Em meio aos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis - somente este ano foram quatro -, que vêm na esteira da política de preços da Petrobras e que têm causado pressão da sociedade, principalmente dos caminhoneiros, sobre o governo, o presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar o comando da estatal.
O titular do Planalto anunciou na noite desta sexta-feira (19) a substituição do economista Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna, que atualmente dirige a usina de Itaipu, na presidência da petrolífera.
A mudança gerou uma série de críticas de economistas e políticos de diferentes vertentes ideológicas e fizeram as ações da empresa desabarem em bolsas de valores.
Até mesmo dentro da Petrobras a troca de presidente deve sofrer resistência por parte do Conselho de Administração da estatal, que deve se reunir na próxima semana. Para a nomeação de Luna e Silva como novo presidente da empresa ser efetivada, ela precisará ser aprovada por esse conselho e, se não for, Bolsonaro poderia destituí-lo. Em nota ao mercado, a petrolífera frisou que o mandato de Castello Branco vai até o dia 20 de março.
Para entender o que está por trás e quais podem ser os efeitos desta mudança, Fórum ouviu a opinião de nomes do meio econômico, político e sindical.
Confira.
Marcio Pochmann - economista (Unicamp)
"A troca de comando na Petrobras não parece ser um ato isolado de Bolsonaro. Possivelmente encontra-se em curso uma inversão do próprio governo, assim como no início de 2020, quando afastou-se do lavajatismo, provocou uma espécie de cavalo de pau na condução da economia, fazendo o maior déficit público da história do país, ampliando programa de garantia de renda para uma base social que praticamente desconsiderava até então.
A mudança na Petrobras pode, sim, estar indicando fortalecimento de um sentido diferente de Bolsonaro, preparando inclusive o processo eleitoral do ano que vem. Certamente os próximos dias indicarão o quanto as mudanças na Petrobras não se tratam de um ponto fora da curva, mas possivelmente uma reorientação interna, diante do quadro internacional, do esvaziamento do apoio de Trump, e ao mesmo tempo a inviabilidade do receituário neoliberal numa economia que está tendendo a apresentar um quadro recessivo. Neste sentido, a mudança pode vir justamente nessa perspectiva de um compromisso com o crescimento, com o restabelecimento da autonomia da definição de preços da Petrobras. Mas isso o tempo vai dizer. Por hora é apenas um ensaio, uma especulação analítica."
Tadeu Porto - Diretor da Federação Única dos Petroleiros e do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense
"A gente fica preocupado com mais uma grande crise envolvendo a Petrobras. A gente sabia que era insustentável manter o PPI (Preço de Paridade Internacional), que a gente chama de dolarização do nosso combustível, que o povo brasileiro não ia aguentar pagar, que a crise social com a Petrobras se comportando como empresa privada iria de fato atrapalhar a população, iria de fato mexer muito com o nosso social, e está aí a crise gerada pela incompetência da direita que colocou um presidente que não sabe governar. Só que acabou ficando refém da dolarização e teve que fazer alguma coisa.
A intervenção na Petrobras é uma intervenção ruim, que não é planejada, é feita por um maluco que está colocando uma pessoa ali sem planejamento de país. E o Brasil precisa de um grande projeto que faça que o mercado de petróleo trabalhe para os brasileiros, tanto nos combustíveis, quanto na tecnologia, no emprego, em tudo, que é uma coisa que não está tendo agora.
E vai piorar, é bom que as pessoas tenham isso em mente. O mercado não vai aceitar. A venda da Petrobras estava muito madura e a crise dos combustíveis chegou para ficar. Ainda vamos amargar alguns meses de crise de combustíveis. Nós, petroleiros e petroleiras, vamos estar aqui a postos para fazer o que a gente sempre fez: mostrar para a população que a Petrobras é a maior empresa do Brasil historicamente, e não é à toa. Sempre serviu ao país e, quando serve bem, o país cresce junto com a empresa."
Alexandre Padilha - deputado federal (PT-SP)
"Bolsonaro, toda vez que não sabe o que fazer, bota um general para cuidar. Foi assim com Ministério da Coordenação Política no começo do governo, foi assim com a Saúde no meio de uma pandemia gravíssima e agora no comando da Petrobras. Não sabe o que fazer, bota um general. O Guedes que se prepare."
Rodrigo Leão - economista e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP)
"Essa mudança está muito associada a essa política de preço. E não é novidade. Desde a gestão Dilma, todas as trocas que foram feitas tiveram a política de preço como um fator importante. Aconteceu com o Sergio Gabrielli, com o Pedro Parente. Nessas duas mudanças a política de preço estava no centro do debate na época. Então, acho que a troca está associada ao impacto que a política de preço tem para a população brasileira, e o preço está muito associado ao preço da Petrobras.
A minha avaliação é que essa mudança é para que a Petrobras adote uma nova postura com relação à política de preço, só que isso vai ter desdobramentos para a estratégia da empresa, porque a política de preços estava muito concentrada na questão da privatização do refino e da distribuição.
Então, vamos ver se esse fator que foi o fruto da mudança vai acabar reverberando na estratégia da companhia. Mas qualquer mudança na política de preço pode, sim, ter um impacto para estratégia da Petrobras no abastecimento."
Ricardo Berzoini - ex-ministro dos governos Lula e Dilma e ex-deputado federal
"Bolsonaro reage à ditadura do liberalismo estúpido. Os preços dos combustíveis não podem ficar mecanicamente atrelados ao mercado internacional. Resta saber como fica o fundamentalismo do 'posto Ipiranga'. E se o próprio Bolsonaro saberá como se desfazer dessa camisa de força liberal. São as contradições da vida real."