Em resposta a um pedido do jornal O Globo, via Lei de Acesso à Informação (LAI), para obter detalhes do processo administrativo que havia sido aberto contra o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, o Exército Brasileiro negou o acesso aos documentos e impôs sigilo de 100 anos às informações.
O processo havia sido aberto para apurar se Pazuello transgrediu regras militares ao participar de ato político com Jair Bolsonaro em maio, no Rio de Janeiro. A militares da ativa, como é o caso do ex-ministro, é proibida a participação em eventos de cunho político. O processo, no entanto, foi arquivado na última semana pelo comando do Exército, que acatou os argumentos de Pazuello e não enxergou, no ato, caráter político.
Ao negar o acesso às informações do processo, o Exército alegou que dispositivos da LAI garantiriam o sigilo em caso da ação conter informações pessoais. A Controladoria-Geral da União (CGU), no entanto, já tem entendimentos em casos semelhantes de que as informações de processos administrativos só podem ficar restritas enquanto durarem as apurações.
"A documentação solicitada é de acesso restrito aos agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que ela se referir", diz nota do Exército. O jornal O Globo informa que cabe recurso à determinação.
Processo arquivado
Em nota oficial divulgada na última quinta-feira (3), o Exército Brasileiro informou que não vai punir o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, por ter participado de ato político com Jair Bolsonaro no dia 23 de maio no Rio de Janeiro.
O processo disciplinar foi contra Pazuello foi aberto pois, além do ex-ministro ter desrespeitado protocolos sanitários contra o contágio do coronavírus, violou regras militares, que vetam participação de quadros da ativa, como é o caso dele, em atividades político-partidárias.
O comando da instituição, entretanto, acatou os argumentos da defesa de Pazuello e informou que “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general”, sendo que o processo foi arquivado.
Reconvocação da CPI e Justiça Militar
No final de maio, os senadores da CPI do Genocídio no Senado aprovaram a reconvocação de Pazuello, que já havia prestado depoimento no dia 19 de maio.
A convocação vem após as contradições em suas falas explicitadas pelo depoimento da secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, e é motivada principalmente pela participação de Pazuello do ato político com Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. O evento gerou forte aglomeração e o ex-ministro, que não usava máscara, não poderia participar, já que as regras militares impedem participação de quadros da ativa, como é o caso de Pazuello, em manifestações políticas.
“Após declarar, por exemplo, que sempre foi favorável ao uso de máscaras e ao isolamento social, o general da ativa decidiu participar de manifestação convocada pelo presidente sem as devidas precauções diante da pandemia que assola a população brasileira, fomentando atitudes que colocam a vidas das pessoas em risco. Essas e outras mentiras precisam ser esclarecidas”, afirmou o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ao defender a reconvocação de Pazuello.
Nos últimos dias, entretanto, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), tem afirmado que um novo depoimento de Pazuello "perdeu relevância" depois da divulgação de novo vídeo que comprovaria a existência de um "gabinete paralelo" que assessora Jair Bolsonaro, o munindo com informações e ideias negacionistas para o combate à pandemia. O novo depoimento do ex-ministro ainda não tem data marcada para ocorrer.
No mesmo dia em que a nova convocação foi aprovada, duas representações contra o general foram protocoladas na Procuradoria-Geral de Justiça Militar. Uma das ações é assinada pelo líder da bancada do PT na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS), e pelos deputados petistas Paulo Pimenta (RS), Gleisi Hoffmann (PR) e Carlos Zarattini (SP). A outra representação foi protocolada pelo líder da Minoria na Casa, deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), e conta com assinaturas de outros deputados da oposição, entre eles Alessandro Molon (PSB-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Wolney Queiroz (PDT-PE), entre outros.
Ambas as ações, encaminhadas a Antônio Pereira Duarte, procurador-geral da Justiça Militar, tratam do mesmo tema: a participação de Pazuello em ato político com Jair Bolsonaro.
