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Djamila Ribeiro, filosofa, escritora e feminista negra, publicou nas suas redes sociais a carta que escreveu para o ex-presidente Lula neste domingo (7), data em que ele completa um ano de prisão política.
Ao publicar, Djamila presta solidariedade e avisa aos seguidores "se vier destilar ódio, será bloqueado."
"Um ano dessa prisão arbitrária. Aqui, minha solidariedade ao presidente Lula. PS: se vier destilar ódio, será bloqueado.", escreveu a filosofa.
Leia carta na integra:
Estimado Presidente Lula,
Expresso nesta carta minha profunda solidariedade frente às injustas condenações e perseguições judiciais sofridas por você e sua família. Acompanho desde o início a farsa jurídica posta em curso para legitimar o antipetismo, a deterioração de empresas nacionais e a alteração no curso eleitoral brasileiro, farsa cada vez mais escancarada agora com o juiz como ministro da justiça do candidato favorecido pelo seu afastamento na disputa.
Não o conheço para além de um cumprimento uma única vez na quadra do Sindicato dos Bancários em São Paulo, em 2016, bem como, embora tenha sido Secretária Adjunta de Direitos Humanos na gestão de Fernando Haddad, não faço parte de partido político. Nem por isso, deixo de admirar as conquistas de seus mandatos para o país; pelo contrário, sou de família de trabalhadores que o apoiaram desde minha infância.
Meu pai, Joaquim Ribeiro dos Santos, estivador do porto de Santos, uma semana antes de falecer no hospital da cidade, folheava o jornal que trazia sua foto como Presidente da República. Havia acabado de acontecer aquele dia apoteótico em Brasília, que tanto encheu as pessoas de esperanças. Olhando a foto, com os olhos marejados, Seu Joaquim disse “vivi para ver um trabalhador ser Presidente”. Sua eleição foi um último presente antes da morte de meu pai.
Naquela época tinha 22 anos, mais à frente ia ser mãe, a vida me traria tantos outros desafios até que me vi com 27 anos e inquieta para fazer uma Faculdade e ter uma carreira diferente daquela que vivia como secretária numa empresa no Porto de Santos. Fui então ao vestibular e passei em Filosofia na Universidade Federal de São Paulo, no campus do Bairro dos Pimentas, criado durante sua gestão. Fui uma adolescente negra nos anos 90, sabia da falta de perspectiva que havia para pessoas como eu, e as mudanças promovidas pelo seu governo possibilitaram uma outra realidade para mim e para tantas pessoas. Saí em 2015, mestra em Filosofia Política, e desde então tenho me saído muito bem. Oportunidades mudam vidas.
Por isso, embora tenha ficado brava com você algumas vezes, não deixo jamais de reconhecer a importância do seu governo para pessoas do meu grupo social, sendo eu mesma um exemplo disso. Reverencio as mulheres negras que fizeram parte decisiva de políticas públicas para as pessoas negras, como a grande Luiza Bairros, Matilde Ribeiro, Nilma Lino Gomes, na certeza de que será apenas quando o campo progressista entender a pauta racial para além de um ministério que haverá maturidade suficiente para entender os novos tempos e o povo brasileiro.
Como feminista negra, me alio a Joice Berth, Juliana Borges, Carla Akotirene, as mais velhas e mais novas, uma legião de mulheres negras que pensam o mundo, a economia, as cidades, os esportes, a saúde, a educação e que estão em outro patamar de afirmação política, muito além da visão de gabinete de pessoas brancas que não aceitam a reconfiguração de espaço e de poder frente às mudanças estruturais da sociedade, graças, em boa parte, às políticas públicas formuladas pelo governo.
Convenhamos, senhor Presidente, há uma série de fatos que mostram o quanto o setor progressista tem que evoluir e coexistir com outros campos. Coexistir com pessoas negras que são independentes da tutela e aprovação de pessoas brancas, indomesticáveis, e que ditam o mundo a partir de suas experiências em comum e luz própria. Senhor presidente, é isso que o futuro pede. Uma política de drogas totalmente diferente da que foi feita nos anos de superlotação carcerária, uma representatividade real aliada à consciência crítica no Judiciário brasileiro, uma reformulação do pensamento colonizado da elite progressista do país. A disputa além da branquitude de esquerda e de direita produz mudanças radicais na sociedade brasileira, mas se percebe uma grande dificuldade em entender isso de fato, materialmente.
Espero trocar outras cartas, Presidente Lula. Saiba que você está em meus pensamentos e que a injustiça que se passa na carceragem da Polícia Federal de Curitiba é percebida por milhões aqui fora, sem contar internacionalmente, onde sua prisão é tida como um dos grandes absurdos políticos em curso. Tenho ido bastante ao exterior, e explicar o que se tornou o Brasil tem sido um grande desafio aos olhos incrédulos de quem já viu o porte deste país, quando as pessoas tinham orgulho e eram respeitadas por serem brasileiras. Era no seu governo e no de Dilma essa realidade.
Fique bem, fique em paz. Peço a Oxalá que tranquilize seu caminho.
Um abraço,
Djamila Ribeiro