Nesta quinta-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro fez uma live em que prometeu apresentar provas da suposta fraude nas urnas que tanto vem divulgando. Em quase 2 horas de transmissão, no entanto, o chefe do Executivo não mostrou uma prova sequer e se limitou a usar animações, vídeos de WhasApp e notícias antigas, já desmentidas, como "evidências" de supostas irregularidades no sistema eleitoral.
Em determinado momento, o próprio presidente admitiu: "Não temos provas, vou deixar bem claro, mas indícios de que eleições para senadores e deputados podem ocorrer a mesma coisa".
Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, professor de direito eleitoral e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a narrativa de Bolsonaro sobre fraude nas urnas e sua insistência no voto impresso se dá pelo fato de que o chefe do Executivo sabe que vai perder o próximo pleito e, por isso, tenta criar um inimigo. No caso, a urna eletrônica.
Almeida, em entrevista à Fórum, fez uma associação entre a postura do presidente com a polêmica em torno da bola "Jabulani", utilizada na Copa do Mundo de 2010.
"Com a live, me veio uma lembrança, talvez levada por esse clima de Olimpíada. O que o presidente está fazendo é uma coisa que chamo da 'tática Jabulani'. Você se lembra na Copa de 2010, em que os jogadores que não se adaptavam naqueles jogos culpavam a bola. A bola que era a grande vilã. Entendo que é a mesma coisa que o Bolsonaro está fazendo. Ele sabe que vai perder as eleições, ele conhece as pesquisas, sabe que seu apoio minguou muito. Ele vai passar pela situação de ser o primeiro presidente que foi eleito desde a redemocratização pelo voto secreto, direto e universal que não conseguiu se reeleger. Dilma, Lula e FHC conseguiram. Ele vem adotando uma narrativa perigosa, que justificaria, em um último caso, até uma tentativa de ruptura democrática, de golpe, e essa narrativa consiste contra um vilão", analisa o advogado.
"Ele [Bolsonaro] mesmo falou que os caras que vão apurar as urnas são os mesmos que soltaram o Lula. Isso é um problema. Por isso que falo que é a 'tática Jabulani', é culpar a bola, culpar a urna. Ele está criando um problema que não existe. Nunca tivemos nenhuma comprovação de fraude", completa.
Campanha antecipada e abuso de poder
A nova investida de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro durante sua live desta quinta-feira (29) teve mais um componente grave. A transmissão ao vivo foi veiculada pela TV Brasil, emissora pública que, por lei, deve ter caráter informativo e educativo.
O espaço, no entanto, foi utilizado de forma a amplificar para mais pessoas as distorções e fake news do presidente sobre as eleições no Brasil.
Para Renato Ribeiro de Almeida, o uso do aparato público para a transmissão da live do presidente configura campanha eleitoral antecipada e abuso de poder.
"Uma TV pública não pode se prestar a isso. De forma alguma. Ela tem o pressuposto de informar a população, de mostrar diversas opiniões, e não de dar palanque a uma live do presidente que não apresenta nada de concreto, faz simplesmente um discurso retórico, requenta coisas anteriormente ditas. Isso é, sim, campanha antecipada, abuso de poder político e merece devida reprimenda, acionando o Ministério Público Eleitoral para que a Justiça Eleitoral tome as medidas cabíveis", atesta.
A furada do voto impresso e de que a urna não é auditável
Almeida, que é especialista em direito eleitoral, também desconstruiu a pauta do voto impresso defendida por Bolsonaro e seus apoiadores na entrevista que concedeu à Fórum.
Segundo o advogado, a ideia de se imprimir um papel confirmando o voto do eleitor após o processo de digitar os números do candidato da urna abriria margem para a fraude que os bolsonaristas hoje alegam - sem provas - existir.
"Há o argumento que a urna não não seria auditável. Isso é de uma profunda ignorância porque parte do pressuposto que auditoria é o papel que conta de novo. E não é isso. Auditoria é um conceito muito maior. Auditoria pode ser eletrônica. Ver se alguém acessou, se teve fraude. A auditoria é muito mais sofisticada do que simplesmente fazer uma contagem de papel. É uma leitura simplória que o presidente tem sobre esse assunto", pontua.
Sobre a instalação de uma impressora acoplada à urna, Almeida diz que isso trará "uma taxa muito maior de erros".
"Temos uma taxa de erros em torno de 0,5% por eleição. E a urna funciona na barranca do Rio Amazonas, até com bateria se for o caso. Tem 0,5% de troca de urnas, valendo aquela votação já recebida. Ou seja, ninguém perde o voto por isso. Se você coloca um equipamento como uma impressora - todo mundo que tem uma em casa sabe que em algum momento ela trava, por melhor que seja - você está acoplando à urna um equipamento muito mais caro, estamos falando de bilhões de reais, e que pode dar problema. Você vai ter uma taxa muito maior de erros só de colocar o voto impresso", analisa.
Além do aspecto tecnológico, o advogado cita uma situação que poderá ser observada caso o voto impresso seja implantado.
"Se criará o caos na eleição. Imagina uma pessoa que, de caso pensado, vai lá e aperta o 13, vota no Lula, só que na hora que imprime, sai que ele votou no Lula, e ela começa um escândalo dizendo que votou no Bolsonaro. Ela vai colocar em xeque toda a urna em que está se votando. Ninguém vai ter a comprovação de que de fato ela votou no PT porque ninguém filma, o voto é secreto. Então, é um atributo a ser utilizado para desacreditar a eleição", declara.
Estratégia golpista
Renato Ribeiro de Almeida avalia que Bolsoanaro está seguindo os passos de Donald Trump, em uma estratégia golpista, ao adiantar que não vai reconhecer o resultado das eleições caso perca o pleito, mas com uma diferença fundamental.
"No caso do Trump, ele não resistiu, não aceitou o resultado, só que não tentou diretamente um golpe, até porque o Trump não tinha apoio das Forças Armadas. Aqui, por outro lado, diversos ministros, inclusive da ativa, pertencem às Forças Armadas, e Bolsonaro disse em todos os momentos que as Forças Armadas estão com ele. Para um país que teve ditatura militar há pouco tempo, isso é muito grave, muito sério e uma ameaça que a gente deve levar em consideração", assegura.