que elas teriam apresentado "mau funcionamento". O PL ainda afirmava que, com a anulação desses votos, Bolsonaro teria vencido o segundo turno da eleição com 51%.
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No mesmo dia, Moraes teve uma reação instantânea colocando os apoiadores do golpe fake contra a parede, sob o argumento de que urnas foram as mesmas nos dois turnos. Por que a representação só questionava as urnas do segundo turno? Vale lembrar que o PL elegeu dois governadores, a maior bancada da Câmara, com 98 deputados federais, e oito senadores.
Após 20 minutos da entrega do relatório, Moraes deu 24 horas para que a coligação incluísse os dois turnos das eleições no pedido. “As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022. Assim, sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Publique-se com urgência”, trucou Moraes.
Provando que o relatório era mais uma tentativa de ataque às eleições, não houve qualquer inclusão das urnas do primeiro turno e no dia seguinte à representação veio a bomba de Moraes. O presidente do TSE não só indeferiu a ação como também aplicou multa de R$ 22,9 milhões à coligação Pelo Bem do Brasil de Bolsonaro por litigância de má-fé. O ministro ainda determinou a suspensão do Fundo Partidário das legendas que compõem a coligação - PL, PP e Republicanos.
Segundo Moraes, não havia na representação "quaisquer indícios e circunstâncias que justifiquem a instauração de uma verificação extraordinária". O ministro disse ainda, em seu despacho, que os argumentos apontando "mau funcionamento" das urnas são "absolutamente falsos", e utilizou adjetivos como "pueril" e "fraudulento" para se referir aos pedidos da coligação de Bolsonaro.
"A Justiça Eleitoral, conforme tenho reiteradamente afirmado, continuará atuando com competência e transparência, honrando sua histórica vocação de concretizar a Democracia e a autêntica coragem para lutar contra todas as forças que não acreditam no Estado Democrático de Direito. A Democracia não é um caminho fácil, exato ou previsível, mas é o único caminho e o Poder Judiciário não tolerará manifestações criminosas e antidemocráticas atentatórias aos pleito eleitoral. A Democracia é uma construção coletiva daqueles que acreditam na liberdade, daqueles que acreditam na paz, que acreditam no desenvolvimento, na dignidade da pessoa humana, no pleno emprego, no fim da fome, na redução das desigualdades, na prevalência da educação e na garantia da saúde de todos os brasileiros e brasileiras", escreveu Moraes em seu despacho.
O valor da multa foi calculado por Moraes com base no CPC (Código de Processo Civil), que estipula de 1% a 10% do valor da causa, calculada em R$ 1,15 bilhão. O ministro estabeleceu, no caso, uma multa de 2%, ou seja, R$ 22,9 milhões. Muito se comentou por que esse teria sido o valor estipulado. Afinal, 22 foi o número de Bolsonaro na urna e ainda a soma de 2+2+9 dá 13, o de Lula. Não se sabe ao certo se a escolha de 2% da causa foi proposital, mas a decisão de Moraes deu um fim à tentativa golpista do candidato derrotado.
Para o jurista Lenio Streck, preocupa as legendas terem se utilizado de recursos de Fundo Partidário para contratar uma perícia que vai contra o próprio sistema eleitoral. “É o frango da Sadia financiar a faca que vai lhe cortar o pescoço”, comparou.
“A decisão coloca o sistema jurídico no lugar que ele tem que ocupar, de filtrar o político, a má-fé e evitar aventureiros. Corretíssima a decisão. A má-fé tem que ser punida”, afirmou em entrevista ao Fórum Onze e Meia. “O Direito não é um jogo. Está na hora de acabar com essa farra antidemocrática. Basta. A decisão de Alexandre de Moraes é civilizatória. Coloca uma linha demarcatória entre civilização e barbárie”.
Para Lenio Streck, a decisão de Moraes inaugura uma nova jurisprudência. “Em 2014, Aécio queria uma auditoria, já o PL usou dinheiro nosso para pedir uma nova eleição que custaria bilhões. Inaugurou um novo patamar da jurisprudência do TSE, que avisa os próximos aventureiros: se quiserem entrar com ação de má-fé vão levar pesada multa. Esse é o precedente.”
Ataque à democracia
O advogado e especialista em Direito Eleitoral Ricardo Penteado explicou por que a auditoria contratada pelo PL foi uma farsa. “Uma forma de se atacar a democracia é tirar a credibilidade dela e dizer o voto não vale. Essa representação diz que tem uma urna ali que é suspeita, no entanto, a gente sabe que toda urna eletrônica no final do dia de votação emite um boletim de urna, que é uma apuração local da votação de uma seção. Nenhum desses boletins foi sequer impugnado. Esses votos estão registrados. Os cidadãos que lá votaram tiveram sua vontade soberana registrada. E alguém vem dizer que a contabilização geral poderia ter um problema tendo em vista que uma urna ou várias não teriam identificação. Se isso fosse verdade, o que não é, era só pegar todos os boletins das urnas e contabilizar de novo esses votos.”
Segundo o advogado, chama a atenção a representação não ter pedido impugnação, mas sim a anulação de 279 mil urnas eleitorais. “O pior de tudo é fazer esse pedido especificamente a uma votação. Sendo que elas foram usadas para diversas votações.”
Por fim, Penteado explica que não é verdade que as urnas de antes de 2020 não são identificadas. “As urnas eletrônicas de 2020 para frente têm um recurso a mais de identificação que as mais antigas não têm, mas é importante dizer que elas têm identificações. As urnas que foram usadas têm vários campos, como município, a zona eleitoral, a seção, código de carga da urna, identificação da mídia da carga, e as mais recentes têm ainda mais um recurso de identificação. E por isso essa mentira. Vamos supor que não tivesse identificação? Toda urna tem o boletim de urna. Do ponto de vista técnico é a representação mais falaciosa que já houve.”
Na avaliação do advogado, essa representação só teve a repercussão que ganhou porque há ainda apoiadores do presidente derrotado nas ruas. “Quando o PSDB tomou aquela iniciativa desastrosa [em 2014 na vitória de Dilma Rousseff contra Aécio Neves], que vários tucanos têm feito mea culpa, não tinha essa mobilização”, compara. Resta saber se agora os golpistas vão aceitar a derrota e voltar pra casa.
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**Atualização: O PP e o Republicanos foram excluídos nesta sexta-feira (25) pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da ação que cobra multa de quase R$ 23 milhões de reais por questionamentos à lisura do processo eleitoral brasileiro. Com a decisão, resta ao PL de Jair Bolsonaro arcar com toda a multa enquanto tem o fundo partidário bloqueado.