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POLÍTICA
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Por Juan Leal*
Ainda no início do seu terceiro mês, o governo Bolsonaro deixou evidente a sua ineficiência e a incapacidade de dar a resposta prometida para a grave crise econômica em que o país se encontra. As disputas internas deflagradas antes mesmo da posse oficial e a falta de um projeto claro – que não é surpresa para ninguém – descortinaram a pequenez política de Bolsonaro e o seu verdadeiro papel de franco atirador do conservadorismo.
No momento em que o capitalismo precisa avançar agressivamente contra os direitos da classe trabalhadora para se reestruturar, o reestabelecimento de uma nova Cultura hegemônica, com bases mais sólidas no autoritarismo e no medo, é fundamental para o apaziguamento da população diante dos ataques. Mas não só o sistema, também o governo vê, por esse caminho, a saída para a sua sobrevivência.
Apesar do discurso de confiança dos empresários em relação ao governo atual, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE) revisou e rebaixou a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 2019, principalmente devido à recuada evolução recente da atividade econômica. Ao mesmo tempo, as lideranças do governo da Câmara afirmam que não há maioria sequer nas Comissões para a aprovação da tão sonhada (e famigerada) Reforma da Previdência, o “carro-chefe” de Paulo Guedes. Não é coincidência, tampouco cortina de fumaça, que, na mesma semana, Bolsonaro tenha resolvido contra-atacar as manifestações que recebeu no Carnaval através de uma postagem em sua rede social sobre o tal “golden shower”.
Bolsonaro é o soldado da tropa de primeira linha.
O presidente assumiu sua posição de agente ativo de produção e difusão da cultura ultraconservadora, em um governo que, semanalmente, são divulgadas declarações que entram em choque com a razoabilidade racional. Longe de ser uma forma de distração ou de qualquer patologia mental - como muitos opositores afirmam em suas vociferantes denúncias -, essa forma de governar é tática, essencial para o plano político definido. Os valores morais provindos de dogmas religiosos são o norte que direciona o exército bolsonarista, com o claro objetivo de dizimar o racionalismo. Este é um aspecto importante da guerra cultural observado pelo sociólogo James Hunter, em seu livro Culture Wars, quando analisou a grande polarização na sociedade norte-americana em torno de questões como aborto, censura, direitos dos LGBTs, porte de armas e uma suposta doutrinação das escolas. O conservadorismo do governo Bolsonaro é a radical tentativa de produzir uma sociedade em que os fundamentos morais transcendentais se sobrepõem à materialidade da vida e ao desenvolvimento do raciocínio crítico, buscando engessar a capacidade de se adaptar aos novos tempos de ascensão das lutas por direitos civis e sociais.
Contudo, na guerra, é preciso analisar cuidadosamente cada movimento para não cair em armadilhas. Quando Bolsonaro decidiu postar o vídeo com conteúdo pornográfico e o associou à folia carnavalesca, cometeu um grave erro e entrou em campo minado. Mantendo a prática do sensacionalismo estridente, o presidente chocou sua própria base social com a divulgação das imagens em sua rede com mais de 3,5 milhões de seguidores e acabou fazendo justamente o que ele costuma atribuir aos seus opositores. Com isso, o governo viu minguar o apoio nas redes sociais e a ridicularização de Bolsonaro estampou a capa de jornais internacionais.
Para além da pornochanchada presidencial, uma questão deve ficar nítida: não se ataca o Momo no país do carnaval. As reações contrárias foram imediatas e ganharam grandes proporções de comunicação, gerando reconhecimento também em eleitores bolsonaristas.
Esse cenário demonstra que, se a ultradireita brasileira, com amplo apoio norte americano, ganhou espaço de poder institucional, não há qualquer definição de resultado na batalha no campo da Cultura e a disputa pela “autoridade moral” está se dando na produção cultural popular. Mesmo que no meio da guerra, o povo demonstrou, por meio da irreverência carnavalesca, que ainda há tempo de tirar o atraso e avançar as tropas contra hegemônicas, desde que o lado de cá assuma: estamos em guerra cultural.
*Juan Leal é produtor cultural e coordenador da Escola de Teatro Popular – RJ
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