O ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, lança nesta sexta-feira (25) o livro "Um paciente chamado Brasil", que aborda detalhes dos últimos 87 dias de sua gestão na pasta. Neste período, ele contrariou o presidente Jair Bolsonaro ao defender o isolamento social como principal medida contra o avanço da pandemia no país, um dos principais motivos para a sua demissão. No livro, Mandetta afirma também que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) tentou interferir no ministério ao pressionar demissões para indicar aliados seus.
De acordo com ele, a pressão do filho do presidente começou em janeiro, ou seja, antes do primeiro caso oficial da doença no país. Uma semana antes do Fórum Econômico de Davos, o chefe de gabinete da Saúde recebeu da Presidência um pedido para exonerar quatro nomes: os então secretário-executivo, João Gabbardo dos Reis, o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim, o secretário de Atenção Especializada em Saúde, Francisco de Assis Figueiredo e o diretor do Departamento de Informática do SUS, Jacson Barros.
No livro, Mandetta conta que chegou a se reunir com o presidente Jair Bolsonaro para debater os pedidos de exoneração. Segundo ele, o ex-capitão lhe disse que os quatro não eram "gente nossa" e que a sugestão havia partido de Flávio. A informação consta em reportagem de Guilherme Amado, na revista Época.
"Quem articulou as exonerações e impôs os novos nomes mirava o controle de mais de oitenta por cento do orçamento do Ministério da Saúde. Não me parecia um erro banal", afirma.
O foco principal das críticas no livro, no entanto, é Bolsonaro. O ex-ministro acusa o presidente de ter agravado os impactos da pandemia com sua postura negacionista. “Primeiro ele negou a gravidade da Covid-19, falando que era só uma ‘gripezinha’. Depois ficou com raiva do médico, ou seja, de mim. Depois partiu para o milagre, que é acreditar na cloroquina”, escreve.
180 mil mortes
Mandetta relata que tentou por diversas vezes apresentar dados, projeções e medidas de prevenção ao presidente. Ele afirma, no entanto, que Bolsonaro “sempre arranjava um jeito de não participar”. Além disso, o ex-ministro conta que chegou a alertar o presidente em reunião, no dia 28 de março, sobre a possibilidade do Brasil atingir 180 mil óbitos por conta da doença. Naquela época, o país registrava 92 mortes por Covid-19.
“Eu tentava puxar ele logo para a fase proativa. Eu nunca falei em público que eu trabalhava com 180 mil óbitos se nós não interviéssemos, mas para ele eu mostrei, entreguei por escrito, para que ele pudesse saber a responsabilidade dos caminhos que ele fosse optar. Foi realmente uma reação bem negacionista e bem raivosa", afirma.
O presidente teria abandonado este mesmo encontro depois que Mandetta elogiou o desempenho de São Paulo, estado governado por João Doria (PSDB), no combate à Covid-19 e comparou o posicionamento do presidente ao de Nicolás Maduro. "Foi assim que acabou a reunião. Um esforço tremendo, com a unanimidade dos ministros dizendo que ele não deveria ir por aquele caminho da negação, que daquele jeito ele estaria isolado, mas ele encerrou a reunião do mesmo jeito que entrou nela", narra Mandetta.