Após 12 dias do assassinato ocorrido em Paraisópolis, na zona Sul de São Paulo, durante agenda de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Jair Bolsonaro (PL) ao governo de São Paulo, a principal pergunta segue sem resposta: Quem assassinou a tiros Felipe Silva de Lima, de 27 anos?
A apenas dois dias para as eleições, nem o governo de São Paulo, comandado por Rodrigo Garcia (PSDB), nem os órgãos de investigação federais e, tampouco, Tarcísio souberam responder quem puxou o gatilho e disparou contra o rapaz, que estava desarmado.
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Marcos Andrade, ex-cinegrafista da Jovem Pan, relatou que depois de pedir demissão da emissora, está em lugar seguro com a família, apesar de afirmar que ainda não sofreu ameaças. Sua esposa está no nono mês de gravidez e o que ele mais quer no momento é paz para seguir sua vida normalmente.
Ele contou à Fórum tudo o que sabe sobre o que ocorreu em 17 de outubro. “Cheguei na empresa e tinha uma demanda que era acompanhar a agenda do Tarcísio naquele dia. Chegando lá, o Tarcísio ainda não estava e eu tinha uma entrada ao vivo para fazer”, disse Marcos, que pediu para não revelar o nome da repórter que o acompanhava para não envolvê-la.
“Fizemos nossa entrada ao vivo e nisso o Tarcísio chegou. Fomos conhecer o espaço. Coisa normal, corriqueira, tranquilo. Aí ele subiu para o primeiro andar e fomos atrás dele. Nisso, a assessoria pediu para nós armarmos os equipamentos para a coletiva, enquanto ele estava nesse reservado, uma espécie de mezanino”, relatou.
Marcos contou que enquanto conversava com colegas, começou a escutar “disparos de arma de fogo”. “Todo mundo ficou na dúvida se era tiro. Fui até a janela sem o equipamento na mão e vi duas motos passando por uma esquina. Tinha uma molecada de rua abaixando, pegando alguma coisa no chão. Eu subentendi que aquilo seriam cápsulas. Eram rajadas de metralhadora, de armas longas”.
“Eu saí da janela e fui até onde o Tarcísio estava. Nesse momento, o assessor estava saindo e eu falo para ele: ‘Chama a Rota’, porque eu estava muito tenso, muito nervoso, com muito medo. Ele disse: ‘Não, está tranquilo, sob controle’. Eu respondi que estava OK. Voltei para a janela para ver o movimento da rua. O comércio todo tinha baixado as portas, o que me causou mais preocupação. Voltei para onde estavam os colegas. Havia uma tensão no ar.”
Marcos destacou que o pior ainda estava por vir. “Cerca de dez minutos depois, começou uma intensa troca de tiros do lado oposto da rua. Eu peguei a câmera, corri para a janela e vi pessoas à paisana atirando para o lado esquerdo. Depois eu vi que era a segurança do Tarcísio. Observei ele saindo do prédio e se dirigindo a um estacionamento na lateral. Vi também policiais militares subindo a rua a pé e fiz imagens do policial atirando.”
O cinegrafista desceu. “Olhei para o lado esquerdo e vi um corpo no chão, um rapaz caído (Felipe Silva de Lima) e uma moto. Fui em direção àquela situação e no meio do caminho um policial militar fardado me pediu para recuar, porque não teria condições de me dar segurança. Ignorei, continuei subindo até chegar em uma obra. Eu me abriguei ali e comecei a gravar, até chegar uma pessoa para me impedir de gravar, hoje identificado como Paiva, agente da Abin. Até então, eu não sabia quem era.”
Marcos disse que relutou, explicou que estava com uma câmera e não celular. “Sou jornalista, eu sou da Jovem Pan. Ele desencanou e eu continuei gravando. Gravei o que tinha que ser feito ali. Gravei o corpo, gravei a moto, um carregador de munição que estava no chão. Desci a rua e voltei. Olhei para o outro lado da rua e vi o agente federal Campetti [Danilo Cesar Campetti], que sacou uma arma e colocou o distintivo para fora, que era da Abin. Era o assessor do Tarcísio, com quem eu falei no pedido de reforço”.
Na sequência, ele olhou para trás e não viu sua colega. “Eu voltei em direção ao prédio onde estávamos para procurá-la. Estava uma movimentação muito grande de gente desocupando o prédio. Esse Campetti, com arma na mão e distintivo no pescoço, orientou as pessoas para saírem de lá. A minha colega saiu com a assessora do Tarcísio e me chamou para entrar numa van. Até então, não sabia o que estava acontecendo. Quando cheguei na porta da van, ouvi que não poderia gravar ali.”
Marcos disse que quando entrou no veículo, viu o candidato Tarcísio. “Entrei, eles fecharam a porta e a gente saiu do local. Eu estava muito nervoso e emocionado com a situação. Por isso, gravei um vídeo agradecendo ao Tarcísio pela atitude dele e fomos embora. Nisso, a minha chefia cobrando uma entrada ao vivo. A assessora repetiu que não era permitido gravar ali, porque não era seguro para o candidato. Passei a informação para a chefia, que disse estar tudo certo. Mas pediu para mandar o material que eu tinha gerado.”
O cinegrafista relatou que cerca de 20 minutos depois a van chegou a um escritório, em um prédio na Vila Mariana. “Eu tenho o hábito de gravar qualquer coisa. Desci do carro e queria gravar o cara desembarcando, mas novamente me disseram para não gravar, porque era um lugar secreto, inseguro, que ninguém sabe que existe.”
