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Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2015, proibir as doações de empresas para campanhas eleitorais, o fundo partidário, composto de dinheiro público que é distribuído aos partidos políticos e outros recursos captados pelas legendas, passou a ter muito mais peso na construção de visibilidade de campanhas políticas.
Dada a importância do fundo partidário, a distribuição destes recursos entre os candidatos gerou no PSOL de São Paulo um debate sobre o racismo. Douglas Belchior, historiador e liderança do movimento negro paulista, é candidato a deputado federal pela sigla que ajudou a fundar em 2004 e critica o partido por, segundo ele, priorizar as candidaturas brancas na distribuição do fundo partidário em detrimento das candidaturas negras.
De acordo com Belchior, apesar de o PSOL ser um partido que encampa o discurso antirracista e que tem entre seus quadros importantes lideranças do movimento negro, ao destinar apenas o "resto" dos recursos a candidatos negros, a legenda acaba reproduzindo o racismo que condena. Ele enviou em julho uma carta ao partido em que pede esclarecimentos sobre a distribuição dos recursos e exige uma mudança de postura.
"Na história nós temos vários episódios que demonstram a radical falta de sensibilidade e a reprodução medonha do racismo no espaço das esquerdas. E esse debate ocupou a narrativa, ocupou o espaço do discurso, da elaboração escrita, mas ainda está longe de ser praticado. E uma das provas é esse ato que denunciamos. O partido que mais faz a defesa da população negra hoje, o partido que tem isso como um ponto de inflexão importante, na hora em que essa decisão de prioridade política pode se tornar material, ou seja, ser aplicado na prática, não é feito. Não é razoável que em 2018 se destine 80% dos recursos para a manutenção de espaços de poder para brancos e o resto para os negros. Isso não é admissível", afirmou Douglas em entrevista à Fórum.
Para o historiador, é papel dos próprios partidos de esquerda, como o seu, pautar essas mudanças no cenário político para que tenham reflexos na representatividade social. "O papel da esquerda é justamente esse, buscar novas formas de fazer, inventar novas maneiras de atuar, perceber o que tem pulsado de novo na sociedade. E o debate e a demanda com relação à questão racial está hoje em uma dimensão que nunca antes esteve. O racismo estrutura as relações sociais, as desigualdades e os conflitos. Se há concordância de que sim, o racismo é pano de fundo das desigualdades brasileiras, nós precisamos agir do ponto de vista da prática para combater isso. E é esse compromisso que esperamos dos partidos de esquerda", pontuou.
Por conta da exposição do problema da distribuição de recursos do fundo partidário, lideranças negras assinaram um manifesto em defesa de Douglas Belchior e de outras candidaturas negras. A íntegra do manifesto pode ser acessada aqui.
Caminhos
Para Dennis de Oliveira, professor da ECA-USP e um dos coordenadores do programa antirracial do PSOL para a presidência, o debate acerca da distribuição de recursos nos partidos é “novo” pois quando havia financiamento empresarial esses recursos do fundo partidário eram pequenos e cada candidato buscava arrecadação por conta própria. “Com a mudança da lei eleitoral, que você tem boa parte da campanha financiada por esse fundo público, esse debate ficou mais presente” explicou.
É por isso que, de acordo com Dennis, a distribuição recursos traz à tona a “prioridade” dos partidos, até como tática eleitoral de incentivar mais as candidaturas que têm chances de vencer, como a de candidatos que buscam reeleição ou que já são conhecidos do público. “O movimento negro, como tem uma fragilidade do ponto de vista de estrutura de sustentação, acaba não tendo esse peso nas estratégias dos partidos políticos, e isso acaba ocasionando no que aconteceu agora. Candidatos negros não são priorizados nas estratégias partidárias e agora o financiamento partidário expressa isso”, afirmou.
De acordo com o professor, a reclamação de Douglas Belchior é justa mas deve-se ponderar que "o número de candidatos negros no PSOL é maior que em todos os outros partidos". Ele lembrou, inclusive, que o diretório estadual do partido é presidido por outra liderança do movimento negro, Joselicio Júnior, o Juninho. Ao portal UOL, Juninho disse que "o PSOL é um partido que carrega as suas contradições".
Para superar essas “contradições”, Dennis explicou que o caminho seria fazer uma reforma política que garanta um percentual de recursos para candidaturas negras, tal qual foi conquistado, recentemente, pelas mulheres. Por lei, os partidos devem destinar 30% dos recursos do fundo partidário às candidaturas femininas.
"Se deixar a mercê de cada partido vai ser difícil isso [uma distribuição mais justa de recursos] avançar. É necessário pensar uma reforma política eleitoral que garanta esse percentual mínimo", sugeriu.
Douglas Belchior, no entanto, acredita que os partidos de esquerda não podem depender de uma lei para mudarem esse cenário. De acordo com o candidato, é necessário "sensibilidade" e "vontade política".
"Você acredita que os partidos de esquerda seguiriam esse procedimento [de destinar 30% dos recursos às candidaturas de mulheres] sem a força da lei? E não é muito triste ter que admitir isso? Por que os nossos partidos, que são aqueles que deveriam demandar as mudanças da sociedade, precisam esperar a força da lei para aplicar essas mudanças?", questionou Douglas.
"Em relação à questão racial isso é bem objetivo. A esquerda não tem que esperar uma lei para garantir isso. A mudança depende exclusivamente de sensibilidade e vontade política. E a gente não percebe essa vontade política", completou o historiador, salientando que se refere ao PSOL que é o seu partido mas que o problema se faz presente em todas as legendas de esquerda.