Suplicy envia carta a Marco Aurélio Mello por reconhecer renda básica a morador de rua

“Reconhecer o valor do trabalho não remunerado para a sociedade é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia”, disse Suplicy

Eduardo Suplicy (Foto: Reprodução)
Escrito en POLÍTICA el

Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal Presidente Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e demais Ministros:

Cumprimento o ministro Marco Aurélio Mello que, em voto histórico e muito bem fundamentado, reconheceu o direito de um morador de rua de Porto Alegre receber a Renda Básica de Cidadania, de caráter universal e incondicional, conforme estabelece a Lei 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004, e até hoje não regulamentada. O ministro Marco Aurélio deu o prazo de até um ano para que o governo Jair Bolsonaro venha a editar a norma que vai regulamentar a aplicação da lei. A decisão será ainda examinada pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal e os demais 10 ministros deverão apresentar os seus votos na próxima semana. A imediata garantia de renda e dignidade à vida deste morador de rua depende do favorável posicionamento dos demais ministros.

Como autor da Lei 10.835/2004, coloco-me à disposição dos ministros do STF para lhes dar todas as informações pertinentes. É importante destacar que a Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondicional é hoje defendida pelos laureados com o prêmio Nobel de Economia e da Paz, como Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Abhijit Banerjee, Esther Duflo, Muhammad Yunus, Desmond Tutu e, com destaque agora, pelo Papa Francisco que, em seu último livro “Vamos Sonhar Juntos” (Intrínseca, 2020, p.143), diz:

“Reconhecer o valor do trabalho não remunerado para a sociedade é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que seja hora de explorar conceitos como o de renda básica universal também conhecido como imposto de renda negativo: um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos, que poderia ser distribuído através do sistema tributário.

A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral, garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Daria aos indivíduos a segurança básica que precisam, eliminando o estigma do seguro-desemprego, facilitaria a mudança de um trabalho para outro, como cada vez mais os imperativos tecnológicos no mundo trabalhista exigem. Políticas como essa também podem ajudar as pessoas a combinar tempo dedicado a trabalho remunerado com tempo para a comunidade.”

Mas então a Renda Básica de Cidadania vai ser paga a todas as pessoas, até ao presidente Luiz Fux, ao ministro Marco Aurélio e aos demais ministros do STF? Sim, mas obviamente as pessoas que ganham mais vão contribuir para que elas próprias e todas as demais venham a receber. Daí eliminamos toda burocracia em se ter que saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, afastamos qualquer estigma e vamos garantir maior grau de dignidade e liberdade a todas as pessoas na sociedade.

Por quase todos os países do mundo hoje se debate a instituição da Renda Básica Universal. Experiências muito sucedidas tem sido aplicadas no Alasca, em Macau, na Finlândia, na Namíbia, no Quênia, em Maricá (RJ). O Brasil poderá se tornar um exemplo formidável para o planeta Terra. Recomendo aos ministros do STF que leiam “Renda Básica: Uma proposta radical para uma sociedade livre e uma economia sã” dos professores Philippe Van Parijs e Yannick Vanderborght (Cortez 2018). Anexo também contribuições minhas sobre o tema, como as cartas ao Papa Francisco, ao presidente Jair Bolsonaro, ao ministro Paulo Guedes, texto sobre os laureados com Nobel que defendem a RBU e palestra de minha autoria sobre a RBC.

Respeitosamente, o abraço amigo,

Eduardo Matarazzo Suplicy