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POLÍTICA
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[caption id="attachment_135672" align="alignnone" width="1000"] Foto: Nelson Jr./ASICS/TSE[/caption]
Rodrigo Abel*
Sopram ventos malignos no planeta azul. Nossas vidas titubeiam no turbilhão de múltiplas crises. Uma crise econômica que se prolonga em precariedade de trabalho e em salário de pobreza. Uma violência crescente contra as mulheres que ousaram ser elas mesmas. Uma galáxia de comunicação dominada pela mentira, agora chamada de pós-verdade. Uma sociedade sem privacidade, na qual nos transformamos em dados. E uma cultura denominada entretenimento, construída sobre o estímulo de nossos baixos instintos e a comercialização de nossos demônios. Manuel Castells
Há poucos meses das eleições presidenciais, ainda paira no ar um mar de incertezas. Não são poucos os analistas e cientistas políticos que, diante de um quadro de tamanha imprevisibilidade, sentem-se desencorajados em afirmar a nítida existência de uma tendência no atual processo eleitoral.
Mesmo neste quadro de profunda imprevisibilidade, ainda que não seja propriamente uma corrente hegemônica, ganha cada vez mais espaço a percepção de que realmente estamos diante de uma eleição presidencial de novo tipo, seja pelo fato de experimentarmos um curtíssimo período eleitoral – 45 dias, pela nova forma de financiamento –, ou pelo agravamento da crise de representação que se abateu no Brasil.
Embora ressentidos pela falta desta clareza de outrora, sempre existirá o passado como último recurso para análise. É, portanto, pelo retrovisor da história eleitoral recente que podemos entender um pouco do presente, para, ao fim, cotejarmos as possibilidades de futuro.
Desta forma, ao exercitarmos a regressão como método de análise e encapsularmos o quadro histórico das eleições brasileiras pós-ditadura militar, encontraremos com certa exatidão a existência de um ou dois signos regentes – grandes temas, que delimitaram todos embates que nos levaram às urnas até aqui. De Collor, passando por FHC, Lula e Dilma, a dinâmica eleitoral brasileira sempre esteve organizada a partir de ideias e propostas que orbitaram ora entre o social, ora entre o econômico. Emprego, saúde, educação, saneamento, estabilidade e inflação foram alguns dos temas dominantes entre 1989 e 2014.
Lograram êxito ao longo da nossa recente história político-eleitoral, os candidatos que melhor expuseram suas ideias, e que, embalados por consistentes alianças eleitorais – parlamentares, conseguiram capturar um determinado centro eleitoral médio, o qual não estaria identificado com a direita, tampouco com a esquerda – pragmatismo do medo.
Assim, ao propor a ideia de signos como eixos que traduzem o caminhar às urnas, e analisando as pesquisas disponíveis, pode-se concluir que as eleições de 2018 caminham realmente para adquirir novos regentes. Agendas como corrupção e segurança pública, até então deslocadas de qualquer centralidade eleitoral, surgem com capacidade ímpar em desorganizar toda uma certa cultura pretérita do voto no Brasil, tornando-se um convite fácil para, através das urnas, se buscar as mais absurdas e mágicas soluções.
Mas não chegamos a estes novos signos regentes por acaso. Por detrás desta perigosa percepção, residem duas causalidades que foram edificadas minuciosamente ao longo dos tempos.
A primeira causalidade parte da constatação real de que estamos diante da maior e mais profunda crise imposta à democracia liberal ocidental – não há mais um único núcleo, são vários “organismos” operando sob profundas contradições. Os mecanismos e as fórmulas, cujas categorias representativas foram erguidas após a segunda grande guerra, não conseguem mais responder as expectativas da sociedade, gerando uma profunda insegurança e desesperança nas estruturas de mediação da cidadania - a recente eleição suplementar no estado de Tocantins, onde mais de 50% dos eleitores decidiram não votar em nenhum dos candidatos, é um bom exemplo deste descompasso.
No Brasil, esta crise se expressa exemplarmente no recente colapso moral dos três maiores e mais importantes partidos nacionais – PMDB, PSDB e PT, que diante da exposição pública dos seus métodos de financiamento, implodiram com a estabilidade política construída pós constituinte de 1988.
A segunda premissa causal que contribui de forma significativa para o surgimento de signos regentes deslocados da recente história eleitoral brasileira, designa-se a deturpação da condição de “gatekeeper” (1) da imprensa, cujo protagonismo permitiu a construção e desconstrução de determinados pontos de interseção – econômicos e sociais, estabelecendo verdades como mentiras e mentiras como verdades.
Antagônicos
Ao propor e sugerir, por exemplo, a corrupção como o “grande” problema nacional, a mídia consolidou um fértil terreno para o surgimento de uma operação política que se estabelece a partir dos antagônicos e que nos leva ao perigoso campo do populismo – de direita e de esquerda.
Ao convencionarmos que a política é um caminho ao centro - face o nosso histórico, e que a agenda posta é dos extremos, alude-se que a margem para manobras políticas fica obstaculizada para uma conversão centrista, permitindo-nos supor estarmos diante da uma eleição dos extremos, neste caso entre Bolsonaro e Lula – ou um representante seu.
É diante destes estranhos signos, construídos por várias mãos, que infelizmente haveremos de caminhar às urnas em outubro próximo.
Nunca uma única palavra conseguiu expressar com tamanha clareza o que o Brasil precisa: sorte!
(1) Gatekeeping é um conceito jornalístico para edição. Gatekeeper é aquele que define o que será noticiado de acordo como valor-notícia, linha editorial e outros critérios.
*Rodrigo Abel é doutorando em Ciência Política pela Universidade de Lisboa