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Menos gabinetes e escritórios, mais militância nas comunidades, nas ruas, no meio do povo. É dessa forma que a Unidade Popular pelo Socialismo (UP), movimento socialista que surgiu em meio às Jornadas de Junho de 2013, pretende formalizar-se como partido em março próximo e partir para a luta contra a onda conservadora - que, em grande parte, tomou forma no mesmo junho de 2013, com o surgimento de organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua.
[caption id="attachment_167259" align="alignleft" width="300"] Leonardo Péricles, coordenador nacional da Unidade Popular (Divulgaçã)[/caption]
Negro, ativista de movimentos de moradia e morador da Ocupação Eliana Silva em Belo Horizonte (MG), Leonardo Péricles, de 37 anos, é presidente da Comissão Nacional Provisória, que já conta com nove diretórios estaduais reconhecidos pelos Tribunais Regionais Eleitorais. Em março, o partido vai eleger o Diretório Nacional para dar entrada no registro eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral. Mais de 1,2 milhão de pessoas já assinaram a favor da criação do novo partido.
Segundo Leonardo, o movimento surgiu do esgotamento da chamada "esquerda institucional" e da quase totalidade dos atuais partidos existentes. "Alguns foram cooptados, tomando o errôneo caminho de aliança com as grandes empresas, bancos e empreiteiras. Outros, tentando fazer frente a essa traição, assumiram um discurso radical, mas que, na prática, não dialogam com a classe trabalhadora, ou priorizam uma atuação para a classe média, com foco meramente eleitoral."
Segundo ele, a onda conservadora que culminou na eleição de Jair Bolsonaro (PSL) fortalece ainda mais as ideias socialistas. "Até pesquisas nos EUA, coração do capitalismo mundial, demostraram isto. Portanto, é momento de não ter medo, é momento de fortalecer a resistência e de nos preparar para a contraofensiva, entendendo que a vida somente será digna para a maioria da população quando superarmos o capitalismo", diz.
Em entrevista exclusiva à Fórum, Leonardo disse que a luta se dará trabalhando a indignação existente no meio do povo para lutar. "Trata-se de um trabalho de reeducação, de debater de forma franca e aberta com o conjunto do movimento popular que devemos guiar nossas lutas sob a bandeira do enfrentamento, não da conciliação. Menos gabinetes e escritórios, mais militância nas comunidades, nas ruas, no meio do povo".
Fórum – Em meio a uma avalanche conservadora, como surgiu a Unidade Popular?
Leornardo Péricles – Surgiu da necessidade de militantes de diversos movimentos populares, sindicalistas, ativistas e jovens, socialistas e comunistas, que há muitos anos desenvolvem importantes e combativas lutas pelos direitos do povo em seus estados, mas que há muito tempo não se sentiam mais representados pelos partidos legais existentes, após as chamadas Jornadas de Junho, quando milhares de pessoas tomaram as ruas do Brasil em 2013, exigindo melhorias no transporte público, saúde, educação, moradia e mais democracia. Além disso, a necessidade de ruptura com as classes ricas, com a burguesia brasileira, a necessidade de taxar as grandes fortunas, de auditar e reverter a dívida pública, de lutar pelo socialismo como única alternativa para a classe trabalhadora. Somemos a isso um esgotamento da chamada "esquerda institucional" e da quase totalidade dos atuais partidos existentes. Alguns foram cooptados, tomando o errôneo caminho de aliança com as grandes empresas, bancos e empreiteiras. Outros, tentando fazer frente a essa traição, assumiram um discurso radical, mas que, na prática, não dialogam com a classe trabalhadora, ou priorizam uma atuação para a classe média, com foco meramente eleitoral. A UP, pelo contrário, se afirma como um partido da classe trabalhadora em todas a suas dimensões: operários, servidores públicos, trabalhadores de serviços, camponeses, donas de casa, jovens das periferias, estudantes universitários e secundaristas, mulheres que militam na causa feminista, negros e negras, população LGBT, indígenas, etc.
A legislação vigente exige que, para obter o registro eleitoral, um partido político em processo de criação deve preencher, no prazo máximo de dois anos, uma série de requisitos burocráticos e de reconhecimento popular. A principal exigência é a comprovação de que quase 500 mil eleitores declarem expressamente, por escrito, que apoiam a formação daquele partido. Nós coletamos 1 milhão e 200 mil assinaturas, em 17 estados, e os cartórios eleitorais de todo o país já validaram uma quantidade de assinaturas muito próxima do exigido, além do mais, já temos 9 diretórios estaduais reconhecidos pelos seus respectivos TREs. Foi, sem dúvida, um imenso trabalho coletivo, só possível devido à disciplina, dedicação e organização da nossa militância.
Fórum – Quais os principais objetivos do partido e do congresso que será realizado em março?
