Washington Quaquá, ex-prefeito de Maricá e dirigente do PT, publicou nesta terça-feira (11) um artigo defendendo o apoio articulado por ele e firmado pela direção partidária com o prefeito bolsonarista de Belford Roxo, Waguinho (MDB). A aliança gerou protestos de militantes do partido e de ex-presidentes da sigla.
No texto, Quaquá defende a política de alianças para além da esquerda e diz que os críticos dessa estratégia estariam transplantando um debate da esquerda europeia e estadunidense. Para ele, "corrigir os erros não significa jogar fora a criança junto com a água do banho".
"Não será com o abandono da polícia de alianças que foi vitoriosa em 2002 que vamos corrigir os erros de não termos fortalecido a Frente de Esquerda no âmbito da coalizão maior de nossos governos; e de não termos organizado o povo para sustentar a democracia. Corrigir os erros não significa jogar fora a criança junto com a água do banho. Significa antes e sobretudo, reter o que foi positivo e corrigir os erros", diz Quaquá em trecho do artigo.
"As alianças, num país onde o nível de consciência do povo é arcaico, fruto de anos de escravidão e iniquidades por parte das elites, que produziu um imenso embrutecimento das classes populares, levam em conta não uma vontade de pureza, mas uma necessidade política. Levam em conta a análise concreta da realidade nacional. Da diversidade da realidade nacional", defende.
O dirigente petista ainda afirma que Waguinho, que apareceu ao lado de Flávio Bolsonaro no último final de semana e pediu votos para Jair Bolsonaro, não é bolsonarista e o relacionou com Tancredo Neves. "Waguinho não é bolsonarista. Muito menos é de esquerda. Doutor Tancredo disse uma vez, perguntado se o PSD era comunista como Jango ou racionario como Magalhaes Pinto e Carlos Lacerda, ele respondeu: 'Meu filho, entre a Bíblia e O Capital, o PSD fica com o Diário Oficial'", escreveu.
"Figuras minoritárias e sem importância na vida real eu entendo, como entendo o universo magico e lúdico das crianças. Mas ver ex-presidentes do PT assinando um manifesto sobre Belford Roxo?", afirma, criticando a postura dos ex-presidentes que assinaram o manifesto.
Leia o artigo na íntegra:
Entre ser de esquerda e se dizer de esquerda
Washington Quaquá
Eu costumo dizer que o discurso esteticamente de esquerda, ou revolucionário, nem sempre leva a uma prática de esquerda e revolucionária. No mais das vezes, leva mesmo a um retrocesso e a derrota das classes populares no embate da luta de classes. Ou seja, acabam servindo à direita.
Não se ganha uma guerra no isolamento. Como na guerra, na luta de classes, na luta política real, se ganha o embate identificando claramente quem é o inimigo principal e quem é o secundário. Daí é preciso buscar aliados para vencer esse inimigo principal, atraindo inclusive os secundários e explorando eventuais contradições e desacordos que estes tenham como o inimigo principal. Pode-se nem mesmo traze-lo para nosso lado, mas dividi-lo e neutraliza-lo já é de grande utilidade.
No Brasil a esquerda sempre possuiu em torno de 25 a 30% de apoio social e de voto nas eleições. São os votos que o PT anteriormente a intervenção de 1998 tinha e depois o PSOL, com Freixo, passou a ter na capital do Rio, por exemplo. Eram os votos que Lula tinha nacionalmente, um pouco mais, um pouco menos, dependendo da eleição: 1989; 1994; 1998…
A grande contribuição que a CNB (a corrente Interna majoritária do PT - Construindo um Novo Brasil) deu ao partido, e o PT deu a história do Brasil, e a história da esquerda brasileira, foi a mudança na tática eleitoral e na efetivação da estratégia democrática e popular em 2002.
Muitos foram contra e foi difícil aprovar internamente a aliança com o PL e garantir a vice do Lula para Zé Alencar. Sem a tática de atrair o centro, dificilmente Lula teria sido eleito presidente da república em 2002. Teríamos continuado a correr atrás do próprio rabo. A disputar apenas os 30% do eleitorado progressista e de esquerda tradicional do Brasil.
Na época os dirigentes que conceberam e efetivaram a ferro e fogo essa política, Ze Dirceu, Delúbio, Genoíno, etc foram acusados de traidores e direitistas pelos mesmos que hoje advogam (e também advogavam naquela época) o isolamento do PT, para no máximo, até os partidos de esquerda. A turma que se contenta a disputar os 30% e a perder abraçados na fé e na pureza.
