O cerco parece estar se fechando para Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, e senadora eleita nas últimas eleições. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou nesta quinta-feira (13) uma queixa-crime para a Justiça Federal do Pará contra ela pelas declarações dadas em culto evangélico no último domingo (9) em Goiânia de que crianças teriam os dentes arrancados na Ilha de Marajó para a prática de sexo oral.
Lewandowski diz em sua decisão que como Damares já deixou o ministério, não seria sua a competência para julgar as declarações, por isso o envio da queixa-crime à justiça estadual. Além disso, o magistrado diz que, por conta dos fatos relatados terem supostamente ocorrido enquanto a bolsonarista estava à frente do ministério, poderia ter ocorrido o crime de prevaricação. Ainda, a tese de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria ciente dos crimes não é descartada pelo Supremo. Dessa maneira, o ministro acredita que as falas de Damares devam ser investigadas na esfera criminal.
Para piorar, o Ministério Público Federal do Pará afirmou em nota divulgada também nesta quinta-feira que a denúncia de Damares não consta nos inquéritos e investigações sobre tráfico humano e abusos sexuais de crianças feitas nos últimos 30 anos na região. O que pode resultar em acusação de divulgação de fake news e propaganda eleitoral irregular, uma vez que a fala vinha acompanhada de um pedido de voto no atual presidente.
O MPF-PA explicou que entre 2006 e 2015 houve quatro inquéritos a partir de denúncias de tráfico internacional de crianças que teriam ocorrido na região a partir de 1992. De acordo com o órgão nenhum dos inquéritos apresenta relatos semelhantes à fala de Damares. Os relatos de tráfico infantil ainda foram encaminhados pelo MPF ao Ministério Público do Pará (MP-PA) que pediu esclarecimentos ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos sobre a fala e a apresentação das denúncias para que a polícia possa investigá-las.
A informação sobre a inexistência de registros de torturas semelhantes às relatadas por Damares foram confirmadas pela Polícia Civil do Pará ao Uol. Ainda nesta quinta, Damares se pronunciou e disse que não tem acesso às denúncias que chegam ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Também afirmou que as cenas narradas no culto evangélicos são “conversas que se ouve na rua”.
Relembre o caso
A ex-ministra da Família do governo Bolsonaro (PL), Damares Alves (Republicanos-DF), que é uma das principais difusoras de fakes news e teses fundamentalistas da extrema direita brasileira, mostrou neste final de semana que o vale tudo bolsonarista para ganhar a eleição presidencial desconhece limites morais. Durante evento no domingo (9), na Assembleia de Deus Ministério Fama, em Goiânia, Damares afirmou que "o inferno se levantou contra o presidente" e que na Ilha de Marajó (PA) há um esquema de tráfico de crianças para uso sexual.
Como supostas provas, a assessoria da ex-ministra apresentou relatórios da CPI da Pedofilia, de 2010. Também foi encaminhado relatório de uma CPI da Assembleia Legislativa do Pará, também de 2010, para apurar práticas de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes no estado, inclusive na Ilha de Marajó. Porém, não há citação do que foi dito por ela. Um terceiro documento também não prova a denúncia: relatório da CPI dos maus-tratos, concluída em 2018 pelo Senado. Não consta nenhuma referência aos episódios.
Repercussão
Criada na terça-feira (11), uma petição online para que Damares Alves (Republicanos-DF) seja cassada antes mesmo de tomar posse como senadora ultrapassou as 230 mil assinaturas na manhã do dia seguinte (12). Hospedado na plataforma Change, o abaixo-assinado, que vem sendo compartilhado nas redes sociais e apoiado por famosos como a atriz Patrícia Pillar e o apresentador Marcelo Tas, é motivado pelo fato de Damares ter feito relatos, durante um culto evangélico, sobre supostos crimes sexuais contra crianças que seriam de conhecimento do governo Bolsonaro.
Além disso, os deputados federais Alencar Santana Braga (PT-SP), Erika Kokay (PT-DF) e Reginaldo Lopes (PT-MG) protocolaram junto à procuradoria-geral da República (PGR), também na terça, uma representação criminal contra a ex-ministra.
"Ao não levar ao conhecimento do Ministério Público e/ou autoridades judiciais os indícios (e mesmo as provas, considerando alegada existência de vídeos sobre os fatos narrados) de crimes ou provas de que dispunham, caracterizam, em tese, o crime de prevaricação e ofensa aos direitos das crianças e adolescentes, de modo que cabe a esse órgão Ministerial a adoção das providências legais pertinentes", diz um trecho da ação dos deputados petistas. No mesmo dia, o MPF deu 72 horas para Damares se explicar.