Aprovado em Medicina sem luz elétrica responde à “meritocracia” de Sérgio Camargo: “Esse discurso é balela”

Matheus de Araújo Moreira Silva, morador de comunidade quilombola, repudiou discurso de "vitimismo negro" do presidente da Fundação Palmares

Foto: Arquivo pessoal
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Matheus de Araújo Moreira Silva, de 26 anos, morador de uma comunidade quilombola de Feira de Santana, na Bahia, conseguiu entrar no curso de Medicina na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, depois de quatro anos tentando ser aprovado.

Matheus estudou por conta própria, sem cursinho, em uma casa sem energia elétrica e sem acesso à internet. O jovem, no entanto, se incomoda ao ver seu esforço usado para exaltar a meritocracia e por quem critica um suposto "vitimismo negro".

"Isso está me incomodando demais. Esse discurso é balela", disse Matheus à BBC News Brasil. "Poxa, o que eu sofri eu não desejo para nenhum estudante. Se tivesse tido um bom local para estudar, se não tivesse tido que trabalhar, teria facilitado bastante."

https://twitter.com/sergiodireita1/status/1417908616930209799

Matheus diz ter ficado incomodado com o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sergio Camargo, que afirmou em sua conta do Twitter: "Enquanto pretos vitimistas jogam suas vidas fora na militância ressentida, bailes funk, vício da maconha, bandidagem e manifestações de esquerda, esse rapaz dedicou-se ao estudo com muita disciplina e esforço, associado à fé em Deus. Matheus venceu em meio a grandes dificuldades (sem luz nem internet). Ele é a prova de que negros não precisam ser vítimas. Terá um futuro brilhante. Parabéns!"

O órgão, ligado ao governo federal, é dedicado à promoção da cultura afro-brasileira.

"Não é bem assim, 'quem quer consegue'", responde Matheus. "Meritocracia é quando as pessoas têm os mesmos direitos. (...) Para a gente que é de periferia, de interior, de favela, as políticas públicas não chegam. Sempre trabalhei num turno e estudei no outro, o que é bastante complicado, porque nossos pais não têm condição de pagar cursos, materiais. Você chega cansado, e isso atrapalha bastante."

"Às vezes precisa (escolher entre) trabalhar para ter dinheiro e botar comida em casa, ou estudar. Não acho bonito ter que fazer essa escolha complicada", prossegue.

"Eu conseguir pular o sistema (e ser aprovado no vestibular) virou uma notícia tão grande porque não é comum, não é padrão, mas era para ser padrão", afirma.

"Falta explicar os caminhos possíveis para quem concluir o ensino médio, mostrar os cursos técnicos para quem não quiser fazer faculdade, dizer 'se capacite, não fique só com o ensino médio'. Tem que dar caminhos para abrir os horizontes (dos jovens)", concluiu.

Com informações da BBC Brasil