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Por Eduardo Costa Pinto*
O movimento dos caminhoneiros, que paralisou o país no final do mês passado, foi uma reação ao aumento dos preços dos derivados, mais especificamente do diesel nas refinarias (que passou de R$ 1,81 em 08/02/2018 para R$ 2,34 em 23/05/2018, crescimento acumulado de 26%) que foram repassados paras as bombas dos postos de combustíveis.
Muitos analistas defenderam que o aumento dos derivados seria fruto do aumento dos impostos e dos cartéis dos postos. Hipóteses completamente equivocadas. Entre novembro/2017 e maio/2018 não ocorreram variações expressivas nas alíquotas dos impostos que incidem sobre o setor (CIDE, PIS, COFINS, ICMS, etc.) e as margens dos postos/de revenda ficaram praticamente estáveis no período (em torno de cerca de 10% para o diesel e gasolina).
Não há dúvida que essa crise foi causada pela atual política de reajuste dos derivados e de refino da Petrobras, que atrela os preços dos combustíveis, produzidos nas suas refinarias, ao do mercado internacional e com as variações cambiais, sem levar em conta os custos de produção do refino nacional, que não necessariamente segue diretamente os preços internacionais. Com essa política, a empresa repassou os custos econômicos da volatilidade dos preços e do câmbio para os consumidores (de diesel, gás de cozinha e gasolina).
O argumento do Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras que pediu demissão no auge da crise, e de boa parte dos valorosos “especialistas” de plantão, é que essa política estaria garantindo hoje a lucratividade da empresa, permitindo aumentar os dividendos de seus acionistas. Será que esse argumento é verdadeiro?
Essa questão somente consegue ser explicada quando se analisa o mix entre a política de preços da Petrobras (variações nos preços dos derivados nas refinarias) e a estratégia para o refino (variações na quantidade processada nas refinarias).
Esse segundo eixo da estratégia da Petrobras tem criado artificialmente uma capacidade ociosa, nas suas refinarias (31,9% em março de 2018), com o objetivo de abrir espaço, num primeiro momento, para a entrada de importadores de combustíveis para; num segundo momento, vender suas refinarias, sendo que estas (em mãos privadas) poderiam posteriormente ocupar os atuais espaços dos importadores.
É verdade que boa parte da queda do nível de utilização das refinarias entre 2015 e 2016 foi fruto da crise que gerou expressiva diminuição do consumo de derivados. No entanto, em 2017, mesmo com certa recuperação da venda de derivados (expansão de 1,2% do consumo aparente), o nível de utilização das refinarias continuou caindo (diminuição de 4,7% na produção), permitindo o crescimento das importações de derivados e a entrada de novos importadores de gasolina, diesel, querosene da aviação e GLP.
Sim, por incrível que pareça, a Petrobras está criando artificialmente capacidade ociosa. Como assim? Pois, como afirma José Sérgii Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, é possível a gestão da companhia definir o nível de utilização do refino, ao contrário vinha afirmando Pedro Parente: “Nas refinarias, o algoritmo de programação linear pode ser alterado de forma a maximizar o seu uso. É uma questão de escolha estratégica o ajuste de algoritmo. No atual cenário, portanto, há uma opção de reduzir o papel da Petrobras e ampliar a presença de outros atores no mercado de refino, vendendo participações em algumas refinarias e, para isso, é necessário criar um ambiente que atraia potenciais investidores”.
Não, não é uma questão de custo. Pelo contrário, o custo de importar derivados é muito maior, cerca de R$ 1,47 por litro (preço de importação mais custos de transporte interno), do que o custo de produção de derivados nas refinarias da Petrobras que é de R$ 0,96 por litro (Tabela 1).
Junto com o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustiveis Zé Eduardo Dutra, Rodrigo Leão, calculamos esse custo do refino considerando que a Petrobras é uma empresa integrada e que a área de Exploração e Produção repassa petróleo cru (ao preço do custo de produção de petróleo e gás que é da ordem de R$ 0,5 real por litro) para a área de abastecimento que é responsável pela venda e refino.
Imputou-se ao custo de refino as seguintes despesas: 1) gastos da carga processada que é da ordem de R$ 0,58 por litro. Esse valor é dado pela soma entre 0,50 real por litro, formando pelos custos de produção do petróleo e gás ponderado pela proporção da carga de origem nacional (94%), e R$ 0,08 real por litro que é a despesa decorrente da carga importada (preço de importações de petróleo ponderado pela participação da carga importada – 6%); 2) do custo de transporte (R$ 0,24 por litro); 3) do custo operacional do refino (R$ 0,06 por litro); e 4) custos de depreciação, depleção e amortização das refinarias (R$ 0,08 real por litro).
Essa coleção de números nos diz que cada litro de derivado importado custa R$ 1,47 por litro, ao passo que se esse mesmo derivado fosse produzido pelas refinarias da Petrobras custaria R$ 0,96 reais por litro. Qual é o sentido econômico para a Petrobras não ampliar a produção e perder deliberadamente o seu market share no consumo aparente do mercado derivados? Sabe-se que o preço internacional é uma referência importante em função do custo de oportunidade, entretanto, o custo de produção pode permitir flexibilidade na gestão de preços a fim de garantir a participação e/ou evitar a volatilidade nos preços praticados no mercado doméstico.
Das duas uma: ou a petroleira brasileira está abrindo mão de forma deliberada de sua participação no mercado, adotando uma estratégia sui generis de não competir, de não lutar pelo seu mercado, de criar condições que favoreçam o seu competidor; ou ocorreu um enorme erro na gestão da sua produção que alocou de forma ineficiente os seus recursos.
Nesse sentido, a questão central, portanto, não é a política de preços strictu sensu, mas sim a política adotada para o refino como um todo, pois essa política pode até garantir aumento das margens (preços de vendas menos os custos – variações positivas nos preços), mas que são eliminadas pelas perdas na quantidade produzida.
Um outro argumento utilizado é de que as exportações de petróleo apresentariam rentabilidade mais elevada do que a do produto refinado.
Vejamos: o custo de refino como vimos é de R$ 0,96 por litros ao passo que o custo para exportação de petróleo cru é de 0,58 real por litro (custo de produção do petróleo e gás somando ao custo de transporte); no entanto o preço dos derivados vendidos no mercado interno é de 1,61 real por litro bem superior ao preço de 1,17 real por litro do petróleo brasileiro exportado. Com isso, para cada litro de derivado produzido a Petrobras lucra 0,65 real por litro, ao passo que para cada litro de petróleo exportado a empresa lucra 0,59 real por litro (Tabela 1).
Nesse sentido, a atual política de preços da Petrobras é uma escolha política da atual diretoria que visa reduzir sua participação no refino para atrair compradores internacionais para suas refinarias. Ou seja, uma estratégia deliberada que troca a estabilidade da empresa integrada (“do poço ao poste”) pela geração de caixa no curto prazo, adotando uma gestão curto prazista não condizendo com o segmento de petróleo e gás.
*Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador/bolsista do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP)