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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do Ministério Público Federal soltaram nota nesta sexta-feira (11) sobre Memorando escrito em abril de 1974 por William Colby, então diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos. No documento ele afirma que o presidente Ernesto Geisel decidiu manter a política de “execução sumária” de opositores do regime militar praticada pelos órgãos de segurança do seu antecessor, o general Emílio Garrastazu Medici.
No posicionamento, os dois órgãos do MPF defendem que o Supremo Tribunal Federal “deve promover o diálogo de sua decisão que validou a Lei de Anistia à luz do direito internacional.”
“O Ministério Público Federal, desde 2008, investiga e processa esses crimes, em estrita observância a essas normas. Entretanto, em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 153, que considerou válida a Lei de Anistia à luz do direito brasileiro, o Poder Judiciário tem sido refratário às iniciativas de responsabilização criminal dos autores dessas graves violações aos direitos humanos”, diz a nota.
Leia a íntegra da nota abaixo
Documento revelado pelo governo dos Estados Unidos confirma a prática de crimes contra a humanidade pela ditadura brasileira
Brasil é o único país do continente que, após ditadura ou conflito interno, protege os autores de graves violações aos direitos humanos com uma Lei de Anistia. Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a impunidade desses crimes desrespeita obrigações do Brasil assumidas de acordo com o direito internacional dos direitos humanos e a própria Constituição Federal.
A divulgação pelo Departamento de Estado do governo dos Estados Unidos de memorando do Diretor da CIA – Central Intelligence Agency ao Secretário de Estado daquele país, datado de 11 de abril de 1974, é mais uma evidência de que o regime militar no Brasil foi responsável por crimes contra a humanidade, conforme entende o Ministério Público e a Comissão Nacional da Verdade.
Esse documento refere que o presidente do Brasil recém-empossado, general Ernesto Geisel, orientou ao então chefe do Centro de Informações do Exército – CIE General João Batista Figueiredo (e que sucederia a Geisel na presidência da República) para continuar com a política de execução extrajudicial de opositores à ditadura militar.
Crimes contra a humanidade são crimes internacionais da mais alta gravidade, cuja persecução é de interesse da comunidade internacional e obrigação de todos os Estados. Nos termos do direito internacional dos direitos humanos e do direito internacional penal, se entende que são crimes contra a humanidade quaisquer atos violentos graves – tal como assassinato, extermínio, escravidão, tortura, desaparecimento forçado de pessoas, violências sexuais – cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil, de acordo com uma política do Estado ou de uma organização.
De acordo com normas internacionais obrigatórias e vinculantes ao Brasil, esses crimes não são passíveis de anistia e tampouco se sujeitam a prazos prescricionais ou outros óbices processuais ou penais do direito doméstico. Assim, a persecução penal desses delitos é uma obrigação das instituições públicas brasileiras. O Ministério Público Federal, desde 2008, investiga e processa esses crimes, em estrita observância a essas normas. Entretanto, em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 153, que considerou válida a Lei de Anistia à luz do direito brasileiro, o Poder Judiciário tem sido refratário às iniciativas de responsabilização criminal dos autores dessas graves violações aos direitos humanos.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal acreditam que a Suprema Corte deve promover o diálogo de sua decisão na ADPF nº 153 com o direito internacional e, sobretudo, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund, a qual, em 2010, declarou a invalidade da Lei de Anistia para casos de graves violações aos direitos humanos. Igual entendimento tem a Procuradoria-Geral da República, conforme parecer oferecido na ADPF nº 320. De notar, aliás, que a Corte Interamericana está na iminência de publicar sua sentença no caso Herzog, a qual certamente reforçará a condenação ao Estado brasileiro por não promover justiça pelos gravíssimos crimes cometidos pela repressão durante a ditadura militar.
O documento do governo americano, ao revelar nova evidência de que a repressão política pela ditadura militar incluiu uma política de extermínio de opositores do regime, convida para uma resposta breve do Estado brasileiro em favor da promoção da justiça.
A Suprema Corte brasileira, ao conformar a aplicação da Lei de Anistia e da prescrição penal às normas vinculantes do direito internacional e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ajustará o Brasil ao parâmetro adotado por todos os Estados da América Latina que passaram por ditaduras ou conflitos internos durante os anos setenta e oitenta. Em um processo iniciado pela Corte Suprema de Justiça da Argentina em 2005, no caso Simón, e que teve seu mais recente capítulo em 2016, quando a Corte Suprema de El Salvador declarou inconstitucional a lei de anistia que impedia o julgamento de combatentes na guerra civil daquele país, todos os países da América Latina superaram os óbices normativos para a investigação, processamento e responsabilização de autores de graves violações aos direitos humanos. O Brasil, atualmente, é a única exceção.
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Luiza Frischeisen – Coordenadora da Câmara Criminal do MPF
Domingos da Silveira> – Procurador Federal Adjunto dos Direitos do Cidadão
Marlon Weichert – PFDC adjunto e coordenador do Grupo de Trabalho Direito à Memória e à Verdade