Pode entrar em votação no Senado, a qualquer momento, a Medida Provisória 1.045/2021. Batizada como “minirreforma trabalhista”, ela retira uma série de direitos dos trabalhadores. Aprovada pela Câmara dos Deputados na última semana, a MP de renovação do “Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda (BEm)” chegará à análise dos senadores com quase 100 dispositivos [o texto original continha 25] e uma série de temas estranhos ao objeto da matéria: os chamados “jabutis”.
Um deles está previsto na Emenda 40 à medida provisória. O “jabuti” fere brutalmente direitos legalmente reconhecidos há décadas para profissionais que conquistaram jornadas diferenciadas em virtude de especificidades do trabalho que desempenham. É o caso dos bancários, cuja jornada de 6 horas diárias contínuas é garantida pelo artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Se a MP aprovada na Câmara for confirmada no Senado, estes trabalhadores terão a jornada diária estendida para 8 horas e ainda serão penalizados com a redução, para 20%, do percentual de pagamento de horas extras excedentes: o índice cairá para menos da metade do que está assegurado na Constituição Federal (artigo 7º), que determina o pagamento de 50%. O mesmo acontecerá com jornalistas, profissionais de telemarketing e outras categorias.
No entendimento da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), a MP 1.045 vai muito além de uma medida provisória. “Trata-se, na verdade, de mais uma ‘reforma’ da CLT e do fim de direitos garantidos pela Constituição, sem qualquer diálogo com a sociedade e os setores trabalhistas envolvidos e, ainda, aprovada de forma atropelada pela Câmara”, afirma o presidente da Fenae, Sergio Takemoto.
Conforme defende o dirigente sindical, a MP, por alterar dispositivos da Constituição, deveria, no mínimo, se tratar de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição], que exige quórum e tempo ampliados de análise pelo Congresso Nacional. “Sem dúvida, é uma medida provisória bastante prejudicial aos trabalhadores”, ressalta Takemoto, ao observar que o texto aprovado pelos deputados ressuscita dispositivos, por exemplo, da Carteira Verde e Amarela (MP 905/2019), retirando benefícios, fragilizando ainda mais os vínculos trabalhistas, precarizando contratações e reduzindo, inclusive, o FGTS de trabalhadores.
O foco da MP 1.045 era estabelecer uma nova rodada do programa que permite as empresas privadas reduzirem jornadas e salários ou suspenderem contratos em virtude da crise econômica ocasionada pela pandemia, com o governo financiando parte da renda dos trabalhadores por meio do BEm. A medida provisória aprovada na Câmara, contudo, incorporou 69 novos artigos ao texto, incluindo a criação de três programas direcionados a jovens e pessoas com mais de 50 anos: Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) e Programa Nacional de Prestação de Serviço Voluntário.
Entre as graves mudanças relacionadas ao FGTS, ou ele deixa de ser recolhido, no caso do Requip, ou tem a alíquota de 8% reduzida a 6%, 4% ou 2% em relação ao Priore. “Além de subtrair o que é direito do trabalhador, tais modificações diminuem ainda mais os depósitos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, ampliando os riscos de insustentabilidade do FGTS, como a Fenae vem alertando desde o ano passado”, pontua Sergio Takemoto.
O presidente da Fenae também chama a atenção para as graves modificações que a MP traz em relação às normas para a gratuidade da justiça: “Afetando, consequentemente, o direito de acesso ao Judiciário, fundamental em um contexto de pandemia e demissões”.
A Medida Provisória 1.045 ainda limita e condiciona o pagamento de prêmios: mesmo que o trabalhador se supere além do esperado, o esforço só será reconhecido “desde que o desempenho ordinário tenha sido previamente definido”.
"Irei lutar para que essas pautas ultrapassadas e retrógradas não avancem no Senado. Todo trabalhador merece um salário digno com carteira assinada, respeito à jornada de trabalho, férias e outros benefícios", disse ao Estadão/Broadcast o líder da minoria na Casa, senador Jean Paul Prates (PT-RN). Segundo a reportagem — “Senado resiste a validar ‘pacotão trabalhista’ aprovado pela Câmara” — a oposição se articula para excluir os "jabutis" do texto. O jornal também informa que foi solicitada, a consultores do Senado, uma análise da MP aprovada pelos deputados.
“Não há dúvidas que esta medida provisória é mais um grande retrocesso deste penoso desgoverno Bolsonaro”, afirma o presidente da Fenae. Para não perder a validade, a MP 1.045 precisa ser aprovada até o próximo dia 7. Se não houver modificações no Senado, segue à sanção presidencial.