Leornardo Péricles – Primeiro, defendemos um partido sem privilégios para nenhum de seus dirigentes ou militantes. Uma de nossas regras é que devemos fazer política porque acreditamos, não para ganhar dinheiro. Para nós, a política é um instrumento de transformação da vida da maioria do povo. Assim, um dos nossos maiores objetivos é formar um grande partido de militantes, que dê espaço para o povo pobre, para as pessoas simples que nunca participaram da política se sentirem a vontade para fazê-lo. Consideramos que este partido deve se autossustentar, sem depender de nenhum centavo de grandes empresas e empresários. Pelo contrário, ao invés de conciliar com a burguesia, precisamos combatê-la por meio da crítica aos políticos que estão a seu serviço e por meio das lutas classistas e combativas em todos os setores da sociedade. É preciso crescer nossa atuação nas vilas, favelas, bairros pobres, fábricas, tribos indígenas, quilombos, escolas e universidades e demais lugares onde vive e trabalha a maioria do povo. Assim, em unidade com todos aqueles e aquelas que não se venderam nem se entregaram à falta de perspectiva, defendemos um programa de medidas que consiste em: taxar as grandes fortunas; enfrentar e frear a especulação imobiliária; controlar os preços dos aluguéis e dos produtos de primeira necessidade; reverter a reforma trabalhista de Temer; suspender o pagamento da dívida pública e realizar uma profunda auditoria desta dívida para saber exatamente quem são os credores, que dívidas são estas que foram contraídas, especialmente no regime militar; exigir o pagamento dos devedores da dívida ativa dos municípios e estados e impedir a sonegação de impostos pelas grandes empresas; além disso, nunca saiu de “moda” a necessidade de realizar a Reforma Agrária e Urbana, que nunca foram realizadas no Brasil. Desta forma, bilhões e bilhões de reais serão arrecadados, assegurando o direito à saúde, educação, alimentação, cultura e outras necessidades básicas.
O 1° Congresso Nacional da UP, que será realizado dias 23 e 24 de março deste ano, será o coroamento de todo este trabalho de construção partidária, seja nas campanhas de coleta de assinaturas e de filiações, seja na formulação da linha política do partido. A eleição do Diretório Nacional definitivo, durante o evento, será nosso último ato antes de protocolarmos o pedido de registro eleitoral da UP junto ao TSE, em Brasília.
Fórum – Como você analisa o governo Bolsonaro?
Leornardo Péricles – Como foi possível sua vitória? Lembremos que o Brasil foi o único país da América Latina que não responsabilizou nem puniu os generais e agentes estatais que ordenaram e praticaram torturas, assassinatos, ocultações de cadáveres, estupros, no período da ditadura militar. Como um candidato à Presidência comete o crime de defender um torturador fascista, como Brilhante Ustra, faz apologias ao estupro, à tortura, à eliminação física de seus opositores, e não é cassado? A impunidade do passado, leva a impunidade no presente, quando PM’s, fardados ou não, agindo em nome do Estado assassinam nossos jovens negros nas periferias em todo Brasil. Não nos esqueçamos que as forças internacionais do imperialismo também atuaram aqui. O Departamento de Estado dos EUA e os banqueiros nacionais e internacionais, injetaram bilhões de dólares na campanha, Bolsonaro foi eleito com uma campanha de mentiras através das redes sociais, foram milhões de disparos de mensagens de WhatsApp, inclusive contratados do exterior. Também a tal facada fez com que Bolsonaro se transformasse no candidato com mais tempo de TV, contando com uma cobertura quase em tempo integral de sua situação de saúde. Agora também está evidente, com a composição de seu Ministério, que as Forças Armadas tiveram papel ativo e decisivo no processo eleitoral. Mas acredito que já está claro para uma grande parcela da população que este governo veio, na verdade, para retirar direitos e defender os grandes capitalistas. Que sequer Bolsonaro é, de fato, o presidente. As denúncias veem à tona a todo o instante e as divisões entre as facções dentro do poder começam a desmoralizar o populismo que venceu as eleições. É um governo que quer fazer uma Reforma da Previdência muito pior que a do ex-presidente Temer, é um governo que vai perseguir adversários e passar a mão na cabeça de alguns aliados. Corrupção pura.
Fórum – E como vê a configuração conservadora no legislativo? Dentro de um discurso de inovação, vimos que o eleitorado acabou escolhendo mais do mesmo na política. Como a UP pretende dialogar com esse eleitorado - que tende a ficar órfão a cada dia que Bolsonaro mostra realmente seus propósitos?
