As ligações do blogueiro Allan dos Santos, dono do canal "Terça Livre", com a família Bolsonaro ganharam um novo capítulo. Mensagens inéditas de WhatsApp obtidas pela CPI da Covid-19 e divulgadas pela revista Crusoé indicam que os filhos do presidente se encontravam frequentemente com o blogueiro, discutiam estratégias políticas e até mesmo financiavam a atuação das milícias digitais mantidas por Allan.
Atualmente de forma ilegal nos Estados Unidos, ele teve pedido de prisão preventiva determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. No último dia 22, foi anunciado o fim do "Terça Livre", após o Youtube derrubar vários canais mantidos por Allan.
Em uma das mensagens, reunidas pela Polícia Federal, o blogueiro afirma que Eduardo Bolsonaro, com quem ele tinha mais proximidade, chegou a "pagar" o aluguel do "bunker" que usava quando se mudou para Brasília.
A confissão aconteceu em conversa no WhatsApp com o deputado federal Filipe Barros (PSL), na qual ambos trocavam impressões sobre a vinheta de abertura dos programas "Terça Livre" e "Onda Conservadora".
“Já estou no bunker pago pelo Eduardo. Cadê tu? Aparece aqui. Tenho algo grandioso para te mostrar. Sobre a viagem para SP”, disse Allan.
As primeiras suspeitas de que Eduardo bancava o aluguel dele em Brasília - uma mansão no Lago Sul, uma das áreas mais nobres da cidade - foram levantadas por Lobão. Em 2019, o cantor, àquela altura já ex-bolsonarista, perguntou ao blogueiro em uma entrevista:
"A minha fonte lá de Brasília me mandou um WhatsApp: ‘Você sabe quem está morando aqui? O Allan dos Santos. Morando numa mansão no Lago Sul, que o Eduardo Bolsonaro está bancando."
Ele não negou, mas reclamou da exposição, que considerava indevida. Disse que era vítima de ameaças de morte e que Lobão, ao falar sobre seu novo endereço, colocou-o em risco.
O imóvel, localizado a 12 quilômetros do Palácio do Planalto, está atualmente disponível para locação por R$ 9 mil, incluindo impostos. O terreno tem dois mil m², com 600 de área construída.
A casa de seis quartos tem dois andares, com um espaçoso salão de festas, piscina com mesas de concreto dentro d’água, banheiras, mirante, sauna e hidromassagem. Allan ocupou o espaço até deixar o Brasil e ir para os Estados Unidos, onde vive desde agosto de 2020.
Reuniões quinzenais com bolsonaristas
O material mostra também que o blogueiro funcionava como uma extensão da família Bolsonaro para a execução de suas estratégias nas redes. A relação com Eduardo incluía, por exemplo, encontros frequentes nos endereços de ambos e momentos de lazer e descontração.
No imóvel de Allan, aconteciam “reuniões quinzenais” com apoiadores da família Bolsonaro e integrantes do governo. Em razão do canal direto que tinha com os filhos do presidente, o blogueiro fazia pedidos frequentes, inclusive para que fossem destacadas para os encontros autoridades do governo com as quais tinha interesse em se aproximar.
Uma delas era o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, de quem Eduardo é muito próximo. Allan teria convidado Eduardo para ir à casa dele e dito que o filho 01, o senador Flávio Bolsonaro, já havia passado lá.
“Flávio já veio aqui. Falta você”, escreveu ao 03. Eduardo Bolsonaro respondeu: “Alan, hoje estou em São Paulo. Reunião na Fiesp com empresários que têm interesse nos EUA”. O blogueiro, então, replicou: “Daqui a quinze dias teremos outra (reunião). Fala pro Gustavo ir. Do BNDES. Se ele estiver por aqui”. Eduardo disse: “Me passa o dia. Que daí já bloqueio aqui na agenda”.
As mensagens sobre as reuniões eram disparadas para uma lista de 18 nomes que, além de Flávio e Eduardo, tinham Fabio Wajngarten, então secretário de Comunicação da Presidência da República, o assessor especial da Presidência da República Filipe Martins e os deputados federais Bia Kicis, Caroline de Toni, Filipe Barros, Felipe Francischini e Luiz Philippe de Orleans e Bragança.
Vantagens no governo
As mensagens mostram, também, que bolsonaristas próximos de Allan receberam vantagens no governo. Um deles foi o empresário Bruno Ayres, que participava com frequência das reuniões e de outras confraternizações junto a Eduardo Bolsonaro.
Em fevereiro de 2021, a AYR, empresa de Bruno Ayres com atuação na área de informática, assinou um contrato de R$ 360 mil com a Presidência da República, para prestar “serviços técnicos de manutenção” para o programa Pátria Voluntária, tocado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. O contrato foi firmado sem licitação.
Os relatórios da Polícia Federal também mostram que o blogueiro chegou a consultar o guru bolsonarista Olavo de Carvalho sobre os “limites” da ajuda financeira que seu canal poderia receber do governo. Em um manuscrito apreendido pelos policiais, Allan registrou uma conversa que teve com Olavo.
“Perguntei: Professor, qual o limite para o TERÇA LIVRE receber aporte financeiro do Governo? Olavo: NENHUM”, anotou Allan dos Santos. No mesmo manuscrito, o blogueiro registrou algumas das diretrizes que guiavam seu trabalho, baseadas na conversa que teve com Olavo de Carvalho, em janeiro de 2019. Uma delas dá a medida da afeição do grupo a opiniões políticas divergentes: “Banir a oposição ideológica para sempre”.