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O ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), escreveu uma carta ao ex-presidente Lula.
Nela, em tom emocionado, o companheiro de lutas adverte: “vivemos tempos que não imaginávamos viver, companheiro Lula. Não acreditávamos que a escuridão poderia sombrear nossa estrela. Que ilusão! Sombreou, mas não apagou! Ainda há luz, brilho, sonhos e projetos. Mas que luta, amigo!”
Leia a carta na íntegra abaixo:
Carta ao companheiro Lula
Por João Paulo Cunha
Há um mês você suporta de pé uma grande injustiça. Nesse tempo teus algozes continuam agachados e ruborizados com seus próprios atos. Eles ainda não perceberam que prenderam um homem e nasceu um mito, uma lenda! Agora, virou história. E para os mandões de togas, becas ou gravatas afrancesadas (independentemente da cor da camisa) sobraram o lixo e o rodapé de um livro qualquer, num ano do futuro.
Há coragem no entorno de seu cativeiro. Ela se mistura às flores das quaresmeiras curitibanas caídas pelas ruas da cidade e exala perfume de amor com causa e lufadas de solidariedade vindas do Brasil inteiro.
Os estampidos dos tiros (balas encharcadas de ódio) na direção da improvisada aldeia, a violência de um delegado psicopata e fascista e os gritos raivosos não impediram que um fio de lua minguante mostrasse sua cara no céu, iluminando homens e mulheres que, na escuridão azulada e com um friozinho de outono, disseram: boa noite, Presidente! Mais uma vez a esperança vence o medo.
Mas vivemos tempos que não imaginávamos viver, companheiro Lula. Não acreditávamos que a escuridão poderia sombrear nossa estrela. Que ilusão! Sombreou, mas não apagou! Ainda há luz, brilho, sonhos e projetos. Mas que luta, amigo!
Bem faz você que não olha para baixo para não deixar de ver estrelas.
Há lições a aprender: canalhas também têm coragem. Assinam sentenças, expedem mandados, publicam teses, livros, artigos e proferem palestras. E se não bastasse, são campeões em tudo: na moral, nos costumes, na honestidade, e até na fé.
Contudo, ainda há de se acreditar na Justiça. Não dos que guardam na lapela da toga o ódio de classe. Nem dos que bendizem a Bíblia para subverter o mandamento de Deus, tomando o seu santo nome em vão. Muito menos nas tintas das canetas de escribas envenenados. Esses querem a Justiça de olhos vendados.
Apesar da crueza dos tempos, você encanta o mundo e sua força anima milhões de pessoas. Mas você sofre, Lula!
Ontem à noite você apagou as luzes para conversar melhor com Deus. Coçou os olhos e assobiou quietinho no seu canto uma música de Luís Gonzaga, que dizia assim: “Tudo em vorta é só beleza/ Sol de abril e a mata em frô/ Mas assum preto, cego dos oio/ Num vendo a luz, ai, canta de dor”.
Certamente Deus entendeu. Os guardas entreolharam-se e você chorou.
Suas lágrimas encharcaram aquele travesseiro de fronha branca que você vem reclamando que é muito baixo, mas não havendo outro é com este mesmo que dorme. Você virou do lado, fechou os olhos para o escuro e dormiu.
Aqui de fora ficamos acordados na ilusão de te proteger. Nos sentimos impotentes, mas não desgrudaremos de você.
São trinta dias de lembranças. Às vezes ela – a lembrança - entra na cela por um fio de vento frio, característico de Curitiba, te obrigando a buscar um cobertor, se aquecer e falar: Marisa.
Nós aqui lembrando por onde você passou, o que você falou e tudo que você fez. Você sabe o que fez, para quem fez, quando e como fez. Os mais pobres e os solidários sabem e aplaudem. Os hipócritas, verdugos e preconceituosos sabem, mas não reconhecem. A inveja cega-os e o recalque cala-os.
Sabemos também da autocrítica que você não fez.
Teus companheiros disseram que estávamos numa guerra e que você era o troféu final. Você não escutou. Ah, Lula, alertamos da ilusão dos engravatados, do bom vinho oferecido, das mentiras de candidatos às vagas de ministros e dos puxa-sacos. Alguns subiram tanto, Lula, que num determinado tempo nem te reconheciam mais. Outros voltam a rondar sua estrela.
A vida é dura, companheiro! Acompanhamos seus milhares de passos até aqui. Vimos muitas terras pisadas por você. Tantas mãos apertadas. Observamos abraços confortantes e outros tantos falsos. Presenciamos brindes, regalos e acenos de mãos. Vimos também suas derrotas, seus sofrimentos e seus abatimentos. Alegramos nas suas vitórias, enxergamos felicidade e nos espantamos com sua fortaleza. Seus olhos brilharam na África. Os abraços dos parceiros da América Latina, as conversas com os amigos europeus e acima de tudo a alegria e confiança no povo brasileiro eram combustíveis para sua luta.
Agora, te acompanhamos nas caminhadas de lá para cá e de cá pra lá, realizadas em cinco metros do mundo que pensam que te prenderam: não se prendem ideias. Elas voam!
De longe vemos escorrer pelos cantos das bocas dos seus algozes um prazer meio mórbido e doentio. Sei que você sente pena, mas eles são cruéis, Lula. Jesus deu a outra face, mas ele era Deus. Você devia ter seguido o ensinamento da Dona Lindu: Luís Inácio, não bata em ninguém, mas não apanhe.
Para além do ódio eles pensam em apagar o seu tempo. Desconhecem a história e os ensinamentos. Você já escreveu com tintas de sofrimento sua parte na história. E aprendemos que aos covardes, falsos, fascistas e entreguistas – repetimos - o lugar é o lixo.
Mas Lula, o que estará acontecendo? Será uma recorrência da triste história brasileira? Getúlio, Juscelino, Tiradentes, Jango, Zumbi...
Será repetição da vida de Mandela, Peron...?
Ah! Precisamos te falar: peça cautela ao seu partido. Você é o motivo da unidade e em seu nome ninguém pode provocar a dispersão.
Agora, quando a noite chega de novo, sentimos uma bruma carregada de sentimentos positivos a embalar seus pensamentos. Você caminha até uma janela que dá para lugar nenhum. Ouve um som bem longe. Devagarinho, reparamos de novo nas quaresmeiras de maio. Elas despejam suas flores roxas nas ruas da cidade. Mandam sinais aos juízes que te condenaram, mostrando que a mentira e a hipocrisia não geram flores, nem perfume. Não cobrem as ruas e nem fazem sombras. A toga desbota com o tempo e a sentença pronunciada numa voz com ira não alcança outro outono. Vira arquivo.
Você não esperará sua morte num prédio cafona, azul desbotado, num cubículo de quinze metros! Fique firme, companheiro. Os braços do povo brasileiro te aguardam!
João Paulo Cunha, 7 de maio de 2018.