Eleições 2018: Afinal, por que Lula é imbatível?

A memória de um passado melhor nos governos Lula, para o cientista social Gustavo Ribeiro, contribui para a liderança do ex-presidente nas pesquisas. Para a cientista política Mariana Borges, por mais que a mídia vincule o nome de Lula à corrupção, isso tende a ser um fator de pouco impacto entre os seus eleitores

Lula. Foto: Ricardo Stuckert
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Quanto mais é perseguido pela mídia tradicional e pelo judiciário em suas várias instâncias, o ex-presidente Lula mais cresce em popularidade e avança nas diversas pesquisas de intenções de votos, até mesmo em estados onde, tradicionalmente, não são redutos petistas. De acordo com os levantamentos mais recentes do Datafolha e Ibope, Lula possui boas chances de vencer no primeiro turno, caso não tenha sua candidatura impugnada. Como explicar esse fenômeno? O cientista social Gustavo Cezar Ribeiro e a cientista política Mariana Borges falam à Fórum sobre a liderança nas pesquisas do ex-presidente, preso político desde o dia 7 de abril em Curitiba. “Os últimos anos foram muito marcados pelo esforço articulado entre grupos ideológicos, de mídia e representantes institucionais para a depreciação da imagem histórica do ex-presidente Lula e seu partido. Contudo, a narrativa montada por essa articulação encontrou a resistência da conjuntura econômica desfavorável, que insiste em reviver na memória dos brasileiros o período Lula e seus resultados”, analisa Gustavo Ribeiro, doutor em Ciência Política e Filosofia e professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).
"A venalidade das malas de dinheiro carregadas às escondidas e os áudios presidenciais vazados tornaram as alegadas pedaladas fiscais que motivaram o impeachment de Dilma Rousseff uma irregularidade quase irrelevante." Gustavo Ribeiro
De certo modo, prossegue ele, à medida em que foram expostos os casos de corrupção de políticos e ministros de Estado muito próximos a Michel Temer (MDB), essa narrativa de criminalização do PT foi perdendo força. “A eclosão do 'Caso Joesley', há cerca de um ano, acelerou ainda mais esse processo e, por contraste, fez os crimes imputados ao PT parecerem relativamente menores – ou bem menos acintosos. A venalidade das malas de dinheiro carregadas às escondidas e os áudios presidenciais vazados tornaram as alegadas pedaladas fiscais que motivaram o impeachment de Dilma Rousseff uma irregularidade quase irrelevante. Isso tornou evidente para grande parcela da população que Dilma não fora derrubada pelas razões jurídicas formalmente alegadas, mas por motivos políticos estrategicamente omitidos”. Era Lula Gustavo tem convicção de que a crise econômica e o descalabro imposto à vida dos brasileiros pela forma como o atual governo vem lidando com ela tornam o eleitor cada vez mais nostálgico da Era Lula. “Os anos petistas, especialmente sob Lula, foram marcados pelo crescimento econômico, pelo combate à pobreza e por algum grau de redução das desigualdades sociais no país. É verdade que esses avanços não se deram sem profundas contradições e limitações, mas a deterioração das condições do presente tende a fazermos olhar para o passado com maior benevolência”, constata. Em relação ao fato de que Lula representa um modelo político que mudou para melhor a vida do brasileiro, especialmente a camada mais pobre da população, o cientista social tem a seguinte opinião: “Não sei se podemos dizer que houve uma mudança radical para todos. Talvez isso seja verdade para os mais pobres, e entre esses a popularidade de Lula sempre foi alta. O que parece impulsionar seu crescimento recente, nas mais variadas faixas da população, é a constatação de que houve uma melhora generalizada das condições de vida do brasileiro durante seus governos”. Gustavo aponta para mais um detalhe: “A aproximação das eleições promove um fenômeno muito interessante. Por mais que, nos últimos anos, a conflagração da rivalidade política tenha polarizado o país, a chegada do momento de escolher um novo governante traz consigo o imperativo da realidade. As rivalidades de internet insufladas pelo prazer de pertencer a um grupo, pelo prazer de aderir a um conjunto de símbolos e discursos, cedem espaço para as exigências materiais que se impõem de forma inexorável. A definição do voto, na medida em que a data do primeiro turno se aproxima, responde cada vez mais aos critérios da vida concreta, da memória de um passado melhor, do que a discursos ideológicos abstratos. Na esfera pública, o convívio e debate entre ideologias é essencial à democracia, mas essas crenças só possuem desdobramentos reais quando parecem conectadas ao mundo real.  