Por Sheila Jacob, especial para a Fórum
Sessão do Colégio Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), realizada na manhã desta quinta-feira (11), decidiu pelos nomes que constarão na lista tríplice a ser enviada ao governo para a escolha do próximo reitor da instituição. Só que algo inédito aconteceu. Pela primeira vez, a maioria dos professores conselheiros não seguiu o resultado das urnas. Encabeça a lista um candidato que não participou de nenhum debate e não passou pela consulta eleitoral. Trata-se de Ricardo Silva Cardoso, atual vice-reitor. Depois dele, vêm os professores Leonardo Villela de Castro, que teve 72% dos votos válidos, e Claudia Aiub, com 28%. Os nomes serão encaminhados ao presidente Jair Bolsonaro para decidir quem estará à frente da gestão 2019-2023.
O auditório estava lotado, com significativa presença de docentes e estudantes. Durante a votação, ouviam-se gritos de “é golpe” e “respeitem a decisão da comunidade”. Também houve momentos em que estudantes estenderam uma faixa, com os dizeres "Abaixo a intervenção bolsonarista. Que a comunidade acadêmica escolha". Para muitos dos que estavam ali, o que aconteceu representa um ataque à democracia e à autonomia universitária. “Tudo indica que nosso próximo reitor vai ser um interventor biônico. No passado, muitos foram torturados e mortos para o restabelecimento da democracia no país. Desde então, pela primeira vez teremos um reitor que não passou pela consulta eleitoral”, afirmou o professor Rodrigo Castelo, da Seção Sindical Docente da Unirio (Adunirio).
Ele citou o Estatuto da Universidade, em seus artigos 11 e 14, que diz que “compete aos Conselhos Superiores indicação de reitor e vice-reitor, com consulta prévia à comunidade universitária”. Segundo Castelo, esse contrato social foi rompido pelo colégio eleitoral nesta manhã. Na opinião dele, a Unirio pode servir de balão de ensaio para a volta do autoritarismo no Brasil.
Eleição No dia 26 de fevereiro, houve uma reunião dos Conselhos Superiores da Unirio. Na ocasião, decidiu-se, por ampla maioria, pela realização de uma consulta paritária. Ou seja, os votos de estudantes, professores e funcionários teriam o mesmo peso, o que ocorre desde 2004. Um mês depois, vieram as eleições. Duas chapas participaram do processo: a chapa 1, formada pelos professores Leonardo Vilela de Castro e Maria do Carmo Ferreira; e a chapa 2, composta por Claudia Aiub e Luiz Amancio. Apesar do curto tempo de debates, campanha e votação – duas semanas no total –, mais de 3800 pessoas compareceram às urnas em todos os campi e polos de Educação à distância. A chapa 1 foi a escolhida pela comunidade acadêmica, com 2753 votos válidos (214 de estudantes, 367 de técnicos e 2172 de estudantes). A chapa 2 teve 904 votos (123 docentes, 110 técnicos e 671 estudantes).
No entanto, ao contrário do que vinha sendo a prática, esse resultado não orientou a lista tríplice a ser enviada ao governo federal. O professor Ricardo Silva Cardoso foi o mais votado pelo colégio eleitoral nesta quinta-feira (65 votos), seguido por Leonardo Castro (52), Cláudia Aiub (20) e Helton Setta (10). Este último também não participou da consulta eleitoral. Houve, ainda, oito ausências de conselheiros e duas abstenções.
Críticas à reitoria Muitos professores criticaram a forma como a reitoria conduziu o processo eleitoral. Anunciou para a segunda-feira, 8 de abril, uma apresentação dos planos de gestão dos candidatos sem a possibilidade de debates, perguntas, réplicas ou tréplicas. A cada um foram concedidos, no máximo, vinte minutos. Também não foi divulgada, no site da universidade, a data da consulta eleitoral, nem disponibilizados ônibus para os campi distantes.
O atual reitor, Luiz Pedro San Gil Jutuca, disse em resposta que não havia condições de atender ao que foi solicitado. “As universidades federais passam por graves problemas financeiros, sem condições de abastecer carros para ir a polos distantes quando não há uma justificativa legal”. Questionado se a consulta eleitoral poderia ser considerada uma justificativa, ele disse que não. A professora Maria Aparecida Silva Ribeiro, da Comissão Eleitoral, criticou essa postura, caracterizando-a como uma omissão. “Cabe à gestão conduzir os processos para sua sucessão. Isso faz parte da democracia. Nós só conseguimos fazer a eleição porque, junto com o DCE e com as associações de docentes e funcionários, trabalhamos arduamente para isso”, destacou.
Jutuca também questionou a paridade aprovada nos conselhos, o que, nas suas palavras, está à margem da lei. Citou a Nota Técnica de dezembro de 2018, emitida no governo Temer, que define que o peso do voto dos docentes deve ser de 70%. “Ninguém aqui proibiu o colégio eleitoral de ratificar a consulta. Os professores reunidos hoje não seguiram a tradição da universidade”, afirmou.
O professor Ricardo Silva Cardoso justificou sua não participação na consulta eleitoral. Ele disse ter tido dificuldades de conseguir um vice para compor a chapa. Já a professora Maria Aparecida Silva Ribeiro afirmou que não chegou, à Comissão Eleitoral, qualquer informação sobre isso. “O professor Ricardo deveria ter nos procurado e informado oficialmente por que não podia fazer a inscrição. Nós poderíamos ter avaliado a situação e inclusive concedido uma prorrogação”, explicou.
O professor eleito na consulta, Leonardo de Castro, também comentou sobre a postura do professor Ricardo. “É lamentável que ele tenha desprestigiado o rito e o Estatuto da própria instituição”. Mesmo criticando o concorrente e a posição da reitoria, ele disse enxergar pontos positivos, como o fortalecimento da democracia interna. “Nossa campanha foi muito importante. Os debates tiveram ampla participação da comunidade acadêmica, o que nos fez avançar na formulação das propostas. Conseguimos formar um bloco muito forte, que vai investir no diálogo com a próxima gestão e aprofundar a democracia e a transparência, além de pensar e propor políticas para a universidade”, concluiu.