O ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União (TCU), publicou um despacho nesta quinta-feira (27) em que dá um prazo de 5 dias úteis para que o governo Bolsonaro entregue cópias de documentos, ainda "secretos", sobre o orçamento paralelo de Jair Bolsonaro que seria utilizado para comprar apoio de parlamentares no Congresso Nacional. No meio político, o esquema foi apelidado de "bolsolão" e "tratoraço".
Revelado pelo jornal Estadão no início do mês, o esquema, montado no final de 2020, consistiria em um orçamento secreto e paralelo no valor de R$ 3 bilhões em emendas para comparar congressistas. Boa parte do dinheiro era destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima da referência. O conjunto de 101 ofícios foi encaminhado, por deputados e senadores, ao Ministério do Desenvolvimento Regional para apontar como eles preferiam utilizar os recursos comprova a farra com dinheiro público.
Os ofícios, obtidos pelo Estadão, indicam que o esquema passa por cima das leis orçamentárias, pois é atribuição dos ministros definir onde e como aplicar os recursos. Além disso, prejudica o controle do Tribunal de Contas da União (TCU).
Ao exigir do governo as cópias dos documentos relacionados ao "orçamento paralelo", o TCU atendeu a representação da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do tribunal, que investiga "possíveis irregularidades" no esquema.
“Historicamente, as Resoluções do Congresso Nacional que disciplinam o funcionamento da Comissão Mista Permanente, bem como o processo legislativo orçamentário, detalham as hipóteses restritas em que o relator-geral do orçamento poderia promover alterações no projeto, usualmente as de ordem técnica”, escreveu o ministro Walton Alencar Rodrigues em um trecho de seu despacho.
As explicações e os documentos que estão sendo exigidos do governo devem ser analisadas pelo TCU junto com o julgamento das contas do governo em 2020, marcado para 30 de junho. Se o tribunal rejeitar essas contas, cria-se uma base sólida para um processo de impeachment contra Bolsonaro.
Casos concretos
Um exemplo de como funciona o esquema do "bolsolão" pode ser observado com um caso envolvendo o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ele determinou a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas só do Ministério do Desenvolvimento Regional. Ele necessitaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse valor por intermédio da emenda parlamentar individual, que garante a cada parlamentar direcionar R$ 8 milhões ao ano.
Outro caso é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo pagou R$ 359 mil em um trator que, pelas regras normais, liberaria apenas R$ 100 mil dos cofres públicos. No total, o deputado direcionou R$ 8 milhões.
Longe dos redutos
Existem situações as quais parlamentares encaminharam milhões para aquisição de máquinas agrícolas para uma cidade distante dois mil quilômetros de seus redutos eleitorais.
É o caso específico dos deputados do Solidariedade, Ottaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM). Eles direcionaram R$ 4 milhões para Padre Bernardo, em Goiás. Caso a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões.
A deputada e atual ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), usou termos como “minha cota”, “fui contemplada” e “recursos a mim reservados” para se dirigir à Companha de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e definir o destino de R$ 5 milhões.
Questionada pelo Estadão, ela disse: “Não me lembro. Codevasf? É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata”.