A popularidade de Lula se alimenta de uma memória, e isso é muito forte”. [caption id="attachment_139031" align="alignleft" width="300"] Gustavo: "O desequilíbrio nas investigações foi a primeira rachadura da narrativa de que ‘a lei é para todos’, slogan da Lava Jato”"- Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Pesquisas A subida de Lula nas pesquisas, segundo Gustavo, se dá pela associação de dois eventos principais. “O primeiro é a chegada do período eleitoral que, por ter consequências materiais sobre a vida de todos, nos exige o recurso à razão mais do que à emoção. Adesões ‘estéticas’ a esse ou àquele grupo, bem como motivadas por bandeiras ligadas às questões morais e de costumes cedem espaço ao imperativo concreto da vida material. A memória dos governos Lula, nesse sentido, acaba falando mais alto do que as ressalvas que se possa ter contra o ex-presidente. O outro evento é a queda da narrativa encabeçada pela articulação de grupos de mídia, representantes de instituições ligadas à justiça e setores organizados da sociedade. A evidência do tratamento 'especial' conferido a Lula, se comparado aos principais líderes de outros partidos, contribuiu nesse processo.” O avanço do ex-presidente nas pesquisas eleitorais, no entendimento de Mariana Borges, doutoranda em Ciência Política na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, tem relação com vários fatores. “É difícil negar que o apoio de Lula entre os eleitores mais pobres resulta na melhoria de vida que essa parte da população experimentou durante os anos do seu governo e parte do governo Dilma. Independentemente da discussão da paternidade dessas melhorias, o fato é que para o eleitor mais pobre foi durante o governo Lula e parte do governo Dilma que experimentaram uma melhoria na sua renda e condições de vida de forma sem precedente. Desde a expansão do Bolsa Família, acesso a bens de consumo antes inacessíveis para essa camada, expansão do acesso a serviços públicos básicos, como água encanada, energia, acesso à moradia e até a chegada às universidades. E o eleitor associa essas melhorias, sem dúvida, ao nome de Lula. Por esse motivo, o PT bate tanto na tecla do ‘time de Lula’, do ‘time do 13’. Como disse o governador da Bahia, Rui Costa, ‘tudo isso se consagra no 13’." Ela ressalta outros fatores: “Nesse momento, o eleitor mais pobre tem uma comparação direta com o atual governo, que passou pente fino no Bolsa Família e implementou cortes dramáticos nos serviços públicos e inúmeros outros programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida. Ainda que o PT, enquanto partido, tenha dificuldade de ganhar, na mesma medida que Lula, o apoio entre os mais pobres, no momento das eleições para presidente, a simbologia que Lula representa para os eleitores mais pobres fica mais forte e evidente”. Para além disso, conforme Mariana, a polarização da sociedade brasileira que se aguçou após o impeachment de Dilma Rousseff, se unificou diferentes segmentos antipetistas em torno de uma causa só, também pode estar unificando os eleitores de esquerda. “Ainda que o campo da esquerda não tenha um candidato único, enquanto Lula estiver nas pesquisas, o apoio a ele também pode refletir um posicionamento de oposição aos setores que destituíram Dilma Rousseff da presidência e, atualmente, governam o país. Como os antropólogos Beatriz M. A. de Heredia e Moacir Palmeira mostram, o voto também representa a adesão a um grupo na sociedade. O apoio a Lula, que dificilmente poderá concorrer, pode refletir, portanto, o gesto simbólico de oposição aos setores que promoveram o impeachment e a todas as reformas que seguiram.” Influência da Lava Jato   Gustavo destaca que a justiça brasileira, com seu comportamento parcial, está, no mínimo, ajudando muito a transformar Lula em um mito. “Independentemente da propriedade dos paralelos, a prisão produziu comparações de sua figura com personagens históricos de vulto incontestável, como Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, ou até com Jesus Cristo. Essas comparações se alimentam não apenas do evento da perseguição jurídica e prisão, comum a todos eles, mas de uma série de elementos dessas biografias que, muitas das vezes, convergem entre si: devoção e sacrifício pessoal em nome de causas; defesa dos mais pobres; perseguição por parte dos poderosos etc”. É inquestionável que a percepção popular de que a Operação Lava Jato é parcial, que utiliza critérios diferentes, dependendo a qual partido pertence o investigado, cresceu ao longo do tempo. Gustavo Ribeiro busca explicação na origem da Lava Jato. “É lugar comum na nossa sabedoria nacional que a corrupção é um problema endêmico no Brasil, mas, nos últimos anos, pareceu haver um movimento articulado para alçar o PT a um outro patamar na escala da corrupção, tornando-o uma espécie de núcleo difusor e organizador dos maiores