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A autora de blockbusters Marion Zimmer Bradley (Brumas de Avalon) certa feita sentenciou que não há nenhuma obra literária relevante escrita em português. Enquanto sua brumosa epopeia derivava a lenda do Rei Arthur e vendia copiosamente, sendo adaptada à tevê e tudo, o coro de submissos aplaudia e o mercado editorial consagrava o romance anglófono como ápice da expressão literária. Precisou Harold Bloom, um crítico conservador, desconstruindo a estupidez dita por Mrs. Bradley, incluir no cânone (onde obviamente ela não estava) os nomes de Camões, Fernando Pessoa e Machado de Assis. E só não constou José Saramago porque à época era um autor vivo, mas Bloom o qualificou como o "último dos titãs", fazendo remissão a sua teoria de que já não há mais grandes romancistas.
Por falar em romancistas, difícil seria dizer qual o maior de todos os romances. Eu próprio, e é uma questão de gosto pessoal, oscilo entre Quixote, A Náusea, Irmãos Karamazov e Moby Dick, mas confesso certa predileção por este último. Escrito em inglês por um norteamericano, este livro só veio a existir, a mirar os abismos marinhos e seus monstros, porque Melville leu Camões, o mesmo Camões que morria junto com sua pátria, quando ruía o império lusitano após o sumiço do infante Dom Sebastião em batalha.
Vivemos tempos difíceis para a lusofonia desde então. A supremacia dos que escrevem em inglês, garantidos lugares secundários honrosos a falantes de francês, espanhol, alemão etc, não se dá por melhor qualidade dos autores, mas por um declarado impulso marxista, já que a economia é a base de tudo, pois é perigosíssimo ao status quo permitir um ressurgimento dos portugueses, mesmo que na pele de seus descendentes soltos no mundo. Se há que os calar, oh pá. Por conta disso o prêmio Nobel de Literatura só foi concedido (e isso foi literalmente uma concessão, estava pegando mal) a Saramago e não se o cogita mais com seriedade a outro autor lusófono tão cedo.
Contra a grita de um monte de especialistas eu defendo, desde a publicação de Leite derramado, que o autor com melhor condição de fazer o Brasil estrear no panteão do Nobel, e na categoria Literatura, é Chico Buarque. Dirão especialistas e não especialistas que minha sentença decorre de fatores sentimentais, é troca de favores, é só porque o Chico gosta de tu, larga de ser besta, tu é petralha e tua opinião é ideológica blablabá. Há um quê de sentimento, sim, na minha análise, mas ela tem respaldo científico, deem-me licença que sei o que falo, do riscado eu conheço. Quando lancei minha tese eu nem livro publicado tinha e nem imaginava um dia ter acesso ao autor. Sim, é uma idolatria que vem da infância, mas que se dá por conta da obra, em especial a poética, que é essencialmente literária, pra além de musical, e quem o diz é Carlos Drummond de Andrade, nossa chance de Nobel malograda.
Não há, vivo, quem tenha feito mais pela Língua Portuguesa que Chico Buarque de Hollanda. Ponto.
Ah, mas os romances dele não atingem a qualidade da poesia. Mentira: seus romances são poemas, que o digam Budapeste e Leite derramado, este já derivado de uma canção, O velho Francisco. E suas canções são contos, ou romances que o diga Sinhá, o "conto de um cantor". Guilherme Shakespeare, o maior expoente da Literatura universal, segundo Mr. Bloom, não escreveu um romance, lembremos: sua obra centra-se em poemas e peças de teatro, duas searas em que Chico simplesmente arrebenta. E ainda manda uns romances magníficos, pra desespero de um bando de alucinados e, aí sim, digo eu, entra a questão ideológica. Podiam ficar de boas e aguardar talvez um “escritor de direita”, se é que há isso, ser condecorado com o Camões, como foi agora o Chico, tardia e merecidamente. Mas eu acho que ele faz jus é ao Nobel, até porque aquela Academia onde figuram curiosidades feito Sarney, FHC e Paulo Coelho jamais o deve acolher.
Chico faz jus ao Nobel porque o Nobel foi dado pra Bob Dylan. E foi merecido: é poeta de uma geração, voz da esperança de um mundo novo, que se fez ouvir através do veículo musical, mas cujas palavras, letras, literatura, é que explicaram. Em termos literários Bob a sua Tarântula não têm condição de ser comparados à obra buarqueana, como bem salientou o escritor Sérgio Rodrigues em artigo feito no calor da condecoração.
A lusofonia é deliberadamente excluída do proscênio da Literatura, e isto se deve a um movimento político. Os portugueses um dia saíram de um quintal pedregoso numa Europa exaurida por guerras e devastações, e descobriram um mundo novo pra explorar, saquear, pilhar, sustentar a Humanidade faminta. Espalharam uma Língua grandiosa, que tem cultores ilustres a perpetuá-la, porque a função dos poetas é perpetuar a Língua, já o disse Eliot, em bom inglês. A aventura da anglofonia tardia, esse capitalismo maluco norte-americano apoiado pela Inglaterra, não foi capaz de uma epopeia no espaço. É pífia a jornada nas estrelas. Não se planta na Lua, não tem água em Marte nem povos pra escravizar em Vênus, é tudo uma obra de ficção científica triste e sem sentido, cinema bem aquém de romance. O Brasil que ecoa o Português é um perigo pra hegemonia americana, é preciso golpeá-lo, calá-lo, impor-lhe um governo pulha e antipoético através de um conchavo com as seculares elites e o lumpesinato inculto. Mas eu tenho esperança nos nossos poetas: Nobel da Paz para Lula, e de Literatura para Chico Buarque.