Ele contou que, nesse momento, pediram para eles entrarem no prédio, ofereceram água, café, até que alguém chegou e disse: “Vamos ali que o Pavani quer falar com você. Fui pegar o equipamento e falaram que não precisa, porque era só um bate-papo mesmo. Tinha um lance de escada e não sei por qual razão eu coloquei o celular para gravar. Eu estava com medo de tudo o que estava acontecendo. Nós somos jornalistas e nossa arma é essa.”
Marcos começou a gravar. “Ele disse: ‘Sou o tenente Pavani’. Foi quando o cinegrafista foi pressionado para apagar imagens do trabalho que tinha realizado.
Leia a transcrição completa:
Pavani - você saiu do local e foi até lá?
Marcos - fui.
Pavani - Você tava ali embaixo filmando?
Marcos - ahãm.
Pavani - Você gravou o pessoal trocando tiro?
Marcos - não. Trocando tiro efetivamente, não. Eu tenho tiro da PM pra cima dos caras. A hora que vc chega que vc me barra…
Pavani - (pergunta incompreensível)
Marcos - é.
Pavani - vc só filmou lá no canto?
Marcos - Só. Na hora que você chega ali, eu já tô voltando.
Pavani - o pessoal que tava ali na ong ali vc não filmou?
Marcos - não. Eu tava embaixo.
Pavani - não filmou?
Marcos - não. Dos seguranças de colete…(trecho incompreensível)
Pavani - Tem que apagar. Essa imagem que você filmou aqui também. Do nosso pessoal pessoal tem que apagar as imagens.
Marcos - Já foi. (Trecho incompreensível). Tá lá faz tempo já. Foi a primeira a tv a dar.
Pavani - tem um cara de colete?
Marcos - era um senhor e um outro rapaz lá, o assessor lá, só na hora sentar na moto lá que aparecem.
Pessoa não identificada - quem aparece mais é o…(trecho incompreensível).
Marcos fez questão de esclarecer que eles não estavam impedidos de sair. “Deixamos o local, fomos para a padaria almoçar. Em seguida, voltamos para a empresa.
Segundo o jornalista, depois disso, a situação estava aparentemente normalizada. “No final de semana passado, estava com um amigo e mostrei o áudio para ele, que achou um absurdo. Ele falou: ‘Isso aqui não existe, Marcão. Deixa esse áudio comigo’. Eu deixei, mas ele vazou o áudio e deu todo esse rebuliço."
Ele garantiu que não sabe se a Jovem Pan veiculou as imagens completas do que foi gravado. “Estava na rua o tempo todo e na rua não tem retorno. Eu não sei o que eles colocaram no ar. Até hoje, não sei. De verdade.”
Marcos explica seu pedido de demissão
O cinegrafista explicou o que o motivou a pedir demissão: “O áudio vazou na segunda (24). Na terça (25), cheguei na empresa, fui fazer minhas demandas. Por volta de 14 horas, fui para uma reunião. Estava rolando um estrese com a direção e falaram que o Tarcísio queria minha cabeça”, porque o áudio foi vazado.
“Disseram que eu joguei o nome da empresa na lama e que agora os caras queriam minha cabeça. Os caras da campanha. Não sei se é Tarcísio ou campanha. Alguém queria minha cabeça, minha demissão. Eu falei que ia ligar para a assessora do Tarcísio, acho que é Laís o nome da menina. Eles acordaram, a empresa e a assessoria, que eu gravaria um áudio para ser usado por eles, não sei onde, não sei se em campanha, redes sociais. Eu me recusei. Eles foram categóricos: ‘Você precisa gravar’. Aquela pressão”.
Foi o momento em que ele precisou sair para realizar um trabalho e falou para o chefe: “Me dá uns dias para eu ir embora, para o interior, até baixar a poeira, e depois eu volto. Quando retornei, a mesma pressão. Maior ainda. ‘Grava isso logo. Todo mundo vai esquecer e acabou. Grava, grava. Ajuda a gente a te ajudar’. Irredutível, bati o pé e disse que não ia gravar o vídeo. Não vou fazer. Falaram para eu ir para casa e amanhã eu gravaria”.
Em seguida, segundo Marcos, um colega da Folha de S.Paulo telefonou para ele. “Marcamos de conversar, decidi falar tudo que estava acontecendo e pedi rescisão de contrato. Ele revelou que está sendo orientado por um advogado”, acrescentou.
Bolsonaristas espalham que ele ganhou um carro para vazar o áudio
Um colega de Marcos que trabalha no Globo informou a ele que está sendo disseminada, em grupos bolsonaristas, a fake news que ele teria ganhado um automóvel para vazar o áudio.
“Eu fiz uma postagem no dia que eu fui retirar o carro, no dia 18 de outubro. Tirei e postei uma foto. Comecei a negociar esse carro, a comprar, efetivamente, no dia 1 de outubro. Acontece que você não entra em uma concessionária, compra e leva o carro na hora. Demorou 17 dias para finalizar tudo e os caras me entregarem. Existe um carnê para eu pagar este carro. Eu dei um carro 2015 como parte do pagamento e financiei o resto. Existe uma dívida para pagar, este carro não é meu. Esses caras não têm limite, inventam fake news em tudo quanto é coisa”, explicou.
“Quero tranquilidade e paz para seguir com minha vida”
Marcos disse que depois do “furacão” que passou pela sua vida, ele quer paz. Questionado sobre o futuro, respondeu: “Minha esposa é assistente de direção numa escola conveniada da prefeitura de São Paulo. Então, eu tenho contas para pagar e para receber. Espero muito que a empresa pague o que me deve. Vou aguardar alguns dias, porque minha filha está nascendo. Mas eu preciso trabalhar, preciso seguir minha vida. Quero tranquilidade e paz para fazer isso”, disse.