O fato é que a política foi correta e nos deu a vitória eleitoral em 2002. Pela primeira vez se elegeu um operário presidente do Brasil. Pela primeira vez um presidente oriundo de uma organização de esquerda e do movimento de organização popular e operária foi eleito presidente do país. Um fato histórico, a partir de uma política de alianças e de uma estratégia correta. Tivéssemos seguido o que os pseudo-revolucionários e o que a pseudo-esquerda advogava, teríamos perdido a eleição e Lula não teria sido presidente do Brasil.
Essa pseudo esquerda anda tendo como parâmetro a nova esquerda europeia, ou Bernie Sanders, no Partido Democrata americano. Transplantam, como sempre, de lá para cá o universo conceitual e as fórmulas prontas de explicação dos fenômenos políticos e sociais. Primeiro erram, porque lá na Europa e nos EUA, é verdade que a esquerda hegemônica desde o século XX: a social democracia, integrou-se ao regime e fez uma aliança orgânica com a burguesia depois do pós guerra. Com a quebra do pacto social democrático pela burguesia, os partidos da esquerda hegemônica europeia ficaram ao lado da burguesia contra os trabalhadores e embarcaram na defesa desavergonhada das contra-reformas neoliberais.
Mas é sociologicamente incorreto transplantar essa análise para o Brasil, como sempre fazem com seu pensamento colonizado e dogmático. A esquerda hegemônica no Brasil: o PT, não fez acordo orgânico com a burguesia, e não atuou para destruir o pouco de conquistas sociais dos brasileiros e brasileiras. Pelo contrário, foram os governos Lula e petistas que avançaram com direitos em um momento difícil da esquerda mundial. Quando a esquerda sucumbia ao neoliberalismo e a tal terceira via, que nada mais era do que a submissão as políticas neoliberais, Lula e o PT no Brasil apontavam um caminho de mudança sociais e incorporação dos trabalhadores e do povo a economia e a sociedade, sem paralelo naquele momento, no mundo.
Não foi o podemos na Espanha; não foi o Syriza na Grécia; nem o PS renovado de Portugal com sua politica vitoriosa; nem o Chavismo na Venezuela; nem os Democratas nos EUA; na época, nem os chineses… quem tirou 30 milhões de pessoas da miséria em seu país; ou incorporou 4 milhões de jovens das classes populares as universidades… Aqui se produziu na prática o efeito civilizatório de 3, 4 revoluções cubanas. Foi esse o legado do Lula e do PT, fruto da política majoritária levada ao fim e ao cabo pela CNB. Não foi a toa que praticamente toda a nova esquerda europeia e os lideres dos movimento de renovação da sociais democracia europeia tem Lula como exemplo e possuem por ele imensa admiração e solidariedade.
Claro que cometemos o erro de não organizar o povo. De achar que a democracia brasileira tinha alguma solidez e que a burguesia brasileira pudesse ter o mínimo de compromisso com o jogo democrático. Mas não fomos só nós da CNB que não organizamos o povo para o embate pela democracia. Quem na esquerda fez isso? Ou seja, os que se autoproclamam mais revolucionários que os outros organizaram 1, 2, 1000 ou 100 mil pescadores no Ministério da Pesca, que foi pela maior parte do tempo dirigido pela Articulação de Esquerda? Todas as correntes internas do PT tiveram espaço no governo Lula e Dilma. Quantos exércitos organizaram? Quantos milhões de brasileiros e brasileiras organizaram? Quantos milhares? Sejamos mais modestos… quantas centenas de pessoas organizaram?
Há uma divergência essencial entre a estratégia da CNB e a da auto proclamada esquerda petista em relação a estratégia de transformação social. Em relação de como se dá o processo revolucionário no Brasil. Para eles a revolução é um ato apoteótico, quase carnavalesco… O povo desperta numa sexta feira, se da conta do carnaval e vai pra avenida tomar o palácio de inverno. São presos ao enredo da Rússia de 17. Todo ano e o ano todo o mesmo enredo. Pra nós a revolução é construída na vida, em processo, a cada dia, avançando a cada vitória e superando cada derrota.
Nossa estratégia é a constituição de maiorias sociais e políticas. Não existe revolução sem maiorias sociais organizadas e conscientes do papel de transformar a sociedade. Revolução de vanguarda não é revolução, ou é golpe ou é uma tomada de poder que se transformará em ditadura. Nossa estratégia, a da CNB e a do PT, é a estratégia democrática de formação de maioria e qualificação substantiva permanente da democracia, ampliando-a, incorporando o povo, avançando na formação cultural do povo, abrindo espaços de participação e politização. Sendo assim, cada prefeitura que ganhamos, cada governo do Estado, cada vez que ocupamos a Presidência da República e mudamos a vida concreta e real de milhões de seres humanos concretos, estamos jogando água no açude da revolução brasileira.