crimes de administração pública já verificados.” Para ele, em um primeiro momento, em 2014, ainda sob impacto das revelações dos escândalos da Petrobras, esse tipo de narrativa causou enorme estrago na reputação do partido. Tanto que, segundo ele, o tremendo impacto negativo se verificou já nas eleições municipais de 2016, quando a presença petista nas prefeituras se reduziu a menos da metade. “Naquele momento, a Lava Jato parecia contar com apoio popular quase irrestrito. Uma frase que muito se ouvia nas manifestações de rua, nos meses que antecederam o impeachment, era 'primeiro a gente tira a Dilma, depois tira o resto'. O 'resto' nunca veio, a despeito dos escândalos que continuavam a surgir justamente nos núcleos que impulsionaram a quebra institucional que depôs a presidente Dilma. O fervor com que se revelava, investigava e punia os supostos desvios ligados ao PT contrastavam com a mais rigorosa ausência de resultados semelhantes para possíveis desvios dos políticos do PSDB, principal partido da oposição à Dilma. Esse desequilíbrio foi a primeira rachadura estrutural da narrativa de que ‘a lei é para todos’, slogan da Operação Lava Jato”, acrescenta. Na percepção de Mariana, as pesquisas de opinião sobre a Lava Jato mostram que a população está dividida. De um lado um segmento acredita que a operação é uma investigação imparcial e que apura todos os políticos, sem olhar a cor do partido, e, do outro lado, parcela acredita que a investigação persegue Lula e o PT.
"Diante da percepção no Brasil de que a corrupção é generalizada na política, isso acaba não sendo um fator diferenciador na hora do voto para os eleitores." Mariana Borges
“Essa divisão pode muito bem refletir a polarização atual da sociedade brasileira entre petistas e antipetistas. Os estudos dos pesquisadores Cesar Zucco e David Samuels revelam que o fato de um indivíduo se identificar com o PT ou com o PSDB influencia sua opinião sobre políticas públicas. Se sabemos que as crenças anteriores dos indivíduos influenciam como eles interpretam a sua realidade, a mesma dinâmica pode estar ocorrendo em relação à Lava Jato. De um lado, apoiadores do PT a identificam como parcial e, de outro, antipetistas a enxergam como imparcial”, opina. Já na avaliação de Mariana Borges, para entender as razões de Lula continuar liderando e crescendo nas pesquisas de intenção de voto, apesar de sua condenação na Lava Jato, é necessário antes compreender como os eleitores percebem e julgam a corrupção na política. “Na minha pesquisa com eleitores mais pobres do Sertão da Bahia, por exemplo, eu descobri que, diferentemente do que se pensa, os eleitores pobres são extremamente críticos em relação aos políticos que percebiam como corruptos. Ao mesmo tempo, porém, esses eleitores assumiam que poderiam votar nesses políticos”, revela Mariana, doutoranda em Ciência Política na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, onde estuda comportamento eleitoral, opinião pública, eleições e partidos políticos, com enfoque no Brasil. [caption id="attachment_139030" align="alignleft" width="244"] Mariana Borges: "O eleitor associa melhorias, sem dúvida, ao nome de Lula" - Foto: Arquivo pessoal[/caption] O que essa dinâmica local aponta, explica Mariana, é algo para que outros estudos sobre corrupção e responsabilidade eleitoral já vêm indicando: de que a decisão sobre o voto é mais complexa do que um simples apoio ou rejeição à corrupção, pois, de forma geral é abstrata. “Todos os eleitores condenam a corrupção. Porém, se a corrupção vai ser um fator determinante no voto de um eleitor vai depender de como ele percebe a corrupção em sua comunidade, de como percebe as acusações de corrupção e de quão relevante e diferenciador a corrupção é em relação a outras variáveis importantes para os eleitores”, reflete. “Diante da percepção no Brasil de que a corrupção é generalizada na política, isso acaba não sendo um fator diferenciador na hora do voto para os eleitores. Além disso, há também o fato de os eleitores entenderem as acusações de corrupção como uma arma de disputa política entre as elites políticas. Não apenas há inúmeros estudos que mostram como essas elites usam acusações de corrupção como arma para enfraquecer seus adversários, mas também há o consenso de que os eleitores filtram essas acusações, de acordo com suas crenças anteriores”, acrescenta. Diante desses fatores, continua Mariana, por mais que o nome de Lula seja constantemente vinculado ao noticiário de corrupção, isso tende a ser um fator de pouco impacto entre os eleitores do ex-presidente. “Seja porque a percepção é de que a corrupção é inerente à política e, portanto, pouco diferencia os políticos, seja porque os apoiadores de Lula tendem a ver as acusações contra Lula como politizadas e parciais.”