Leornardo Péricles – Algumas análises são errôneas ao verem apenas uma suposta “derrota da esquerda”. Não nos esqueçamos que o anti-PSDB e anti-PMDB foi bem maior. A esquerda jamais terá maioria debaixo desta verdadeira ditadura do capital que enfrentamos. Deste modo, a condição de termos conquistas populares não está, como alguns acham, em focar no trabalho eleitoral, está em termos força social para desencadearmos gigantescas mobilizações. Somente com manifestações nas ruas, com lutas, com greves dos setores estratégicos e ampla mobilização popular, nossa resistência poderá impedir as medidas reacionárias contra os trabalhadores. Precisamos resgatar o legado dos parlamentares combativos que não tem como centro ser reeleitos, mas que utilizam seus mandatos para apoiar e desenvolver este grande movimento, que utilizam a expressão e peso que têm, se apresentando, se colocando no meio do povo e sendo participantes ativos das lutas, mais que apoiar têm que estar junto nas lutas. Só desta forma poderemos ter condições de influir nos acontecimentos nacionais e reverter as medidas anti-povo implementadas nos últimos anos.
Fórum – Você fez parte da Auditoria Cidadã da Dívida, como analisa a pressa do ministro Paulo Guedes em fazer a Reforma da Previdência?
Leornardo Péricles – Primeiro que já não é possível ter uma vida digna ganhando um salário mínimo. Hoje, segundo o IBGE, mais de 40 milhões de trabalhadores, cansados de ouvirem "não" quando procuram emprego, decidiram vender qualquer coisa nos trens, ônibus, metrôs ou nas ruas, vivem do trabalho informal e ganham, em média, menos que um salário mínimo, não há um dia de descanso, nem férias, nem outro direito. Numa sociedade capitalista como a que vivemos, é impossível que um trabalhador não fique durante alguns anos desempregado. Então como um trabalhador pode contribuir por 40 anos se ele fica desempregado por vários anos? Outra questão é o falso discurso de que a Previdência é deficitária. A recente CPI da Previdência demonstrou que os patrões descontaram R$ 125 bilhões dos salários dos trabalhadores e não repassaram este dinheiro para os cofres do INSS. Somemos a isso que os 500 maiores devedores devem mais de R$ 400 bilhões à Previdência. Deste modo, vemos o ministro do governo dos militares e laranjas ter pressa para tirar anos de vida dos pobres, da classe trabalhadora, para dar ainda mais tempo de vida aos bilionários. Um governo realmente popular deve pôr fim ao pagamento dos juros da Dívida Pública, considerando os pagamentos de juros e amortizações feitos pelo governo no ano passado, teríamos quase 1 trilhão de reais para melhorar a vida do povo. Lembremo-nos que a última grande chance de auditar a Dívida Pública veio em 2015, um pouco antes da queda da Dilma, pois ela teve em sua mesa a chance de assinar o pedido vindo do Congresso Nacional e simplesmente negou a possibilidade de fazê-la.
Fórum – De que forma, na sua opinião, o campo progressista deve enfrentar esse período de retrocessos no País?
Leornardo Péricles – Em um país que morre mais vítimas de violência do que países que estão em guerra civil e a maioria destes, 71% negros e negras, deixa para o campo progressista um enorme desafio de combater o racismo estrutural, alimentado principalmente pelas classes dominantes que além de ricas, carregam uma herança maldita escravista, patriarcal e autoritária.
Do ponto de vista geral, há um discurso de defensiva, focando mais nas derrotas que sofremos do que nas possibilidades de vitória que temos. Vemos que é momento de trabalhar a indignação existente no meio do povo para lutar. Trata-se de um trabalho de reeducação, de debater de forma franca e aberta com o conjunto do movimento popular que devemos guiar nossas lutas sob a bandeira do enfrentamento, não da conciliação. Menos gabinetes e escritórios, mais militância nas comunidades, nas ruas, no meio do povo. Precisamos unificar os que desejam ir além, radicalizar, buscar pela raiz os problemas a favor dos explorados e oprimidos. Tivemos exemplos recentes, a Greve Geral de abril de 2017, em que 40 milhões de trabalhadores e trabalhadoras cruzaram os braços, derrotando a Reforma da Previdência de Temer. Este é o caminho. Inclusive, se boa parte das Centrais Sindicais e partidos de esquerda tivessem pensado menos nas eleições, nos mandatos, e tivessem se concentrado em continuar a unidade do setor progressista para fazer a segunda greve geral, ainda em 2017, teríamos derrotado a Reforma Trabalhista, derrubado o governo Temer e colocado os militares golpistas e a extrema-direita na defensiva. Por fim, não devemos perder a perspectiva da luta pelo socialismo. Por incrível que pareça, as ideias socialistas ganham força no mundo, na medida em que milhões de pessoas não acreditam mais no capitalismo. Até pesquisas nos EUA, coração do capitalismo mundial, demostraram isto. Portanto, é momento de não ter medo, é momento de fortalecer a resistência e de nos preparar para a contraofensiva, entendendo que a vida somente será digna para a maioria da população quando superarmos o capitalismo.