Até acredito que não é por pura maldade que boa parte da pseudo esquerda petista que crítica a CNB, com o mesmo discurso da direita mais raivosa e ideológica, que dizia que quando Lula criou o Bolsa Família, aquilo era politica assistencialista; ou que o ProUni era errado, pois fortalecia as universidades privadas. É porque eles tem uma visão idealista, hegeliana, e, no frigir dos ovos, elitista do mundo. A revolução é um ato ideal, um ato puro, um ato teatral e carnavalesco, puro, controlado pelas ideias e pela estética que se forma na cabeça deles. Assim, da pra voltar e corrigir o que não esta bonitinho no texto… Não interage com o povo, não interage com a realidade. O povo na verdade não é o agente concreto e principal. O povo é só o glacê e a decoração de um bolo sem massa.
A nossa estratégia é o da revolução das maiorias; da revolução democrática; da revolução com o povo; da estratégia democrática e popular que pressupõe mudar a vida do povo; melhorar suas condições materiais de vida; elevar sua condição de apropriação dos bens culturais. Pressupõe casa melhor; bairros melhores; salários melhores; mais tempo livre; mais educação; mais saúde; mais condições de valorização, produção e consumo crítico de bens culturais, os populares e os clássicos universais. Esse é um processo longo, extenso e em rede. Se dá, na organização popular nos bairros e periferias; se dá, na organização nas fabricas e escolas; se dá, nas nossas Prefeituras e nas políticas transformadoras que realizamos, também em maior escala nos nossos governos estaduais.
Temos muito que melhorar? Temos! Nosso partido precisa ser mais orgânico e estar mais presente de forma militante e organizado nas periferias? Precisa! Devemos ser menos inorgânicos e menos comitês eleitorais e sermos mais partido movimento e partido escola de formação do povo? Precisamos? Mas onde a dita esquerda dirige os diretórios estaduais e municipais fazem diferente? Não! Então a tarefa de organização do PT é de todos nós! E a culpa polos erros também!
Não será com o abandono da polícia de alianças que foi vitoriosa em 2002 que vamos corrigir os erros de não termos fortalecido a Frente de Esquerda no âmbito da coalizão maior de nossos governos; e de não termos organizado o povo para sustentar a democracia. Corrigir os erros não significa jogar fora a criança junto com a água do banho. Significa antes e sobretudo, reter o que foi positivo e corrigir os erros.
Infelizmente é isso que a pseudo esquerda petista quer fazer. Aliás vem fazendo desde que ganhou força ainda no governo Dilma. Foi essa inclusive uma das causas de nossa derrota, porque tem esse pessoal tem vocação para o isolamento.
Me lembro de um episódio que vivi como prefeito no governo Dilma. Fui ao palácio numa audiência com o ministro da Articulação Política do governo, o deputado federal Pepe Vargas do PT do RS e da DS. Fui inclusive muito bem recebido pelo chefe de Gabinete, que havia sido prefeito de uma simpática cidade do Rio Grande do Sul, com quem fiquei conversando por meia hora antes de ser recebido pelo ministro. Ele me contou que também tinha sido prefeito e que havia perdido a reeleição por apenas 3%. E emendou: o PP queria aliança conosco, e o candidato deles teve 6%, não aceitei fazer aliança com a direita. Perdemos, mas mantivemos nossa posição ideológica! Saí de lá dizendo: Fudeu! Isso não pode dar certo! Essa é a visão de nossa articulação política? O resultado nós vimos qual foi…
De lá pra cá tem sido essa a tônica. Melhor ser derrotado mas não perder a pureza ideológica. Eu pergunto: e o povo da cidade? que certamente teve a vida melhorada por um governo petista e de esquerda? Não se levou em conta? A mesma coisa serve para o Brasil. As alianças, num país onde o nível de consciência do povo é arcaico, fruto de anos de escravidão e iniquidades por parte das elites, que produziu um imenso embrutecimento das classes populares, levam em conta não uma vontade de pureza, mas uma necessidade política. Levam em conta a análise concreta da realidade nacional. Da diversidade da realidade nacional.
Nessas eleições municipais fomos nós da CNB , instados pela liderança do presidente Lula, que defendemos a tática de lançar candidaturas próprias nas capitais e nas cidades reprodutoras de TV e as acima de 200 mil eleitores. Em Recife, por exemplo, a DS apoiou a intervenção contra Marilia Arraes. Como correntes que se auto proclamam “mais à esquerda” defenderam alianças com o “Republicanos” em Caxias, no Maranhão. Então não venham querer transformar Belford Roxo no centro do mundo! Porque Belford Roxo, aquela cidade abandonada da Baixada Fluminense, onde Lula tinha 67% das intenções de votos mesmo na cadeia (injustamente, diga-se com todas as letras), e, quando foi impedido de concorrer, e os votos “dele” migraram para Bolsonaro, é parte de uma complexa rede de cidades onde o PT precisa definir a melhor tática para o povo local e para nosso fortalecimento para a disputa de 22.