“A participação do Representado no referido ato, além de configurar absoluto desrespeito aos preceitos estabelecidos na Lei 13.979/2019, que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, macula e compromete sobremaneira a imagem do Exército Brasileiro, além de representar péssimo exemplo à instituição e a todos que dela fazem parte”, diz um trecho da ação protocolada pelos deputados do PT.
“Ao participar de ato essencialmente político, acompanhando passeio de motocicleta, subindo em palanque, fazendo uso da palavra e promovendo aglomerações, o General da ativa Eduardo Pazuello cometeu inequívoca transgressão disciplinar, à luz das leis e regulamentos que disciplinam o exercício da atividade militar, o que demanda rigorosa providência por parte desse órgão Ministerial, sob pena de estarmos diante de precedente perigoso e induzir condutas desviantes dentro da instituição a que faz parte o Representado”, afirmam ainda os parlamentares, pedindo apuração rigorosa , o afastamento de Pazuello de seu cargo de militar enquanto perdurarem as investigações e eventual punição.
Já os deputados que assinam a ação protocolada pela liderança da Minoria na Câmara destacaram, no documento, imagens que mostram Pazuello no ato com Bolsonaro e chamaram a atenção para o fato de que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, no último dia 19, que os militares da reserva podem participar de manifestações, ao contrário dos que estão na ativa.
“Não resta dúvida de que o General Eduardo Pazuello praticou o crime de inobservância do regulamento disciplinar, tipificado no art. 324 do Código Penal Militar, caracterizado pelo requisito objetivo do ato prejudicial, pelos danos morais à instituição militar, uma vez que o militar da ativa deve defender o Estado Nacional, não um governo”, escrevem os autores da representação.
“Prêmio” de Pazuello, novo cargo no governo é questionado na Justiça
Quatro deputados do PSOL – Sâmia Bomfim (SP), Fernanda Melchionna (RS), David Miranda (RJ) e Vivi Reis (PA) – protocolaram na última semana, junto à Justiça Federal de Brasília, uma Ação Popular que tem como objetivo anular a nomeação de Eduardo Pazuello a um cargo de primeiro escalão no Ministério da Casa Civil.
Ministro da Saúde durante o período que a pandemia do coronavírus mais se agravou no país, alvo da CPI do Genocídio e apontado com um dos principais responsáveis pela crise de oxigênio em Manaus (AM), Pazuello foi nomeado por Jair Bolsonaro como secretário de Estudos Estratégicos (SAE) da Presidência da República. A informação foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (1) e a nomeação, assinada pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
Na ação encaminhada à Justiça, os parlamentares do PSOL apontam que, além do posto para o qual Pazuello foi nomeado não ser previsto em lei, sua nomeação violaria o “interesse público e a moralidade administrativa”. Para apontar essa violação, são citados, no documento, exemplos da gestão desastrosa do general no comando do Ministério da Saúde.
“Para um breve balanço da ‘gestão Pazuello’, basta verificar o quanto amplamente noticiado pela mídia nacional e internacional, que dá conta do ‘caos, omissão e explosão de mortes’ decorrentes das ingerências por ele perpetradas à frente do Ministério da Saúde, cujo trágico legado, marcado por mentiras, foi responsável pelo aumento em 10 vezes do número de mortes por Covid-19 no Brasil”, escrevem os psolistas.
Os autores da ação ainda citam a participação de Pazuello em ato político com Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio, em que desrespeitou protocolos sanitários contra a disseminação do coronavírus, além das inúmeras “mentiras descaradas” proferidas pelo ex-ministro em seu depoimento à CPI do Genocídio.
“Neste sentido, considerando que o Sr. Eduardo Pazuello possui um histórico desastroso à frente do Ministério da Saúde, é temerária sua nomeação para ocupar o cargo de ‘Secretário da Secretaria Especial de Estudos Estratégicos’, violando o interesse público e a moralidade administrativa”, pontuam.