Waguinho não é bolsonarista. Muito menos é de esquerda. Doutor Tancredo disse uma vez, perguntado se o PSD era comunista como Jango ou racionario como Magalhaes Pinto e Carlos Lacerda, ele respondeu: “Meu filho, entre a Bíblia e O Capital, o PSD fica com o Diário Oficial”. Não entender esse caráter histórico de uma parcela da política e dos políticos brasileiros é se abster de disputar a maioria e ficar preso aos 30% da esquerda. É deixar que nossos adversários da direita e do fascismo os atraia, rompendo as relações com o mundo e a vida real.
Tentar demonizar os adversários internos. Usar imagens e episódios pontuais como verdade. Atacar e difamar oponentes do mesmo campo nas redes é tática tão fascista como a dos bolsonaristas. Eu mesmo fui alvo de ofensas de pseudos militantes de esquerda até em postagem familiar do dia dos pais, em foto com meu neto e meu filho… Isso é prática de gente de esquerda? De gente que se diz libertaria? São práticas tão fascistas quanto as dos bolsonaristas!
Um anacrônico e caricatural dirigente de uma das correntes da pseudo esquerda petista me chamou de traidor e disse que não me chamaria de companheiro. Como se eu não fosse dormir por conta disso… Atitudes como deste personagem, que parece ter saído tardiamente de uma adaptação mal feita para o teatro nacional dos “10 anos que abalaram o mundo”, onde essa espécie de Peter Pan jacobino, vem incentivando sua minguada Ospália a agredir todos os que não usam seu nariz vermelho. Podia ser uma suástica…. Não se diferencia da empáfia dos filhos de Bolsonaro.
Essas figuras minoritárias e sem importância na vida real eu entendo, como entendo o universo magico e lúdico das crianças. Mas ver ex-presidentes do PT assinando um manifesto sobre Belford Roxo? um ato dessa magnitude, da junção urgente e imoerativa de ex-presidentes, uns que até defenderam a expulsão de outros do partido, só se explicaria se houvesse uma ameaça a história do PT. Será que a desejo de arrivismo com a atual presidência vale o ridículo? vale o apequenamento? Cheguei a brincar que a esquerda teve na história sua batalha contra o fascismo em momentos dramáticos e decisivos. Trotsky venceu os exércitos brancos e a sanha fascista (quando o termo ainda nem tinha sido cunhado historicamente) de restauração; Stalin venceu e derrotou os nazistas na Batalha de Stalingrado; Fidel expulsou os mercenários e agentes da Cia em Praia Girón. Nossos presidentes escolheram a Batalha de Belford Roxo…
A CNB precisa dirigir o PT e o PT dirigir o Brasil rumo a revolução democrática e popular. Não podemos ficar presos a um esquerdismo infantil. Temos vocação para a disputa do poder. Temos vocação para, ao ganhar governos, mudar a vida das pessoas concretas. De um povo real que vive na total precariedade e, com nossos governos, passa a ter um mínimo de dignidade. Esse mínimo de dignidade possibilita que milhões consumam, comam, morem, estudem, acreditem em si próprios, deem passos rumo a dignidade humana. Primeira etapa de uma luta por emancipação.
Quem sonha, vive e atua em favor de uma revolução sem povo, construída nas nuvens e na sua teoria pura, pode não querer se embrenhar no mato e pisar na lama das periferias, da Baixada Fluminense, do Capão Redondo ou de qualquer periferia desse país, onde o povo sofre e a vida é torta. Quem quer uma revolução democrática e popular atua na realidade. identifica no território os adversários principais e os aliados circunstanciais. Fortalece sua organização e sua militância. Prepara as vitorias futuras e atrai aliados para isso.
Nós queremos construir desde já a vitória do Lula ou do Haddad em 2022. Não podemos perder tempo com lutas intestinas e com a transformação do secundário em principal. Transformar Belford Roxo na sua batalha pessoal de Slaingrado é além de obtusidade, má fé e falsificação histórica. A CNB precisa dar rumo a essa náu do PT. Caso contrário esses marinheiros de video-game da pseudo esquerda petista vão nos fazer ficar parados no porto, à deriva, uma espécie de deriva da inércia, sem sequer ter saído no mar pra navegar. Afundaremos parados no cais. Se os lusitanos a quem tanto acusam pelos males nacionais tem algo a ensinar é que “Navegar é preciso!”.
Washington Quaquá é vice presidente nacional do PT, deputado federal eleito com 74.175 votos e cassado pela ditadura do judiciário brasileiro; foi prefeito de Maricá por 2 mandatos (2009 a 2016).